Juventude é travessia

A poesia visual que vem das favelas

As periferias de Fortaleza inspiram narrativas contemporâneas em artes visuais. Entenda como as relações humanas em bairros marginalizados moldam a arte produzida pelas juventudes nesses espaços

Observar o entorno. Até enxergar. Por fim, criar uma obra artística. Não exatamente uma reprodução do ambiente observado, mas um trabalho que pinta desconfortos, sonhos e toda a complexidade de relações que se constituem entre esses dois extremos. Está dado aí o processo criativo comum a muitos artistas que vivem as (e nas) periferias de Fortaleza. Mas se há quem acredite que a obra de arte retrata o fim desse processo criativo, também há quem prove que ela pode ser um intermédio - e, em muitos casos, o início de uma jornada transformadora.

“A periferia é também um grande centro cultural, ela é uma grande máquina de criação de novos modos de viver, pensar, falar e criar”, diz Lucas Dilacerda, curador e crítico de arte. Para ele, o circuito de artes visuais em Fortaleza é “bastante elitista”, de difícil acesso e permanência. Diante de um cenário hostil, não há protagonismo individual na produção de visualidades nas periferias, explica.

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“Os coletivos artísticos nascem como uma estratégia de sobrevivência. Em geral, não há líderes, mas, sim, outros modos de organização coletiva e democrática, onde todes podem falar e deliberar decisões”, afirma. “Existem outros circuitos alternativos nascendo, circuitos não apenas de exposição e difusão, mas também circuitos de afetos, amor e amizade que fortalecem o trabalho de artistas periféricos”.

A visão sobre as periferias, entretanto, não pode ser romantizada. Lugares de relações complexas e alvos de um processo histórico que as marginaliza, a beleza das favelas fortalezenses está, muito em parte, no modo como se olha para elas. “Aqui no morro pode ser muito frustrante se tu olhar por uma perspectiva de fragilidade, apesar disso ser algo muito visível, que não pode ser omitido. Moro em um lugar rico de arquitetura, culinária, festas e de espaços ricos de natureza. A vista daqui de cima do morro é como estar no céu, consigo ver o movimento da cidade, do mar e a construção da favela”, diz Berin.

Artista visual da comunidade Castelo Encantado, localizada no bairro Mucuripe, seus quadros e murais nascem das relações que constrói com o espaço e com as pessoas que nele vivem. “O que mais me encanta e me inspira são as pessoas daqui. União, fé e força são a base sobre o que me faz seguir todos os dias”, diz o jovem.

Similarmente, Dhiovana Barroso, também conhecida como Dhiôw, traz para seu trabalho as relações que constitui com a periferia onde nasceu e vive. Moradora do Parque Santa Rosa, na região do grande Canindezinho, a artista explica que o seu entorno é, “de todas as formas”, inspiração. “Gosto muito de pintar minha família e minhas histórias, de contar de onde vim e aonde quero chegar. Meu entorno, meu quintal, meus vizinhos, tudo isso implica diretamente no meu trabalho”, diz a artista, cuja produção a levou a uma jornada de autoconhecimento refletida em sua obra, essencialmente autobiográfica.

Para o curador e crítico de arte Lucas Dilacerda, a arte “tem a capacidade de nos fazer estranhar esse mundo injusto em que vivemos e nos ajuda a imaginar um outro mundo possível. Esse gesto de imaginação é o que nos convoca à ação política”, diz, reiterando o poder dela como ferramenta de transformação social. “As grandes revoluções e subversões estéticas não surgem dos grandes centros, mas, sim, das periferias”, lembra. “É lá onde nascem novos germes de mundos”.

Analisando a produção artística das juventudes periféricas, Dilacerda conclui que a reivindicação é por justiça social. “Os impactos da colonização refletem-se até os dias de hoje na desigualdade de oportunidades e acesso. A reivindicação é por uma redistribuição das possibilidades, ao direito a ter direitos e a uma vida que possa gozar de alegria e lazer”, observa.

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A seguir, conheça um pouco da trajetória de Berin e Dhiovana, artistas visuais periféricos cujas obras, longe de representarem integralmente a pluralidade de temáticas e técnicas artísticas contemporâneas das periferias, oportunizam uma pequena mostra de como ela se manifesta.


Dhiovana Barroso
Mora no Parque Santa Rosa. Formada em Jornalismo e cursando licenciatura em Artes Visuais, ela atua profissionalmente na arte há 10 anos, transitando por diversas técnicas, como murais, quadrinhos e telas. Além de pintar murais nas ruas, suas obras já foram expostas em galerias e museus, incluindo Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC), Pinacoteca do Ceará, Caixa Cultural e Espaço Cultural Unifor. Dhiôw, como assina seus womurais, desenvolve seus trabalhos de forma experimental, adaptando técnicas à mensagem que deseja transmitir, destacando temas autobiográficos como suas raízes, ancestralidades e a importância de fincar os pés no chão. Faz parte do coletivo Terroristas del Amor desde 2018 (encontra-se em pausa) e trabalha como designer e assessora de comunicação para projetos culturais.

Berin


Mora na comunidade Castelo Encantado, situada no bairro Mucuripe. Com formações livres em artes gráficas, graffiti e lambe-lambe e experiência em arte-educação, com foco em tiras e HQs, desde criança quis ser artista, mas sua trajetória profissional começou em 2017. Passou por espaços como Porto Iracema das Artes, Estúdio Daniel Brandão e Caixa Cultural. Atua com muralismo, ilustração tradicional e digital, além de lecionar desenho em projetos sociais. Apesar de trabalhar em sua arte, ainda complementa a renda com outras atividades. Inspirado por escritas, relações pessoais e seu entorno, Berin explora técnicas acadêmicas e composição de cores para transmitir sensações em suas obras.

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