Barrada ao ser confundida com pedinte, adolescente diz que "apanhava na escola" por ser negra

Mel Campos, filha de um defensor público do Ceará, contou que sofre discriminação por causa da cor de sua pele desde os primeiros anos de vida

20:35 | Set. 24, 2021

Por: Luciano Cesário
 DEFENSOR público Adriano Leitinho e a filha dele, Mel Campos (foto: Arquivo Pessoal)

Impedida de entrar na padaria Portugália, no Shopping Portugaleria, em Fortaleza, ao ser confundida com uma pedinte, a adolescente Mel Campos, 16, filha do defensor público Adriano Leitinho, diz que o episódio não foi isolado e revela ser vítima de racismo desde a infância. Em entrevista à rádio O POVO CBN, nesta sexta-feira, 24, ela contou que “apanhava quase todos os dias na escola” por causa da cor de sua pele. Cansada das agressões, a garota afirma que precisou, ainda criança, frequentar aulas de karatê para aprender como se defender dos ataques.

Ouça um trecho da entrevista ao jornalista Jocélio Leal:

Mel foi proibida de entrar na padaria Portugália, na noite da última quarta-feira, 22, após uma funcionária do shopping achar que a adolescente fosse uma pedinte. “Quando eu fui entrar, a moça me parou e falou que eu não podia estar pedindo ali, e eu não entendi e perguntei se [a padaria] estava fechada, se não podia mais pedir comida. Aí ela disse: ‘Não, não pode mais pedir dinheiro’. Foi quando eu entendi o que ela quis dizer e expliquei que eu não estava ali para pedir, e sim para consumir, e que eu era cliente”, relatou a garota na entrevista.

Após se dar conta do equívoco, a mulher pediu desculpas e autorizou a entrada da adolescente no estabelecimento. Mesmo diante do constrangimento, Mel decidiu permanecer no local. Ela conta que, num primeiro momento, achou que o episódio tivesse sido “apenas um mal entendido”. A percepção mudou, no entanto, depois que ela conversou com uma amiga, que classificou o caso como ato explícito de racismo e a orientou que contasse a história ao seu pai.

Atendendo ao conselho, ela relatou a situação ao defensor já quando os dois estavam deixando o estabelecimento. Adriano, então, procurou a gerência do shopping para pedir esclarecimentos e ouviu um pedido de desculpas. Ele ressalta que, mesmo que a adolescente fosse uma pessoa em situação de rua, a segurança não poderia barrar sua entrada. “Eu tenho um conhecimento técnico que o meu trabalho na área da defensoria me permitiu adquirir. Mas é quando é alguém que não o tem?”, questiona.

A empresária Bianca Melo, mãe da garota, revela que Mel sofre discriminação pela cor de sua pele desde os primeiros anos de vida. “Infelizmente não é a primeira vez que isso acontece. Na escola, ainda pequenininha, algumas crianças não queriam brincar com ela porque diziam que ela ‘é marrom’. Uma vez ela estava brincando com meu afilhado, que é bem branquinho, e uma outra pessoa perguntou se ela era babá dele”, contou à rádio O POVO CBN.

O caso foi denunciado na Delegacia da Defesa da Criança e do Adolescente (Dececa) de Fortaleza, onde foi registrada uma notícia-crime de racismo. O pai da adolescente disse ao O POVO que os advogados da família também avaliam a possibilidade de abrir processos judiciais contra a padaria e o shopping.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que as responsabilidades sobre o caso estão sendo apuradas por meio de buscas e interrogatórios, através da Dececa, e que mais informações serão repassadas posteriormente para que o andamento das investigações não seja prejudicado.

Funcionária pediu demissão

Em entrevista ao O POVO, a gerente do Portugaleria Shopping, Lúcia Alves, onde a padaria está localizada, reconheceu que houve erro por parte da segurança, desculpou-se pelo ocorrido e disse que a funcionária pediu demissão. Ainda segundo ela, o estabelecimento não tolera qualquer tipo de preconceito e realiza periodicamente treinamento com os funcionários para oferecer tratamento digno e respeitoso aos clientes.

Já a Padaria Portugália, por meio de nota, explicou que a profisional da segurança que tentou impedir a entrada da adolescente no estabelecimento não possui qualquer vínculo com a empresa.

"A profissional, que fica na área externa da loja, é contratada do centro comercial [shopping] do qual a padaria é apenas lojista. Não temos qualquer conhecimento ou ingerência sobre a contratação e treinamento dos profissionais que atuam no centro comercial. Reforçamos que somos contra qualquer tipo de discriminação ou preconceito e apoiamos a adolescente e sua família na defesa de seus direitos", afirmou.

A denúncia por crime de racismo feita pela família da adolescente Mel Campos é a segunda em oito dias envolvendo shoppings da Capital. No último dia 14, a delegada Ana Paula Barroso também foi proibida de entrar na loja Zara, no shopping Iguatemi, por um funcionário do local que alegou “questões de segurança” para justificar o impedimento. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil e Delegacia de Defesa da Mulher de Fortaleza.

Serviço

No Ceará, a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) oferece serviço de atendimento psicológico com escuta especializada para vítimas de racismo, através do Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência (Cravv) e do Centro de Referência de Direitos Humanos (CRDH)

Denúncias de racismo ou injúria racial podem ser realizadas em qualquer delegacia e através da Delegacia Eletrônica, da Polícia Civil do Ceará.

Centro de Referência e Apoio à Vítima de Violência (Cravv)
Atendimento: Das 8 às 17 horas, de segunda a sexta-feira – remoto e presencial
Contato: (85) 9 8895 5702 / cravv.ce@gmail.com ou pelo chat da SPS

Centro de Referência de Direitos Humanos (CRDH)
Atendimento: Das 8 às 17 horas, de segunda a sexta-feira – remoto e presencial
Contato: (85) 3101 2998 Whatsapp: (85) 98956 5349 Disque 155
Online: https://cearatransparente.ce.gov.br / crdh@sps.ce.gov.br

Colaborou Angélica Feitosa