75,7% das pessoas assassinadas no Brasil são negras, aponta estudo

De acordo com o relatório, 30.873 jovens foram vítimas de homicídios no ano de 2018

10:43 | Ago. 27, 2020

Por: Rubens Rodrigues
Foto de apoio ilustrativo (foto: Aurélio Alves/O POVO)

O Atlas da Violência 2020 aponta que a principal causa de morte entre jovens no Brasil, pessoas na faixa dos 15 aos 29 anos, é homicídio. Eles são 53,3% dessa fatia. Há, contudo, outra disparidade maior: 75,7% das vítimas de assassinatos são negras. É do Ceará a segunda maior taxa de homicídios do Brasil, ainda conforme o estudo, que foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados são referentes a 2018.

De acordo com o relatório, 30.873 jovens foram vítimas de homicídios no ano de 2018. Naquele ano, o País teve o total de 57.956 vítimas. Houve redução de 12,8% em relação a 2017. A taxa é de 27,8 pessoas assassinadas por 100 mil habitantes. De acordo com o Ipea, o recorte racial é evidente. Para se ter uma ideia dessa realidade, o homicídio de negros cresceu 11,5% na última década, enquanto de não negros houve redução de 12,9%. Na média nacional, 71% dos homicídios são por arma de fogo.

Para cada não negro vítima de homicídio, morreram 4,7 no Ceará. Em Sergipe, sobe para 5,1; 8,9 na Paraíba e, o recorde, 17 em Alagoas. Em média, para cada não negro assassinado, 2,7 são vítimas de homicídios no País.

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De acordo com a coordenadora do Atlas da Violência, socióloga Samira Bueno, os dados do Atlas "reafirmam uma tragédia brasileira que vai ganhando contornos mais acentuados". A taxa de mortalidade por homicídio entre os jovens é de 60,4 a cada 100 mil. No recorte de crianças a pessoas de 19 anos, a taxa chega a 55,6 a cada 100 mil. São 52,3 a cada 100 mil jovens de 20 e 24 anos e 43,7% jovens entre 25 e 29 anos.

"A prevalência é mais significativa quando a gente fala de jovens homens na violência letal. Embora a gente esteja diante de um crescimento significativo da violência letal no Brasil desde os anos 80, o ritmo do crescimento foi caindo a partir a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e se acentuou com o Estatuto do Desarmamento, em 2003", explica a socióloga. Para o também coordenador Daniel Cerqueira, "é um numero chocante que nos leva a repensar o País".

Mulheres negras

O Atlas da Violência mostra que, em 2018, uma mulher morreu assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.519 casos. Do total de mulheres mortas, 68% são negras. A taxa é quase o dobro quando comparada com assassinato de mulheres não negras. Em dez anos, a taxa de homicídio de mulheres negras cresceu 12,4%; já a taxa de homicídio de não negras caiu 11,7% no período. "Isso nos ajuda a traduzir em números esse abismo entre população negra e não negra e entender um pouco melhor como o racismo se manifesta e como estamos dessensibilizados com isso", pondera Samira Bueno.

"Violência e racismo caracterizam as relações sociais no Brasil. Os negros são sub representados na estrutura social e econômica. Em função dessa trajetória histórica, o negro é mais vulnerável a sofrer a violência", explica Daniel Cerqueira. Ele cita entre outras causas a ideia do "negro perigoso", que "existe nas polícias Brasil a fora" quando se fala no uso diferenciado das forças entre negros e não negros. "É um exemplo desse racismo que mata".

Ceará

Entre 2017 e 2018, o Ceará apresentou aumento de 26,4% de homicídio de mulheres, ficando atrás apenas de Roraima (93%). Os dois estados apresentaram as maiores taxas de homicídio feminino por 100 mil habitantes em 2018: 20,5 (RO) e 10,2 (CE). Entre 2008 e 2018, o aumento de mulheres assassinadas no Brasil foi de 4,2%. No Ceará, a taxa mais que dobrou no período (278,6%), ficando à frente de Roraima (186,8%) e Acre (126,6%). 

Quando se fala na população de jovens, em 2018, o Ceará foi estado com a maior taxa de homicídios (18,4). A maior taxa de homicídios de jovens do Brasil foi Roraima com o índice de 142,5 por 100 mil. Depois, vem o Rio Grande do Norte com 119,3.

"O Ceará é um caso de guerras de facções cíclicas. Nos últimos oito anos, a gente vê um padrão de guerra de facções, em que há alta taxa de homicídios, essa taxa cai e volta. Nos últimos anos houve processos de guerra e armistício", afirma Cerqueira. "A política pública foi incapaz de atuar nesse ponto para evitar a violência e fazer um trabalho de inteligência mais apurado".

Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Isabel Figueiredo classifica como "peculiar" a atuação das facções criminosas no Estado. "É uma característica muito específica do Ceará. Há políticas públicas sendo implementadas, mas por enquanto com limitações. É uma política que ainda precisa ser melhor aprimorada". Ela destaca ainda a falta de uma política de segurança federal mais presente: "Não temos a União assumindo a parte que lhe cabe e essa é a uma falta grave".