Combate à violência contra mulher desde a escola
Discussão sobre o tema deve ir além de datas comemorativas e ser incorporada no calendário e na cultura escolar. Educação é ferramenta essencialO Brasil é um país perigoso para as mulheres. Entre atos de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) revelam que, só no primeiro semestre de 2022, a central de atendimento registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações. Nessa realidade, utilizar a educação como ferramenta de mudança desde a raiz do problema pode ser a solução.
Para Leila Paiva, especialista em advocacia feminista e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Ceará (OAB-CE), essa violência é fruto de uma construção histórica marcada pelo machismo. Segundo a advogada, essa realidade só pode ser alterada por uma mudança de comportamento cultural, e a educação é peça-chave nessa transformação.
“A escola tem um papel fundamental porque tem a capilaridade, a maioria das pessoas passa por ela e incorpora comportamentos. Sem a educação com igualdade de gênero, é institucionalizado o ciclo do pensamento vicioso e violento”, declara. Na visão da psicóloga e professora Lis Albuquerque, abordar essa temática na escola permite rever o que é ser homem, o que é ser mulher e o que cabe a cada um nessa sociedade.
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“As gerações mais novas poderão questionar essas ideias e, como impacto, podemos contar com uma sociedade com relações mais saudáveis. Paralelo a isso, é imprescindível ter políticas públicas fortes de saúde, assistência social, moradia, trabalho e renda”, reflete.
Nesse sentido, diversas metodologias podem ser usadas envolvendo toda a escola. Além de abordar o assunto em aulas, rodas de conversa, palestras e exposições, por exemplo, a diferença pode ser feita ainda mais cedo, já durante a educação infantil.
É no que acredita Érica Pontes, doutora em Geografia e professora da rede estadual de ensino. Ela explica que esse início de construção de estereótipos, seja na escolha de brinquedos ou cor de roupa, pode parecer sutil, mas contribui para construir lugares específicos de gênero na escola. O ideal, então, seria desconstruir essas visões preestabelecidas e construir espaços o mais acolhedores possíveis.
“Para além dessas metodologias, é necessário se adequar às realidades distintas”, lembra. “Mas o mais relevante é não deixar o debate morrer e acompanhar cotidianamente. Educação não é imediata, então é algo que precisa ser permanentemente lembrado”.
Os diferentes papéis de gênero na educação
Na sociedade atual, gêneros diferentes representam vivências diferentes, e é essencial que os métodos de educação se atentem a isso. Em relação às meninas, Érica aponta que o primeiro passo para combater a violência é reconhecê-la. Para além da agressão física, outros tipos de violência, como psicológica e financeira, também existem, e saber identificá-las é prevenir.
Outro aspecto fundamental é proporcionar um ambiente escolar que permita que essas alunas reconheçam os próprios direitos e potencialidades, com possibilidades de ocupação de espaços de poder. Grêmios estudantis ou atividades de liderança em sala de aula são alguns exemplos de ações que favorecem esse empoderamento.
Já o trabalho com os meninos deve ser feito no sentido de conscientizá-los sobre o que é esse lugar de privilégio dentro de uma sociedade patriarcal. É necessário fazê-los reconhecerem-se como agressores, principalmente em violências mais naturalizadas e recreativas. Um exemplo desses casos são as “brincadeiras” e “piadas” ácidas de teor machista, muitas vezes voltadas para a objetificação e sexualização de corpos femininos.
Identificando cenários de violência
A educação sobre esse tema também passa pela identificação desses cenários nos próprios alunos. Os profissionais de educação devem estar treinados não só para observarem, mas para agirem e acolherem quando necessário, com o objetivo de quebrar ciclos de violência.
Os sinais mais comuns de que crianças e adolescentes estão vivenciando alguma situação desse tipo envolvem comportamentos que se diferem de suas atitudes comuns, como mais medo, ansiedade, agressividade ou irritação. Para identificar esses comportamentos é fundamental desenvolver uma escuta atenta e sensível sobre o que é demonstrado em ações e nas entrelinhas, antes de qualquer intervenção.
Assim, Lis Albuquerque alerta: “Para desenvolver essa escuta, os profissionais da educação vão precisar de tempo, exercício e, especialmente, condições de trabalho favoráveis”.