Mais de 500 pessoas foram expulsas de casa por facções nos últimos nove meses na Capital
Pelo menos 131 famílias procuraram a Defensoria Pública nos últimos nove meses para relatar ocorrências
18:07 | Ago. 06, 2018
Autor Rubens Rodrigues
Tipo
Notícia
Rubens Rodrigues
Repórter do OPOVO
Ver perfil do autor
Estabilidade é conceito pouco conhecido em áreas dominadas por facções criminosas em Fortaleza. Nesse fim de semana, um casal recém instalado em uma residência no bairro José Walter foi expulso com a roupa do corpo e teve eletrodomésticos roubados. De acordo com a Defensoria Pública do Ceará, entre novembro de 2017 e julho de 2018, 131 famílias tiveram que deixar suas casas de forma violenta na Capital. Aproximadamente 524 pessoas impactadas
[FOTO1]
A Polícia prendeu nesta segunda-feira, 6, um suspeito de expulsar os recém-casados do apartamento que tinham recebido 15 dias antes, no José Walter. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o projeto de policiamento 24 horas vem sendo expandido em pontos estratégicos nas periferias da Capital, incluindo áreas onde estão localizados os conjuntos habitacionais alvos de grupos criminosos.
Em abril deste ano, o Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham), da Defensoria Pública do Ceará, que faz levantamento sobre expulsão de moradores de comunidades, afirmou que 264 pessoas, distribuídas em 66 famílias, tinham sido afetadas diretamente nos seis meses que antecederam. O número praticamente dobrou em quatro meses.
[SAIBAMAIS]De acordo com o defensor público Eliton Menezes, o número de famílias expulsas já chega a 180 só no primeiro semestre deste ano. Ele explica que há, no entanto, "um subregistro" da real proporção de pessoas que deixaram suas residências.
"Quem nos procura relata que outras tantas pessoas sofreram o mesmo processo, mas não têm coragem de pedir ajuda. Houve atuação mais sistemática do modus operandi desde outubro do ano passado", diz. "As pessoas têm medo de denunciar pelo modo que as facções estão se organizando. Elas vêm implantando regime de terror e dando mostras disso".
O defensor conta que, segundo relatos, vítimas chegaram a ser queimadas vivas e outras alvejadas com dezenas de tiros. A ação tem surtido efeito, junto com ameaças veladas e "recados sutis" enviados até por meio de crianças. Moradores acabam se apavorando com os alertas e deixam os locais, mesmo sem muitas vezes saber se o aviso vem ou não de facção criminosa.
"As pessoas temem que os tentáculos da organização acabem as alcançando. Então, elas querem ir para o lugar mais longe possível. A ameaça às vezes é implícito, mas é notório que muitos que denunciaram chegam a ser perseguidos", continua. "Quando as pessoas saem de casa e nos procuram, é porque ficou inviável viver daquela forma. Muita gente nem confia na Polícia. E se denunciam, estão exercendo com coragem".
Moradores realocados
Uma portaria da Caixa Econômica Federal (CEF) permite aos beneficiários do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) que tenham sido impedidas de ocupar suas residências a dar entrada no distrato para serem realocadas.
A Portaria do Ministério das Cidades 488/2017 diz que os contratos só poderão ser distratados em caso de Boletim de Ocorrência registrado ou declaração de órgão de segurança pública.
Famílias com membros atendidos por medida protetiva também podem dar entrada no distrato mediante decisão judicial ou cópia da petição do Ministério Público (MPCE) que formaliza a ação penal.
O pedido de habilitação do distrato é feito na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), se a unidade tiver sido entregue pela Prefeitura, ou a Secretaria de Cidades, se tiver sido entregue pelo Estado.
Ocupação policial
A SSPDS coordena ocupações policiais nas comunidades do Jardim Castelão II (Babilônia), Novo Perimetral (Gereba), do Jagatá, da Alameda das Palmeiras, da Maria Tomásia, do Residencial José Euclides Ferreira Gomes, no Lagamar, no Sossego (Quintino Cunha), no entorno da Lagoa do Urubu (Álvaro Weyne, Floresta e Padre Andrade), no Alto da Balança, no Vila Velha, na Praia de Iracema e Dionísio Torres, com o Policiamento Ostensivo Geral (POG) da Polícia Militar do Ceará (PMCE). São 16 bases de policiamento na Capital.
Segundo a pasta, a ocupação reflete na redução nos homicídios e nos assaltos na Capital. A SSPDS afirma que as unidades serão transformadas em bases integradas de policiamento. O bairro José Walter ganhou uma base de policiamento no residencial Cidade Jardim, funcionando durante o dia com apoio de viaturas, policiamento a pé e com motocicletas.
[VIDEO1]
Investigações
A Polícia Civil capturou 21 pessoas suspeitas de envolvimento direto ou indireto nas ocorrências de expulsão na Capital. Dessas, 19 somente na região do Grande Jangurussu. Parte dos suspeitos responde a crimes como homicídio e tráfico de drogas. Os crimes são investigados pelas delegacias de cada área onde os casos foram registrados. A orientação é que as vítimas procurem a delegacia ou denunciem por meio do Disque Denúncia da SSPDS, pelo número 181. O sigilo é garantido.