Mário Gomes: uma trajetória dedicada à poesia e à liberdade
"Mário é um homem da rua, da vida e da poesia, largado de qualquer ambição. Botá-lo dentro de uma casa, seria prendê-lo", conta o teatrólogo Oswald Barroso
17:16 | Dez. 31, 2014
A trajetória de uma “vida dentro dos sapatos”, como a jornalista Ethel de Paula descreveu o modo de viver de Mário Gomes, em perfil publicado no O POVO, se encerrou. Mas, a lembrança e a memória vão guardar essa figura desalinhada, boêmia e poética no coração de admiradores do poeta da Praça do Ferreira. Por opção, ele preferiu largar qualquer apego pela ambição para viver livre em seu “escritório”: o Centro de Fortaleza.
O teatrólogo Oswald Barroso pode conviver com o "Poeta Descomunal" durante o tempo que morou próximo ao Dragão do Mar, local que foi bastante frequentado por Mário Gomes. "Ele gostava quando as pessoas o ajudavam daquele modo. Mário não abria mão do seu modo de viver. Ele queria que o ajudassem, mas para continuar daquela forma. Era uma opção de vida. Mário é um homem da rua, da vida e da poesia, largado de qualquer ambição. Botá-lo dentro de uma casa, seria prendê-lo", relata Oswald, que ficou surpreso com o contato da reportagem ao informar sobre a morte do poeta.
[SAIBAMAIS2]Mesmo vivendo em situação de rua e miséria, Mário não abria mão da vaidade. Era comum avistar o andarilho poético pelas ruas do Centro, vestindo paletó sem gravata, sua marca registrada, e sapatos de bico-fino. "Para mim, ele é uma lenda urbana, um personagem da cidade imprescindível. Ainda vamos ver Mário Gomes perambulando por muito tempo. Está na lembrança. Ele é uma pessoa que viveu de uma maneira mais radical à poesia. Mário era consciente desse modo de vida e enveredou por esse caminho da maneira mais consequente. Embora vivesse na rua, ele tinha vaidades, principalmente, a poesia como motivo maior da existência", completa o teatrólogo.
O vereador e futuro secretário da Cultura do Estado, Guilherme Santana (PT), lamentou a morte de Mário e enalteceu a figura do poeta para a cultura cearense. "A morte de Mário Gomes fecha um ano de muitas perdas na literatura e nas artes. Gabriel García Marquez, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Ariano Suassuna e tantos outros que partiram e dedicaram, em vida, seu pensar a todos nós. Mas a arte é imortal. A nós cearenses cabe a devida reverência, cultivo e preservação da obra do Poeta Descomunal. Salve, Mário Gomes!", disse Guilherme.
O "escritório" de Mário também sentiu o jeito andarilho do poeta. Em entrevista a jornalista Ethel de Paula, ele afirmou ter feito "17 viagens a pé ou de carona". Filho de costureira e motorista, ele colecionou amigos em sua trajetória de sapatos, através da poesia, da boemia e da liberdade que nunca abriu mão.
"Como é gostoso esse Mário Gomes!", dizia um de seus poemas. O boêmio de versos poéticos chegou a publicar oito livros de poemas publicados com a ajuda de "amigos endinheirados", como relata Ethel de Paula. "A partir mesmo da estranheza e da dificuldade do ato de equilíbrio intrínseco à deriva de quem realizou seu destino praticamente sem apoio, nas franjas da cidade, como um declarado vagabundo, do tipo chapliniano. O errante, em Mário Gomes, diz sobre a falta de lugar no mundo de quem ousa andar na contramão, ou melhor, no “entre”, dentro, mas fora, em ziguezague existencial, persistindo em colar o que, no humano, se separou do animal - ou da ânima -, na colisão dos tempos", descreve a jornalista sobre o poeta.