Chacina do Curió: Justiça obriga Estado a dar assistência psicológica às mães das vítimas

Ação da Defensoria Pública do Ceará alegou que o serviço não foi oferecido ou não tem qualidade e continuidade. O juiz Eduardo Torquato Scorsafava, da 10ª Vara da Fazenda Pública, aceitou o argumento

Edna Carla Souza Cavalcante, 49 anos, repete que teve de transformar “a dor pelo assassinato do filho Álef em luta”. O adolescente, de 17 anos, foi uma das 11 pessoas executadas por policiais militares, segundo denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE). O episódio, ocorrido em 2015, na periferia de Fortaleza, ficou conhecido por Chacina do Curió.

Além do trauma, por causa da execução do filho caçula (era um casal), Edna Carla se ressente por não ter recebido, ao longo de cinco anos, “nenhuma assistência psicossocial nem um pedido de desculpas do governo Camilo”, após a ação criminosa produzida por agentes do Estado.

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Até hoje, nunca fui acompanhada por psicólogo do Estado. Ao contrário, me chamaram de louca. E numa reunião no governo com as mães do Curió, nos disseram que o Estado estava quebrado. Não fomos atrás de dinheiro, fomos pedir a condenação dos policiais”, desabafa Edna Carla ao O POVO.

Desde a última terça-feira, uma decisão da Justiça no Ceará obriga o governo do Estado a oferecer e patrocinar “atendimento psicológico e psiquiátrico às vítimas sobreviventes e a familiares de vítimas fatais da série de homicídios conhecida como Chacina do Curió ou Chacina da Grande Messejana”. Inclusive, com o fornecimento gratuito de remédios receitados.

Uma ação civil pública, assinada por 17 defensores públicos Ceará, convenceu o juiz Francisco Eduardo Torquato Scorsafava, da 10ª Vara da Fazenda Pública, que o serviço não é oferecido pelo governo cearense. E, se existe, não tem qualidade nem continuidade.

De acordo com a defensora pública Lara Teles, que integra a Rede Acolhe da instituição, o pedido busca a reparação de danos em uma série de medidas não monetárias, mas necessárias às famílias. “A gente busca medidas que possam de alguma maneira reparar a memória, a imagem e promover justiça para as famílias das vítimas do Curió”, disse ao site da Defensoria Pública.

O juiz Eduardo Torquato Scorsafava deu um prazo de 30 dias para implementação com multa diária no valor de R$ 5 mil, caso não seja cumprida a decisão judicial. “Um dos aspectos mais importantes dessa decisão liminar foi que o juiz reconheceu a responsabilidade do Estado do Ceará pelos atos praticados por seus agentes públicos admitidos na Polícia Militar”, comentou a defensora pública.

Para Edna Carla, a liminar é uma vitória importante na reivindicação por justiça em memória das vítimas. E para minorar o sofrimento de quem sobreviveu. Porém, observa a coordenadora do Movimento de Mães Vítimas Por Violência Policial do Estado do Ceará, não adianta fazer de conta que a “assistência será dada só porque há uma ordem do juiz”.

De acordo com Edna Carla, quando se fala em atendimento psicossocial, psicológico e psiquiátrico, não significa “decidir pela internação das mães ou de familiares e empurrar remédios para dopar quem não está bem há cinco anos”.

Edna Carla afirma que, se não fosse o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) e o Projeto Ser Ponte (que repassa renda mínima para mães da periferia de Fortaleza), não teria recebido assistência alguma até agora. “Antes de internar as mães e passar medicamentos – que podem se transformar em arma para tentativas de suicídio – tem de conversar com a gente para saber do que precisamos”, diz a mãe de Álef Souza Cavalcante.

Secretaria diz que prestou assistência

Em nota enviada ao O POVO, a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) informa que “prestou assistência psicossocial aos familiares das vítimas através do Centro de Referência e Apoio às Vítimas de Violência (CRAVV)”.

Segundo o comunicado foi “feito um calendário de atendimento, no qual as famílias se reuniam periodicamente. No entanto, os próprios parentes deixaram de frequentar as sessões”.

Além do Centro de Referência, a nota da SPS afirma que “executa o Sistema Estadual de Proteção à Pessoa, que conta com quatro programas de proteção a pessoas ameaçadas de morte.

Quando necessário, segundo o comunicado oficial do Governo do Ceará, “o sistema atua juntamente ao CRAVV, encaminhando as demandas das vítimas de violência à rede interinstitucional de proteção, que conta com atores como o Ministério Público, a Defensoria Pública e os serviços de Saúde e de Segurança Pública”.

A SPS escreve ainda que seguirá atuando no suporte às famílias e que aguarda a notificação oficial para tomar ciência dos detalhes definidos judicialmente.

Como está o caso

As execuções de 11 pessoas ocorreram na madrugada do dia 12 de novembro de 2015 numa ação de “justiçamento” protagonizada por policiais militares (PMs), segundo investigação da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e do Ministério Público do Ceará. Em menos de seis horas, 11 pessoas foram mortas e sete ficaram feridas, em ações ocorridas nos bairros Curió, Alagadiço Novo, São Miguel e Messejana.

O Ministério Público denunciou 44 PMs. Destes, 34 foram pronunciados para ir a júri popular. Os outros 10 irão a julgamento comum. Trinta e três policiais recorrem ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) contra a pronúncia da 1ª Vara do Júri. Várias apelações ainda não foram julgadas nas câmaras criminais do TJCE.

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