Estagiário comenta drama das enchentes e lembra quando teve a casa tomada pela água
Em abril de 2001, o filho mais velho de Vanda Lima e Manoel Cosme acordou os pais e as duas irmãs, tendo uma delas 19 dias de nascida, após perceber a casa da família cheia de água. Móveis boiavam nos cômodos completamente alagados. A irmã recém-nascida foi levada sob um guarda-chuva por um tio confrontando a correnteza que, àquela altura, batia nos ombros. A família vivia em uma vila no bairro Santo Antônio, no Eusébio, compreendida entre um açude e uma cacimba. A chuva da noite anterior fez os reservatórios transbordarem e inundarem a localidade.
Passados 18 anos, a situação se repetiu com dezenas de famílias no último fim de semana em Fortaleza e Caucaia. Assim como com tantas outras nesse intervalo de tempo.
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Cinquenta dessas famílias pertencem à comunidade indígena dos Tapebas, na Região Metropolitana; e outras, ainda sem número divulgado, moram no bairro Conjunto Palmeiras, em Fortaleza. Todo esse pessoal, assim como a família de dona Vanda, foi alojado em espaços cedidos pelas prefeituras. Perderam a casa, móveis e tiveram a dignidade ferida. Se medidas de prevenção foram tomadas pelo poder público para que o fato não ocorresse, elas não foram suficientes.
Às margens da barragem do rio Cocó, na Capital, a dona de casa Edslania Ribeiro perdeu o resto de quase nada que tinha. Em Caucaia, a água chegou com mais força na casa de Francineuda Pereira, que sempre viu a água entrar pelo quintal, e chegar até a cozinha, molhando tudo. O prejuízo ainda é incerto e o futuro dessas famílias também. Agora, é a hora de subsidiar e dar condições aos moradores para que voltem à normalidade o mais rápido possível, por mais impossível que aparenta ser.
É preciso pensar, portanto, o rumo dos desalojados. Como devolvê-los a um novo local ou se retornam a suas residências.
As vítimas serão sempre vítimas. Assim como fui eu, o filho mais velho da dona Vanda, ao perceber a invasão da água e acordar a minha família em 2001, são agora as pessoas desalojadas em 2019.
Nossa família, em 2001, demorou nove anos até conquistar outra residência. A indenização recebida na época era proporcional ao tamanho da casa, e o dinheiro foi insuficiente para minha mãe e meu pai comprarem uma nova. Nesse intervalo, chamamos de lar uma sala de aula da Escola Evandro Ayres de Moura, no Eusébio, moramos de aluguel em quatro casas e passamos a maior parte do tempo em um sítio cedido por amigos. Todas as residências ficam no mesmo bairro da tragédia. No fim dos anos 2000, nós passamos a viver em um terreno abandonado numa área de risco ao lado do Presídio Professor Olavo Oliveira II, em Itaitinga. Em janeiro de 2010, recebemos uma nova moradia.
Os tempos são outros, não há justificativa para que os prejudicados com as enchentes passem tanto tempo desalojados.
Para evitar mortes em decorrência das enchentes, o poder público precisa ter controle sobre os locais ocupados na cidade. Áreas consideradas de risco devem ser tratadas com atenção. As famílias necessitam ser realocadas em espaços adequados, com apoio psicológico e médico. Também como aliada na prevenção de inundações e enchentes, a população deve entender que um bueiro não é uma lixeira, mas um local por onde se escoa água; além rever o tratamento dado ao meio ambiente.
Ítalo Cosme é estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará e estagia no O POVO Online. Em 2001, tinha 6 anos de idade
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