Sabiaguaba: o que diz a lei sobre patrimônios arqueológicos no Brasil

Plano de Manejo das Dunas de Sabiaguaba e da Área de Proteção Ambiental de Sabiaguaba mapeou 14 sítios arqueológicos na região. Segundo Iphan, Ceará tem quase 600 lugares com essa classificação

16:08 | Jul. 14, 2020

Por: Rubens Rodrigues
Sabiaguaba, pedaço exuberante de Fortaleza (foto: FCO FONTENELE)

A possibilidade da construção de um empreendimento imobiliário nas dunas da Sabiaguaba tem gerado discussões e protesto de moradores e ativistas nos últimos dias. A área é considerada patrimônio arqueológico de Fortaleza, mas o que isso significa? Há outros lugares no Ceará classificados desta forma? É permitido interferir na formação natural de sítios arqueológicos? O POVO explica.

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De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), são considerados sítios arqueológicos os locais onde se encontram vestígios de ocupação humana que têm importância para a formação da identidade cultural do povo brasileiro. A exemplo dos sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, "estações" e "cerâmicos", além de grutas e rochas. As inscrições rupestres são exemplos mais conhecidos desse legado humano.

Assinada por Jânio Quadros, a Lei Nº 3.924, de 26 de julho de 1961 estabelece que os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram estão a guarda e proteção do Poder Público. Isso também está definido no art. 175 da Constituição Federal. O art. 3º da Lei proíbe "aproveitamento econômico, a destruição ou mutilação, para qualquer fim".

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O Iphan sinaliza ainda que os sítios precisam ser registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA). Portanto, proprietários de terras que encontrarem achado arqueológico e não comunicarem ao Instituto em até dois meses são passíveis de processo judicial. Instrumento de proteção de legal, o CNSA aponta que já existem ao todo 589 sítios cadastrados no Ceará, atualmente.

Sabiaguaba

A área das dunas de Sabiaguaba abriga seis sítios arqueológicos já cadastrados pelo Iphan. Um desses sítios é o Sabiaguaba II, que apresenta datação mais antiga para a ocupação humana no Estado do Ceará.

De acordo com o Iphan, existem processos exigidos para que um empreendimento seja instalado no local da Sabiaguaba. O licenciamento ambiental envolve diversas análises, instituições e legislação específica. A licença é, inclusive, emitida pelo órgão ambiental. O Iphan, por outro lado, avalia o impacto direto ao Patrimônio Cultural, entendimento que entra como um dos componentes considerados no âmbito do licenciamento.

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"Neste caso específico do Vert Fortaleza, o processo de licenciamento ambiental está em curso no Iphan e até o momento se encontra em situação regular. Como parte dele, o Instituto aguarda da empresa a apresentação de projeto de avaliação de impacto ao patrimônio arqueológico, conforme Termo de Referência Específico encaminhado pelo Iphan", diz o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em nota.

Os povos pré-Tupi

Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles destaca que 14 sítios arqueológicos foram mapeados no Plano de Manejo do Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba (PNMDS) e da Área de Proteção Ambiental de Sabiaguaba (APA). "Nós apoiamos a datação de artefatos que superam os três mil anos de idade, o que quer dizer que ali existiu uma civilização pré-Tupi", expõe.

Os povos pré-Tupi viviam com instrumentos, segurança alimentar por conta da biodiversidade, incluindo pesca, aves, répteis e mamíferos. Assim como é feito no turismo hoje em dia, eles também usavam as dunas como área de vigília e contemplação. "Todos os sítios arqueológicos são conectados naquele contexto entre as dunas do Cocó e as dunas de Sabiaguaba", destaca.

Ele continua: "Nas dunas de Sabiaguaba há um grande sítio onde foram encontrados machados, restos de fogueira, carvão e uma área enorme onde essas populações construíam seus instrumentos. Há ainda uma área cheia de fragmentos de rochas, como se estivessem quebrando e construindo as fogueiras ali do lado que os ventos não conseguem transportar". Sítios arqueológicos, aliás, são fundamentais para pesquisa científica, além das atividades de turismo científico e comunitário. Existem centenas nos campos de dunas, de Jericoacoara ao Icapuí.

Ainda de acordo com Meireles, as dunas ajudam a regular o clima urbano "porque os ventos afastam e minimizam as ilhas de calor" quando entram pelo canal do rio Cocó. Existe, inclusive, diferença de temperatura entre a área da desembocadura do rio e as áreas mais urbanas da cidade de até 4ºC.

Preservação do sistema ambiental

Coordenador do Plano de Manejo das dunas e APA, Jeovah Meireles é categórico ao afirmar que, do ponto de vista geo ambiental, todos os componentes da região definem o ambiente como dunar fixo pela vegetação. São, portanto, Áreas de Proteção Permanentes (APPs). O Plano de Manejo, documento que rege as ações do Conselho Gestor, diz que às APPs devem-se aplicar a legislação de preservação ambiental.

"Preservar os sítios arqueológicos significa preservar sistemas ambientais e com efeitos positivos para o clima, para a reserva de água doce no aquífero e também para amortecer os extremos climáticos", explica. "(O empreendimento) é um projeto inadequado do ponto de vista ambiental ou científico. A biodiversidade é protegida por lei, proibindo edificações, desmatamento e a desconfiguração geomorfológica e a impermeabilização do solo com perdas de biodiversidade".

Ouça o podcast Jogo Político: jornalistas explicam e analisam o que está em jogo na disputa ambiental sobre a Sabiaguaba: