Cliente denuncia racismo em loja de shopping em Fortaleza

O caso aconteceu na Adidas do North Shopping, no bairro São Gerardo, em Fortaleza. Vendedor pediu que a cliente entregasse a bolsa antes de entrar no provador, e gerente justificou dizendo que era política da loja

Quando Michele Maciel, de 33 anos, foi a uma loja oficial da Adidas no North Shopping, em Fortaleza, ela tinha apenas a intenção de experimentar algumas peças e abastecer o guarda-roupas com modelos para usar na academia. “O que aconteceu foi que eu saí de lá me sentindo um nada. Entrei no carro e comecei a chorar”, resume. Quatro dias após a denúncia, a Adidas se posicionou afirmando que "é política da loja dar ao cliente a opção de deixar seus pertences com os funcionários com o objetivo de oferecer mais conforto e praticidade".

Na tarde dessa sexta-feira, 22, a psicóloga havia escolhido algumas roupas e se dirigiu ao provador, mas antes disso, o vendedor solicitou que ela entregasse a bolsa que ela estava carregando. Ao ser questionado, ele respondeu que enquanto ela estivesse experimentando as peças, a bolsa ficaria em cima do balcão, ao passo que a gerente afirmou que seria uma “política da loja” e um “protocolo”.

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“Fiquei no provador um tempo me perguntando o que eu poderia ter feito pra ele ter pedido minha bolsa, sendo que eu já fui a outras lojas da mesma marca em outros shoppings e isso nunca tinha acontecido. Será que ele teria feito isso comigo se eu fosse branca? Ele pensou que eu iria roubar alguma coisa só porque sou negra?”, questionou Michele em entrevista ao O POVO.

O relato dela também tinha sido publicado em uma rede social, e muitas pessoas também comentaram que não tinham o costume de serem abordadas pelos vendedores na mesma unidade para que deixassem seus pertences no balcão ao usar o provador.

A publicação foi feita no início da noite de sexta, com os perfis do North Shopping Fortaleza e Adidas marcados. Na manhã de sábado, o centro de compras respondeu.

“Fomos informados sobre o ocorrido em uma de nossas operações e reforçamos que não compactuamos com nenhum tipo de preconceito. Estamos apurando com a loja o fato narrado e gostaríamos de te ouvir", diz a mensagem do perfil do estabelecimento. 

Michele se emocionou várias vezes enquanto falava com a reportagem sobre o ocorrido e lamentou que episódios como esse não sejam um fato isolado no País. “Não sou ativista, não sou estudiosa sobre o racismo, sou apenas uma pessoa comum que tem algum nível de informação e tenta passar alguns valores para os meus sobrinhos, como auto respeito, principalmente porque já vivi outras situações antes. Mas nenhuma como esta. Nas outras, apenas engoli e fiquei calada. Mas desta vez, não”, acrescenta.

Questionada sobre o que poderia ser feito para que situações como essas fossem menos comuns, Michele foi enfática: “Não gostaria que apenas o vendedor fosse chamado a atenção, e sim todos que fazem parte desse segmento. Uma alternativa seria a marca fazer palestras e debates para conscientizar os funcionários”, sugere.

O advogado Henrique Castelo explica que o cliente, ao ser orientado a lacrar sacolas, bolsas ou mochilas ao entrar em alguma loja ou supermercado, não deve se sentir impelido, já que não existe lei que o obrigue a isso. "Esse tipo de orientação só serve para colocar as pessoas em situações vergonhosas e constrangedoras. Há outras medidas para combater o furto de produtos, como o lacre, monitoramento por câmeras ou as tarjas eletrônicas", destaca.

Ao O POVO, o North Shopping Fortaleza enviou nota informando que “não tolera nenhuma forma de discriminação e ressalta que, assim que tomou conhecimento do ocorrido, buscou contato com a cliente e com a loja”.

Na terça-feira, 26, a Adidas enviou nota ressaltando que a unidade franqueada no North Shopping "repudia com veemência toda e qualquer forma de preconceito e discriminação" A nota destaca ainda: "É política da loja dar ao cliente a opção de deixar seus pertences com os funcionários com o objetivo de oferecer mais conforto e praticidade. Mas é apenas uma oferta que pode ser recusada, jamais foi condicionante para utilizar o provador de roupas.

Não houve, na conduta do colaborador, nenhuma intenção de constrangimento ou preconceito. Tampouco, recaiu sobre a cliente suspeita em qualquer campo. Se houver interesse, podemos apresentar imagens do atendimento da cliente em questão e de outras pessoas que transitaram na loja nos últimos dias e receberam a oferta da guarda de seus pertences."

Relembre outros casos

 

Em setembro de 2021, a delegada da Polícia Civil Ana Paula Barroso teve o acesso proibido na loja Zara do shopping Iguatemi “por razões de segurança” pelo gerente Felipe Simões Antônio, 32. O funcionário foi indiciado por crime de racismo, enquanto a Zara justificou a restrição ao fato de a mulher não apresentar uso de máscara de proteção contra a Covid-19 quando tentava entrar na loja. A delegada estava usando a máscara, tendo abaixado o item apenas enquanto tomava um sorvete, e as câmeras de segurança do local mostraram que o vendedor havia se dirigido antes a outros clientes que não usavam máscara, sem no entanto proibir a entrada deles.

No mesmo mês, uma adolescente de 16 anos foi impedida por um segurança de entrar na padaria Portugália, no bairro Cocó, ao ser confundida com um pedinte. Filha do defensor público estadual Adriano Leitinho, ela retornava de uma aula e iria aguardar o pai no estabelecimento, antes de ser barrada.

Confira a nota do North Shopping na íntegra:

NOTA À IMPRENSA

O North Shopping Fortaleza informa que não tolera nenhuma forma de discriminação e ressalta que, assim que tomou conhecimento do ocorrido, buscou contato com a cliente e com a loja para que todas as medidas cabíveis de enfrentamento ao tema sejam tomadas. O shopping reforça ainda que a situação narrada não faz parte dos valores da empresa, que baseia a abordagem com o público de forma geral em valores como ética, respeito, humildade e transparência.

 

Atualizada às 14h05 de 26 de abril de 2022

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