Cearense descende de vikings? Entenda a pesquisa que mostra herança genética indireta

Segundo coordenador, os genes escadinavos teriam chegado ao Ceará por intermédio do povo português. Ele explica por que a amostra analisou 160 pessoas para chegar às conclusões. Em 2018, pesquisa realizada pela UFC analisou material genético de habitantes do interior do Nordeste

14:09 | Jul. 29, 2020

Por: Rubens Rodrigues
Movimento no Centro de Fortaleza (foto: Fabio Lima/O POVO)

A origem dos cearenses é objeto da pesquisa "GPS-DNA Origins Ceará", que será publicada na próxima terça-feira, 4 de agosto. De acordo com o o jornalista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luís Sérgio Santos, que coordena o estudo, os resultados chamam atenção por definir a herança genética escandinava dos cearenses e a baixa presença do negros africanos. O POVO explica como a pesquisa foi realizada.

A iniciativa é patrocinada pelo Instituto Myra Eliane e conta com apoio de pesquisadores e especialistas brasileiros e estrangeiros. A coleta de informações e material genético começou em 2018, a partir de amostras distribuídas pelas regiões do Ceará. O método utilizado é o GPS (sigla para estrutura da população geográfica, em tradução livre), do geneticista israelense-americano Eran Elhaik. Uma espécie de sistema de navegação pela ancestralidade.

Foram feitas 160 coletas que foram enviadas para o laboratório DNA Diagnostics Center (DDC), localizado em Cincinnati, cidade de Ohio, nos Estados Unidos. A maior parte da amostra foi retirada de voluntários da Região Metropolitana de Fortaleza. A Região Norte concentra a segunda maior parte das amostras colhidas e, em terceiro, a região do Cariri.

Amostragem é suficiente?

Luís Sérgio Santos afirma que a amostra foi discutida com o orientador da pesquisa, o próprio Eran Elhaik, e que a segurança da amostra é explicada e fundamentada no capítulo sobre a metodologia. "Há uma pesquisa na mesma linha feita na Itália que usou amostra de 60 coletas de DNA. É uma amostra que dá legitimidade", pontua.

O que torna a pesquisa "altamente relevante", de acordo com ele, é que ela é capaz de rastrear os percursos genéticos a partir de 400 d.C. "Por isso apareceram os escandinavos. Surpreende porque aparecem ancestrais na Etiópia, no norte da África", destaca. "É natural que se questione o tamanho da amostra. Isso acontece em todo tipo de pesquisa e, certamente, quando for divulgada vai gerar polêmica. A gente já tá preparado pra isso". 

Aspectos antropológicos 

O POVO apurou que, além de colher o material, a pesquisa foi fundamentada em perguntas que tentavam traçar a ascendência dos voluntários. Foi questionado onde nasceram e viveram os pais, avós maternos e paternos e bisavós dos voluntários. Hábitos, lembranças da infância e crenças também entraram no relatório.

Coordenador da pesquisa, Luís Sérgio Santos afirma que dentre os resultados estão a baixa densidade do negro africano, consequência de fatores como a economia do Ceará "que não suportava essa presença do negro" devido "à mão de obra escrava ser muito cara".

Outra especificidade indicada é a herança escandinava. "A presença não se dá de forma direta, mas através da mediação da Penísula Ibérica. O europeu português que veio pra cá transportou esse DNA", afirma. "Estamos falando de genoma, de genética. Isso não significa que os viking vieram pro Ceará. Eles chegaram (indiretamente) por meio do povo português".

Luís Sérgio declara que os resultados "de certo modo confirmam a tradição acadêmica brasileira que mostra que o povo brasileiro é formado da junção do ameríndio, europeu e do negro africano".

"É uma pesquisa genética, mas tem muita História e Antropologia porque sem a História você não explica muitas coisas. É multidisciplinar", pondera o pesquisador. "Usamos muito a bibliografia de Gilberto Freire, indo um pouco além de 'Casa-Grande & Senzala', e historiadores cearenses como Barão de Studart e Antonio Bezerra".

A pesquisa resultou no livro "O Cearense Revelado: Uma jornada via DNA desvenda nossa ancestralidade", que estava previsto para sair no primeiro semestre deste ano e acabou sendo adiado devido a pandemia do novo coronavírus. A nova previsão é de que o livro seja lançado no próximo dia 4, com live nas redes sociais e vídeo de Elhaik. Material deve traçar fluxo migratório e explicações históricas e antropológicas para os resultados da pesquisa genética.

Semiárido nordestino

Os novos dados batem com o estudo sobre ancestralidade genética do povo nordestino, divulgado em 2018 pela UFC. Análise desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e coordenada pelo prof. Aldo Lima coletou informações de mais de 1.500 crianças de até 36 meses de idade em cidades interioranas do Nordeste.

Realizado em parceria com a Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, a pesquisa constatou marcas genéticas da população europeia, africana e asiática no povo nordestino. A diversidade de DNA mitocondrial revelou que mais 56% do material genético é de origem portuguesa e holandesa, quase 23% de origem africana (principalmente do Quênia) e pouco mais de 20% de origem indígena.

A pesquisa de 2018 aponta que os índios têm origem asiática, sinalizando também coerência com a pesquisa "GPS-DNA Origins Ceará". No novo estudo, o povo ameríndio aparece nas marcas genéticas cearenses. Povo esse que teria chegado às Américas por meio do Estreito de Bering, que vai do extremo leste asiático ao extremo oeste americano.

"A gente tenta desenhar o fluxo migratório do nosso ameríndio (no livro), diz. O índio entra no Estreito de Bering, passa pela América Central e chega na Amazônia latino americana e brasileira", explica o professor Luís Sérgio. "Ele migra para Argentina, sul do Brasil e litoral. Mas ele originalmente é asiático".