O potencial da indústria de games

Formação é eixo estratégico para impactar a indústria de jogos eletrônicos no Ceará nos próximos anos. Cursos e profissionais precisam enxergam as atuais oportunidades

00:00 | Jan. 11, 2024

Por: O POVO Lab
Um dos programas que exemplifica o esforço de Fortaleza em se posicionar bem para evoluir o PIB da economia digital é o Juventude Digital, que possui um eixo de atuação específico para a formação de jovens para o mercado de jogos (foto: Jarbas Oliveira/Divulgação)

A indústria de jogos eletrônicos no Ceará, formada por empresas e profissionais do setor, só cresce. O mercado, contudo, ainda é incipiente, com tímido ecossistema de empresas atuantes num cenário de vasto potencial. Apesar disso, instituições se organizam para tornar o Estado referência nacional e internacional em games a partir da articulação de diferentes atores. Mas, para alcançar esse objetivo, é necessário o investimento em eixos estratégicos – entre eles está o de formação profissional.

Os objetivos e metas para bem-posicionar o Estado estão estabelecidos no Plano Setorial da Indústria de Jogos do Ceará 2023-2028 (ProGamesCE), iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará (Sebrae/CE) realizada pela Associação Cearense de Desenvolvedores de Jogos (Ascende Jogos). O planejamento, já em execução, deve promover o desenvolvimento do setor a partir de necessidades já mapeadas.

De acordo com o Plano, um dos pontos de maior importância no estabelecimento de uma perspectiva estratégica é “o foco na intersetorialidade e interdisciplinaridade”, “promovendo diálogos das necessidades observadas com iniciativas já existentes ou com potencial para tratar demandas apresentadas por vários setores”, diz o texto.

ProGamesCE
Plano Setorial da Indústria de Jogos do Ceará 2023-2028

- Tem como propósito estabelecer o Ceará como âncora nacional na indústria de jogos com um setor forte, organizado, sustentável e amparado por objetivos e metas claras, fazendo diferença na geração de emprego, renda e no desenvolvimento estadual.

Desafios mapeados

  • Ausência de viabilização financeira para empresas nascentes e em operação;
  • Precariedade de infraestrutura para operacionalização de empreendimentos em relação aos polos nacionais (Sudeste e Sul), com limitações de acesso a equipamentos, a uma rede de internet de alta velocidade, a espaços de trabalho adequados e a ambientes de conexão entre empresas e profissionais;
  • Formação profissional que não enxerga o setor de jogos como uma opção;
  • Dificuldade na retenção de talentos;
  • Centralização das iniciativas de jogos na região metropolitana;
  • Aferição de dados locais sobre o setor.

Jogos: um conceito amplo

Uma característica única do ecossistema de jogos do Ceará está relacionada à compreensão sobre o que é Jogo, de acordo com o ProGamesCE. Além do entretenimento, existe a noção de que a indústria se consolida também no desenvolvimento científico, na criação de projetos de impacto e na obtenção de resultados através dos meios lúdicos, com uma cadeia que abrange o desenvolvimento de jogos, a produção de conteúdo ou mesmo a formação de jogadores profissionais, chamados de pro-players. Não há, portanto, uma definição excludente para outros tipos de mídias como Jogos Analógicos, o Roleplaying Game (RPG) e Gamificação. “Sob essa lógica, os Jogos são mais próximos da definição aplicada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) ao tratar Jogos na Economia Criativa, enquadrando-os como Criações Funcionais, junto ao Design”, diz o documento

Formação
Interdisciplinaridade é uma palavra que possui muito valor nesse campo. Isso porque a indústria de jogos permeia várias outras áreas, que operam em conjunto e permitem que profissionais possam atuar não só no desenvolvimento de jogos. Já existem no mercado cyber-atletas, designers, ilustradores, músicos, advogados, psicólogos e uma série de outras profissões especializadas na área – e que, obviamente, geram necessidade de formação.

Quanto a esse quesito, o Ceará possui uma dicotomia que prejudica o desenvolvimento setorial da indústria de jogos. Apesar da existência de cursos de alta qualidade, que teoricamente preparam profissionais para atuar nesse campo, muitas estruturas curriculares e profissionais não enxergam o setor como uma opção viável, seja devido à falta de percepção da cadeia produtiva local ou a comparações salariais desfavoráveis, de acordo com o Plano Setorial.

A ausência de cursos específicos alinhados às demandas reais da indústria de jogos contribui para a formação de profissionais mais qualificados em áreas transversais, como Computação e Design, enfraquecendo a posição de mercado daqueles formados em iniciativas direcionadas para a indústria de jogos e comprometendo os recursos investidos na capacitação para esse setor.

Para Matheus Paixão, professor do curso de Ciência da Computação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), não há uma única formação em jogos que abarque todas as atuações do setor – o que, na prática, seria impossível, considerando a alta especialidade e a velocidade de atualização de técnicas e conhecimentos, que é enorme.

A “virada de chave” para quem quer adentrar esse mercado é caminhar no sentido oposto, recorrendo a capacitações numa direção única. “A dica é buscar uma subárea em que você se interessa mais e tentar se especializar nisso, buscando capacitações diversas, mas sempre mantendo a mesma ótica. Porque essa ótica e essa perspectiva é que vai fazer de fato a sua formação”, orienta o professor.

“Vamos supor que a pessoa tem um objetivo: trabalhar com arte visual em jogos eletrônicos. Ela pode buscar formações, por exemplo, no Instituto Iracema Digital, e já vai entrar no curso com essa ótica, que já enviesa a formação dela, e aí o professor já pode auxiliar melhor”, exemplifica Matheus.

Incentivo que vem da base
O Juventude Digital, coordenado pela Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova) em parceria com as Secretarias da Educação e da Juventude de Fortaleza, possui um eixo de atuação específico para a formação de jovens para o mercado de jogos.

Um dos projetos, o JD 9⁰ ano, já alcançou mais de 20 mil alunos da Rede Municipal de Educação de Fortaleza em dois anos. Apenas em 2023, foram mais de 11 mil alunos, em 100 escolas, capacitados por meio do projeto. Na edição de 2023, a ação contemplou também estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ao longo da formação, os alunos receberam aulas de lógica de programação e pensamento computacional e desenvolveram um jogo ao longo da formação.

Como complemento, o JD lançou em dezembro de 2023 a Feira Tech, maratona de desenvolvimento de games com alunos da Rede Municipal de Educação. O evento reúne 12 escolas e ocorre na Academia do Professor, das 9h às 17h, estimulando habilidades de criação com ferramentas digitais e criatividade entre os alunos.

"Durante a Feira Tech, os alunos passam por estações de games de diferentes gerações e recebem mentoria. Assim, ao criarem um jogo com foco em sustentabilidade, eles conseguem compreender como a tecnologia é capaz de impactar na realidade da cidade, refletindo sobre como melhorar o local onde moram", diz Ianna Brandão, coordenadora do Juventude Digital.