Desperdício de alimentos: quais as soluções?
Maior parte do desperdício ocorre ainda na logística comercial; na esfera individual, ações que visam o aproveitamento integral dos alimentos podem ajudar as famílias
06:21 | Jul. 13, 2023
Ao passo que ocupa o pódio de países que mais produzem alimentos no mundo, a relação do Brasil com o desperdício de comida tem preocupado gestores e impactado a vida de milhões de cidadãos. Um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) informa que o País ocupa a 10ª posição no ranking dos que mais desperdiçam alimentos, e o aumento da fome desde o início da pandemia – agravado por crises políticas internas e externas – tem incentivado o debate sobre práticas responsáveis de consumo alimentar.
Além do desperdício cotidiano, que ocorre em casa ou em estabelecimentos gastronômicos, supermercados e outros comércios, alimentos em bom estado são desperdiçados ainda na cadeia de produção, por questões como infraestrutura, manejo inadequado, contaminações e até desastres naturais, lembra Jamile Tahim, nutricionista, professora e doutoranda em Saúde Coletiva. “O desperdício de alimentos, além de potencializar a distribuição desigual de alimentos, também contribui para o impacto negativo ao meio ambiente”, destaca.
Thiago Lima, coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB e membro do Instituto Fome Zero, concorda que essa fatia de desperdício, que ocorre antes entre as fazendas e os mercados, é a mais prejudicial à natureza. “A melhoria da condição de transporte, de armazenamento dos alimentos é fundamental para que as empresas, os investidores e os produtores rurais parem de perder dinheiro com alimento que é estragado antes de chegar pro consumo humano”, afirma.
O pesquisador destaca que os alimentos desperdiçados, que vão para os lixões, são alguns dos grandes responsáveis pelos gases que causam a crise climática, representando até 10% do total desse problema. Dessa maneira, o desperdício se torna um problema de todos, que deve ser combatido em todos os espaços.
A nutricionista Jamile Tahim afirma que há uma prática ainda pouco disseminada que pode fazer diferença tanto na esfera individual quanto empresarial e pública: o aproveitamento integral dos alimentos, que tem alto potencial de reduzir o desperdício, promovendo segurança alimentar por meio de nutrientes pouco explorados, como cascas e caules.
“Órgãos governamentais, empresas, mercados e indústrias devem criar processos e projetos para promover o aproveitamento integral dos alimentos, evitar o desperdício e aumentar o engajamento por uma distribuição de alimentos mais justa”, completa. No entanto, a postura mais consciente é apenas um dos meios para auxiliar o combate à fome. Jamile destaca que também são necessárias mudanças nas cadeias de produção e distribuição, além do consumo consciente não apenas dos alimentos, mas de diversos recursos naturais. “Esse é um grande sonho”, conclui.
Bancos de alimentos são aliados no combate à fome
Como meio de combater a agravada insegurança alimentar da população, o Ceará tem se tornado referência em aproveitamento integral de alimentos, com a criação de bancos de alimentos públicos e privados que realizam doações e atividades de conscientização junto a populações vulneráveis.
Um dos destaques é o programa Mais Nutrição, do Governo do Estado, braço do programa Mais Infância que utiliza alimentos excedentes das Ceasas de Maracanaú e do Cariri para abastecer 134 instituições sociais cearenses. Até agora, o programa já destinou, por meio da captação e processamento feitos junto às entidades parceiras, mais de três milhões de quilos de alimentos in natura para pessoas em insegurança alimentar.
Outra iniciativa inovadora na história do Estado foi a chegada do Mesa Brasil Sesc ao Ceará, há cerca de 20 anos. O projeto, que hoje é o maior banco de alimentos do Brasil, começou em 2001 e se consolidou como programa em 2003. Segundo Lidiane Fernandes, coordenadora do Mesa Brasil Ceará, as doações são feitas de várias maneiras, mas chegam principalmente por meio de campanhas de solidariedade, arrecadação em eventos e doação de parceiros como atacadistas, varejistas, fazendas e outros comércios.
"Recebemos tanto o que está em perfeito estado, com valor de venda, quanto o que não tem qualidade para venda, mas está bom para consumo", explica. Entre os últimos, estão alimentos em formatos diferentes, por exemplo. O projeto conta com uma equipe multidisciplinar que verifica se os alimentos estão, de fato, aptos para as necessidades nutricionais dos beneficiários, além de realizar ações de conscientização – tanto para doações, quanto sobre a importância do aproveitamento integral dos alimentos.
"A gente entende que a fome é uma mazela de resolução não só a curto prazo; ela envolve aspectos a médio e longo prazo. Então, investimentos em eixos de capacitação, educativos, que deem autonomia social para que as comunidades cheguem em um momento de superação da fome", afirma Lidiane. As principais ações incluem oficinas, palestras e feiras de receitas.
Atualmente, o Mesa Brasil Ceará tem quatro unidades, em Fortaleza, Iguatu, Juazeiro do Norte e Sobral, que atendem mais de 700 instituições sociais em todo o Estado. Entre as instituições beneficiadas estão o Iprede, o Lar Fabiano, a Legião da Boa Vontade e diversas comunidades tradicionais. Só em 2022, foram arrecadados 4.107.228 kg de alimentos, beneficiando 476.044 pessoas.
Como doar
Além de doação de empresas, o Mesa Brasil Ceará também aceita contribuições individuais. Para saber como doar, basta entrar em contato com o Sesc:
Telefone: (85) 33184926/ 3318 4927
WhatsApp: (85) 99662 9158
E-mail: mesabrasil@sesc-ce.com.br
Também é possível fazer doações por meio do Pix: CNPJ 03.612.122/0014-41
Como combater o desperdício no dia a dia
- Impulsione feiras orgânicas, dando preferência a compras feitas diretamente com agricultores familiares
- Lembre-se que as formas "imperfeitas" dos alimentos orgânicos são características de uma produção de alimento natural
- Na hora de manusear a comida, evite impactos mecânicos que aumentam o risco de amassar o alimento e romper sua barreira de proteção contra microorganismos como a casca;
- Tenha o hábito de organizar as compras com base no consumo real da família, evitando excessos e priorizando compras semanais apenas do que será consumido em um determinado tempo, respeitando a conservação dos alimentos
- Procure possibilidades de aproveitamento integral dos alimentos, como uso de caules e cascas para caldos e até compostagem
Fonte: Jamile Tahim, nutricionista, professora e doutoranda em Saúde Coletiva (Uece)