Caminhada sobre autismo em Fortaleza tem pouca representatividade autista

Ato organizado pela OAB Ceará foi protagonizado por familiares, não por pessoas autistas, reproduziu estereótipos sobre o transtorno e pecou nas adaptações de acessibilidade

Neste sábado, 2 de abril, comemora-se o Dia Internacional da Aceitação do Autismo. Para marcar a data, a seccional Ceará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, organizou uma caminhada na avenida Beira-Mar, durante esta manhã.

O ato, porém, pouco tinha de interessante ou atrativo para autistas. O evento foi protagonizado por parentes das pessoas no espectro, e reproduziu diversos estereótipos sobre o transtorno.

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O lugar-comum mais notável foi a infantilização. Um debate significativo entre ativistas é que o discurso sobre autismo trata pessoas no espectro como incapazes de ter autonomia e voz própria, sendo relegadas a um papel de subordinação a pais e responsáveis mesmo na vida adulta.

A passeata tinha uma evidente temática infantil, com presença de animadores e recreadores, música para crianças, e foco em atividades lúdicas. Autistas adolescentes e adultos não tiveram papel de destaque no ato, com grande parte das falas sendo de pessoas sem o transtorno.

Em certo momento, foi visto até mesmo uma pessoa autista sendo obrigada por outra a bater palmas no ritmo da música que estava sendo tocada. Outra pessoa segurava seu braço, forçando o movimento.

Outro problema foi a acessibilidade. Um dos traços mais significativos do autismo são as alterações sensoriais, com alguns sentidos mais aguçados (hipersensibilidade) e outros menos apurados (hipossensibilidade).

Quais sentidos são mais ou menos sensíveis varia de pessoa para pessoa. Em muitos casos, a estimulação excessiva, como sons altos e luzes fortes, que para pessoas neurotípicas são apenas um incômodo leve, pode causar inclusive dor física, e levar a crises psicossomáticas, chamadas de meltdown.

A possibilidade da presença de autistas com estes traços, porém, não foi levada em consideração. O evento teve carro de som, música alta, e até a banda do Corpo de Bombeiros, com instrumentos de sopro que produzem música estridente.

Foi possível ver crianças tapando os ouvidos, sinal evidente de stress por sons altos. Uma máquina de fumaça também foi usada no evento - equipamentos do tipo podem desencadear crises em autistas com hipersensibilidade no tato ou no olfato.

Também era frequente, nos materiais de divulgação e nas pessoas presentes à caminhada, a presença do símbolo do quebra-cabeças. A imagem, amplamente usada como representação visual do autismo por organizações comandadas por parentes de pessoas no espectro, tem problemas tanto na sua origem quanto no conceito que representa.

A organização estadunidense Autism Speaks, responsável por popularizar o uso do símbolo, é alvo de diversas críticas. Figuras de destaque em sua diretoria são ligadas a movimentos antivacina e a propostas de "cura" do autismo - que, por ser um transtorno de desenvolvimento neurológico, não é uma doença, e, portanto, não pode ser curada.

Por mais de dez anos, a cúpula da organização não teve nenhuma pessoa autista em sua composição. Somente em 2015, após anos de críticas a essa conduta, passaram a ser apontados autistas para os cargos de diretoria - atualmente, nenhum autista ocupa posições nesta instância. Originalmente, a missão organizacional da Autism Speaks também mencionava a cura do transtorno.

Os significados do símbolo de quebra-cabeças, por sua vez, também são considerados problemáticos por autistas do mundo inteiro. Há duas versões do conceito que a imagem representa, e ambas são criticadas.

Em uma das explicações, fala-se que pessoas autistas são como quebra-cabeças, que precisam ser montados e desvendados. A outra indica que é preciso "encontrar a peça que falta" para completar a compreensão sobre o autismo.

No primeiro caso, a problemática é que presume-se que pessoas neurotípicas - ou seja, que não têm transtornos de neurodesenvolvimento, como autismo e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) - são "imagens corretas", devidamente encaixadas. Nesta interpretação, autistas seriam o oposto, pessoas "desmontadas" e "desencaixadas".

O segundo significado indica que, antes de ouvir e atender necessidades de acessibilidade e inclusão para pessoas autistas, é preciso encontrar as causas e origens do transtorno. Embora pesquisas científicas que ampliem o entendimento sobre o autismo sejam desejáveis, o problema é que não é preciso "descobrir como surge o autismo" para ouvir as demandas deste grupo.

Organização fará debate sobre efeitos da crise econômica em autistas

A Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça) fará na noite de hoje um evento virtual para discutir como a pandemia e a crise econômica estão afetando autistas e familiares. A live acontece nos perfis da Abraça no Youtube, no Facebook e no Twitter, a partir das 18h30min.

Com foco no protagonismo de pessoas autistas, a Abraça tem como lema "autistar é resistir". A organização defende que autistas não precisam mascarar traços do transtorno ou atender a expectativas de pessoas neurotípicas para serem reconhecidos como sujeitos de direito.

Além da live, a organização está organizando a campanha "autista também tem fome", que visa auxiliar pessoas autistas e familiares em situação de insegurança alimentar e outras formas de vulnerabilidade social. A organização recebe arrecadações diretamente, que são repassadas para famílias cadastradas na campanha, e também estimula doações diretamente para pessoas autistas.

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