Famílias em ocupação no Vicente Pinzón estão ameaçadas de despejo

Cerca de 40 famílias moradoras de quatro lotes podem ser despejados a qualquer momento. Ocupação Alto das Dunas reúne 313 famílias com mulheres grávidas, idosos e crianças

15:13 | Abr. 22, 2021

Por: Lais Oliveira
A ocupação "Alto das Dunas" corre o risco de despejo (foto: BARBARA MOIRA)

Em plena segunda onda da pandemia de Covid-19, famílias do bairro Vicente Pinzón, em Fortaleza, podem perder seu local de moradia. A ocupação Alto das Dunas está em uma área de 22 lotes e reúne 313 famílias com idosos, crianças e mulheres grávidas. Cerca de 40 famílias moradoras em quatro desses lotes podem ser despejadas a qualquer momento após decisão liminar da 27ª Vara Cível de Fortaleza na segunda-feira, 19.

A ocupação fica na avenida Douglas Marshall com rua Narcisio Lima e começou a se formar em janeiro deste ano. Pelo menos dois proprietários reivindicam posse sobre diferentes lotes da área. A juíza Mirian Porto Mota Randal Pompeu autorizou a reintegração de posse nos lotes de números 10, 11, 21 e 22, uma área total de 1.290 metros quadrados (m²). Uma das famílias ameaçadas de despejo tem uma criança com autismo e deficiência intelectual.

De acordo com o líder comunitário Jairo César Oliveira, 43, agora a comunidade tenta suspender a ação de reintegração de posse no meio da pandemia. “A gente reivindica moradia. Quando as pessoas ocupam, elas ocupam como uma estratégia de sobrevivência. 500 reais, que é a média de um aluguel aqui, já pesa no bolso de quem tem uma renda debilitada”, comenta. A mesma comunidade já foi alvo de outra reintegração de posse, sem aviso prévio, no dia 30 de março. 

A advogada Mayara Justa, do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), está atuando na defesa da comunidade e diz que já foi providenciado ontem, 21, um recurso para tentar reverter a decisão judicial.

De acordo com ela, embora a decisão esteja direcionada a 40 famílias, o despejo teria repercussões em toda a comunidade porque as pessoas removidas poderiam buscar abrigo na própria comunidade, em outros barracos, gerando aglomerações.

Mayara argumenta ainda que o proprietário do terreno, Antônio de Pádua Lopes de Freitas, apresentou o documento de matrícula do terreno, mas não conseguiu comprovar posse efetiva dos lotes em audiência realizada no dia 14 de abril de forma virtual.

Além disso, o local não atendia ao dispositivo legal sobre a função social da propriedade já que não estava sendo utilizado. “Ficou bem demonstrado que o autônomo não exercia nenhuma posse sobre o terreno. Era um terreno improdutivo, vazio, sem muro, cerca ou casa. Não era usado para nada”, afirma.

O defensor público Lino Fonteles, supervisor do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham) da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE),  concorda que não foram apresentados indícios suficientes para comprovar a posse sobre os lotes reivindicados.

“Uma das testemunhas passava lá a cada dois ou três meses a pedido do proprietário. Para ter a posse, você tem que ter vigilância ou algo assim. Não havia vigilância, nem nada construído e essas falas das testemunhas não caracterizam posse”, pontua.

Tanto a advogada Mayara Justa quanto o defensor Lino Fonteles mencionam ainda uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgada em março, orientando os Tribunais de Justiça e os juízes e juízas do Brasil a ter “especial cautela” ao determinar remoção de imóveis urbanos e rurais enquanto a pandemia de Covid-19 perdurar, “sobretudo nas hipóteses que envolverem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica.”

Para Mayara, a decisão judicial desconsidera questões de saúde pública. “Estamos vivendo o nosso pior momento da pandemia e admitir que 300 famílias sejam impactadas por uma ação onde as pessoas sequer cumpriram com a posse, é ir contra a vida”, defende.

Fora o EFTA e a Defensoria Pública, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) e a mandata coletiva Nossa Cara (Psol) estão trabalhando em busca de garantir a permanência dos moradores da ocupação Alto das Dunas.

O objetivo dos diálogos é que o proprietário do terreno seja indenizado ou, se a primeira opção não for possível, que as famílias sejam incluídas em programas habitacionais da Prefeitura de Fortaleza de modo que só saiam do terreno com alguma garantia de moradia digna.

O POVO tentou contato com o escritório Medina Advogados, representante de Antônio de Pádua Lopes de Freitas, que reivindica a propriedade sobre os quatro lotes da ocupação Alto das Dunas. Contudo, as ligações da reportagem não foram atendidas e as mensagens não foram respondidas.