Caso Ronivaldo Maia: o que são os "esquerdomachos" e como eles agem?

Em entrevista ao O POVO, a coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher, da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), Raquel Andrade, destrincha o termo, suas características e como reconhecer os agentes

É importante dizer que não existe um único tipo de perfil machista. Alguns parecem ser inofensivos, pois estão disfarçados com uma boa conversa sobre luta pelos direitos humanos, ideias progressistas e a defesa das bandeiras feministas, LGBTs e raciais, no qual atuam fortemente. Eles são classificados como “esquerdomachos”. O termo nasceu com a alta no debate sobre as pautas feministas nos últimos anos, precisamente no meio virtual, onde o termo se popularizou. Também é lá que boa parte desses homens gostam de atuar.

O "esquerdomacho" é aquela figura que aparentemente se coloca como um ar da masculinidade não-tóxica, não-agressiva e não-violenta, mas não é capaz de reconhecer suas próprias limitações enquanto sujeito inserido dentro de estruturas de opressão, de violência, racismo estrutural ou machismo estrutural, por exemplo. Apesar de apoiarem as causas das minorias, eles mantêm secretamente valores não tão igualitários assim. Na intimidade, por trás da capa de homens progressistas, a prepotência, o abusivo, a agressividade são pontos característicos desses homens machistas.

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Entre outras características, o "esquerdomacho" se intitula como autossuficiente, onde já possui um nível de consciência das suas questões que o quase coloca numa condição de superioridade em relação aos outros homens. Eles são atrelados à figura progressista ou vinculado à figura política partidária de esquerda. Esse personagem acha que já aprendeu tudo, que ele não tem mais nada para ouvir, que já sabe tudo sobre as mulheres, negros, LGBTS, e não precisa aprender mais nada.

De acordo com a advogada feminista, Raquel Andrade, coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher, da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), uma prática muito comum dessa figura é roubar o protagonismo e ocupar os lugares de fala e de representatividade que não são deles. “O esquerdomacho é muito vaidoso e egocêntrico. Por isso eles têm uma prática de roubar o protagonismo das minorias, pretos, pobres, LGBTs, mulheres”, comenta.

Talvez seja difícil reconhecê-los. Raquel destaca que, em regra, o esquerdomacho é de classe média, branco, hétero, inserido dentro de uma cultura heteronormativa. Mas, a advogada ressalta que não se pode sair classificando todo mundo, indiscriminadamente, dessa forma. Segundo ela, é possível reconhecê-los em prática. “Inserir o personagem esquerdomacho em uma atividade de apoio a essas minorias sem dar o protagonismo a ele para ver se ele vai. Sem colocá-lo no centro das coisas, é uma saída”, comenta.

Outra forma é realizar uma atividade menos teatral, visível, ou seja, algo anônimo. Ela cita um exemplo: uma situação em que um relacionamento de amigos em comum do personagem, onde uma mulher está sendo vítima de violência, você verifica como ele se posiciona. “Ele ficará à favor de quem? Ele ajuda no acolhimento dessa mulher? Ele vai ajudar na denúncia do amigo? Ele vai apoiar o amigo agressor ou amiga agredida? É prática! A partir disso, é possível reconhecer um esquerdomacho”, explica.

Conforme a coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher, da AL-CE, geralmente os esquerdomachos são pessoas da “Academia” – Universidade – pessoas que têm um conhecimento teórico muito aprofundado e que até instrumentaliza isso para a conquistar uma mulher. “São poetas, escritores, teóricos, professores, e isso é muito sedutor. E a gente imagina que o discurso que se faz corresponde à prática, e não é bem assim”, diz.

Por fim, a advogada destaca que se pudesse resumir essa figura em um termo seria hipocrisia. “É o grande hipócrita de flor na barba, que prega absolutamente tudo aquilo e na prática, pelos bastidores, não faz, e muitas vezes faz até o inverso”, pontua.

Caso Ronivaldo Maia

O vereador Ronivaldo Maia (PT-CE) foi preso na última segunda-feira, 29, acusado de tentativa de feminicídio. No conceito de um típico "esquerdomacho", Ronivaldo apresenta características distintas de que é possível associá-lo como um deles. Conforme nota da assessoria de imprensa, o parlamentar apresenta luta pelos direitos das mulheres, em especial nas que sofrem violência doméstica. No entanto, o episódio que envolve Ronivaldo o contradiz, tanto suas falas como a busca pelas causas das minorias.

Nessa terça-feira, 30, a audiência de custódia do vereador determinou que o parlamentar seguirá preso. Após o caso, representantes dos direitos das mulheres se manifestaram pelas redes sociais, além do Partido dos Trabalhadores (PT-CE). A vereadora de Fortaleza Larissa Gaspar (PT) se manifestou, nesta terça-feira, 30, declarando “indignação” com o ocorrido e, ao O POVO, se disse a favor do afastamento imediato de Ronivaldo. O PT se posicionou sobre o caso informando, em nota, a suspensão imediata da filiação do vereador ao PT Fortaleza. 

Também nessa terça, o Fórum Cearense de Mulheres emitiu uma nota de repúdio sobre o caso do parlamentar. “O fato é muito grave e precisa ser tratado com muita seriedade, por se tratar de problema estrutural, cotidiano e cometido em níveis epidêmicos, que, infelizmente, não tem sido tratado com a devida urgência por aqueles e aquelas responsáveis pelas políticas de proteção às mulheres”, consta texto da nota.

O documento ainda destacou que, apesar da trajetória do vereador em apoio as pautas relacionadas aos direitos das mulheres, o coletivo afirma que: “O lugar mais importante que um homem pode ocupar nas trincheiras de luta pelo fim da violência contra as mulheres, é não a cometendo”.

Confira as notas na íntegra

Partido dos Trabalhadores (PT)

"A Direção Executiva do Partido dos Trabalhadores foi surpreendida, no fim da noite de ontem, 29, pela notícia de gravíssima denúncia de prática de violência contra mulher por parte do vereador do PT de Fortaleza, Ronivaldo Maia. O PT expressa sua integral e irrestrita solidariedade à vítima e a todas as mulheres que sofrem violência, cotidianamente, em nosso País.

A história de luta das mulheres e homens do PT contra o machismo, que tem na violência física a mais cruel manifestação de covardia, nunca poderia admitir tal situação e não será desta vez que passará impune. Desde a sua fundação, o PT defende e luta por uma sociedade com igualdade de gênero. Toda a nossa trajetória é de fortalecimento da luta das mulheres e por sua efetiva participação nos rumos do partido, como estratégia para o enfrentamento ao patriarcado e ao machismo, seja na luta social, seja nas instâncias partidárias.

De posse das primeiras informações sobre os fatos, o Partido dos Trabalhadores, através de suas instâncias, reitera seu compromisso intransigente com o combate a toda forma de violência contra a mulher e acompanhará de perto a apuração rigorosa do ocorrido.

Com base no estatuto partidário, comunicamos nossa deliberação pela suspensão imediata da filiação do vereador ao PT Fortaleza e a constituição de uma comissão paritária no âmbito do partido, com representação igualitária de homens e mulheres, para apuração disciplinar dos fatos.

O Código de Ética e Disciplina, documento partidário que orienta e organiza nossa intervenção pública, compreende que todo filiado tem obrigação política e moral de corresponder à responsabilidade assumida com suas tarefas militantes, quer seja em cargos de direção partidária, em cargos privados ou públicos. Nessa perspectiva, reiteramos aqui esses compromissos."

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