Escola Jesus, Maria e José: patrimônio histórico abandonado se deteriora no Centro

Há dois anos, famílias foram retiradas do local sob a justificativa de um projeto para o espaço. Mas até o momento, nada foi feito

18:28 | Mai. 18, 2021

Por: Ítalo Cosme
O TOMBAMENTO provisório da Escola Jesus, Maria e José foi aprovado ainda em 2006. No ano seguinte, o prédio e seu entorno foram tombados definitivamente pelo Município (foto: FABIO LIMA)

Em setembro de 2022, a Escola Jesus, Maria e José chega aos 120 anos desde o início da construção pela Igreja Católica para levar educação e evangelização às crianças órfãs de Fortaleza. Apesar de tombada pelo Governo do Estado e pela Prefeitura, o equipamento no Centro da Capital está em ruínas. Há dois anos, famílias foram retiradas do local sob a justificativa de um projeto para o espaço. Porém, até a última sexta-feira, 14, nada havia na área além de lixo, matagal e resquícios de um bem esquecido pelo Poder Público.

Enquanto as paredes apresentam rachaduras estampadas a grafite, pedaços de madeira do teto já completamente no chão desenham o cenário dos compartimentos do antigo colégio, onde também já funcionou o Cine Paroquial e a Rádio Assunção, por exemplo.

As condições estruturais do prédio localizado na esquina da rua Coronel Ferraz com a avenida Santos Dumont se assemelham a outros pontos históricos da cidade, como o Edifício São Pedro.  O prédio do antigo colégio pertence à Arquidiocese de Fortaleza e está cedido para a Prefeitura Municipal de Fortaleza.

Veja vídeo do local

O tombamento provisório da Escola Jesus, Maria e José foi aprovado ainda em 2006. No ano seguinte, o prédio e seu entorno foram tombados definitivamente pelo Município em face do seu valor simbólico e histórico-cultural. Ainda em 2007, foi realizado o tombamento no âmbito estadual.

Após o tombamento, ainda na gestão da ex-prefeita Luizianne Lins (PT), em 2013, a Prefeitura de Fortaleza anunciou que o prédio seria revitalizado para abrigar a Casa da Fotografia. O espaço cultural seria destinado a atividades artísticas e de formação para a comunidade. Contudo, a obra não saiu do papel.

O arquiteto Romeu Duarte, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), participou como consultor do projeto da Casa da Fotografia à época."Como dependia de recurso da Lei Rouanet, precisava fazer um projeto cultural, a coisa empacou aí e não foi pra frente. Mas era uma forma de se recuperar o edifício", recorda.

O pesquisador lamenta o estado atual de deterioração do antigo colégio. "Dá pra ver o estado de arruinamento e isso é muito triste quando a gente sabe que o Centro carece de uma série de equipamentos. Tem muitos espaços que poderiam ser ocupados com novos usos através de trabalhos de restauração, de conservação e adaptação", comenta.

A Escola Jesus, Maria e José integra um conjunto arquitetônico tombado de forma inédita pela Prefeitura em 2015. Também fazem parte do conjunto o Colégio Imaculada Conceição, a Igreja do Pequeno Grande e a Escola Justiniano de Serpa, localizados no entorno da Praça Filgueiras de Melo, antes chamada Praça dos Educandos, no Centro da Cidade.

Conforme a instrução de tombamento, o entorno dos prédios conserva inúmeros imóveis do fim do século XIX e início do século XX que mantêm muitas das suas caraterísticas originais e apresentam elevado interesse histórico e valor arquitetônico.

 

O professor Romeu, que coordena o Atelier de Patrimônio Cultural do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, chama atenção para a necessidade de catalogar os prédios tombados da Cidade para garantir um acompanhamento mais próximo das edificações. Ele propõe que poderia haver uma colaboração nesse sentido entre o poder público e a universidade.

O docente acredita que esse trabalho poderia evitar episódios de demolição irregular de bens históricos como O POVO mostrou recentemente. "Assim, nós teríamos uma condição maior de controle sobre o estado dessas construções e sobre o destino delas no lugar de ficarmos eternamente refém de ameaças de demolição" , aponta.

A reportagem solicitou um levantamento da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) de prédios tombados em situação de deterioração na Capital, porém a pasta não respondeu.

Prefeitura diz que tem projeto para o local

Em nota, a Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf) disse que está sendo detalhado um projeto de ampla reforma do imóvel. Porém, não foi divulgada previsão para início das obras ou mais informações sobre o projeto. 

Sobre as 24 famílias removidas do local em cumprimento a uma ação judicial de reintegração de posse em 30 de abril de 2019, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor) destaca que as pessoas foram encaminhadas provisoriamente para um equipamento do Município, no bairro Quintino Cunha, à época.

A pasta acrescenta que as famílias foram incluídas no Programa de Locação Social, sendo assistidas até hoje. Na ocasião da remoção, a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza (SDHDS) encaminhou as famílias para um abrigo temporário.

 

 

Linha do tempo

Setembro de 1902

Início da construção da Escola Jesus, Maria e José


Janeiro de 1905

Inauguração da instituição dirigida por irmãs da caridade.


Anos 1920

“Escola Jesus Maria José” funciona até a terceira década do século XX.

1980

A Escola Nossa Senhora Aparecida passa a funcionar no local.

2006

Em janeiro, a Escola Jesus Maria José é tombada provisoriamente por decreto municipal. No mês de junho do mesmo ano, O POVO publica matéria destacando risco de desabamento do prédio, que já sofria com deterioração.

 

2007

A Escola Jesus, Maria e José e seu entorno recebem tombamento municipal definitivo com o decreto 12.303/2007.

2011

Cerca de 200 famílias do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) ocupam o local.

2013

Então prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), apresenta projeto para 29 projetos para o Centro de Fortaleza. Um deles era levar de transformar o local na Casa da Fotografia. Neste ano, um grupo de trabalho formado por representantes do Poder Público e Sociedade Civil estudavam a possibilidade.

Final de 2014

Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) divulga que as obras de restauração seriam iniciadas no ano seguinte e integrariam o Programa de Valorização e Ampliação da Infraestrutura e Atividade Turística (Provatur).

2015

Após o início das obras do Teatro São José, a gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) promete alcançar a Escola Jesus Maria José.

Julho de 2016

Cerca de 150 famílias ocupam o prédio Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

2019

De acordo com a Prefeitura, 24 famílias são removidas do local. A Prefeitura de Fortaleza, ainda sob a gestão de Roberto Cláudio, anuncia projeto para o bem tombado.

Maio de 2021

Nenhuma intervenção foi feita. O local se deteriora cada dia mais.

(Fonte: O POVO.doc)