Grandes Nomes

Socorro França é a primeira entrevistada da série Grandes Nomes 2024

Secretária dos Direitos Humanos do Ceará é uma das vozes que marcam a luta pelos direitos humanos no Estado. Primeiro episódio de série de seis entrevistas foi ao ar nessa segunda-feira, 18

A trajetória de Maria do Perpétuo Socorro França Pinto, atual titular da Secretaria dos Direitos Humanos do Ceará, é marcada pela atuação quase sexagenária na área de Direitos Humanos e inclusão social, com contribuições em esferas como inclusão da pessoa idosa e combate a diversos tipos de violência no Estado.

Sua atuação no Ministério Público do Ceará (MPCE) foi de exercício político, advogando em prol dos que mais necessitavam. Ao órgão, Socorro França dedicou 48 anos, tendo sido procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos.

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Uniu o trabalho ao credo. Este, por sua vez, desempenhou em sua vida papel formativo. Católica fervorosa, a mulher enfrentou muitos preconceitos, principalmente relacionados a gênero, sem nunca perder a fé. "A empatia que eu tenho para com o ser humano eu aprendi na Igreja Católica", afirma.

Aos 80 anos, sua história de vida pessoal e pública, o seu legado para a sociedade cearense, bem como o seu pensamento sobre temas sensíveis ao mundo estão retratados na entrevista que abre a 21ª edição do projeto Grandes Nomes, Grandes Entrevistas, do Grupo de Comunicação O POVO. Outras cinco entrevistas com grandes personalidades estão programadas para os próximos dias.

Conduzido pela jornalista Neila Fontenele, o primeiro episódio da série foi ao ar na manhã de ontem, 18, e está disponível no canal do O POVO no YouTube. Confira, a seguir, os destaques da conversa com Socorro França.

Atuação no MPCE

Socorro França – No Ministério Público, eu sonhei na defesa daqueles que não tinham vez nem voz, no caso os consumeristas. Então foi lá que nós lutamos para que, em 1985, nós tivéssemos a defesa do consumidor aqui no Estado do Ceará. Foi lá que nós lutamos para que a gente tivesse um Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. E o Ceará esteve presente. Foi lá que eu sonhei que nós tivéssemos sentados no anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor. Foi lá que eu sonhei em estar no Grupo Nacional dos Direitos Humanos. Foi lá que eu sonhei em também ir lutar e colocar nosso nome para a chefia do Ministério Público.

E mesmo sendo uma instituição onde tinham mais homens do que mulheres, na realidade eu me coloquei como procuradora geral, como chefe do Ministério Público. E passei cinco mandatos intercalados, obviamente, como chefe do Ministério Público. Mas sempre na busca não do cargo, mas da humanização de uma instituição que é essencial à função jurisdicional, competindo sobretudo à democracia brasileira.

Papel feminino

Somente em 27 de agosto do ano de 1962 que a mulher se tornou completamente capaz no Brasil. Com o estatuto da mulher foi que ela efetivamente começou a exercer as suas atribuições plenas. Você imagina antes como era. A mulher só poderia estudar, só poderia praticar atos da vida civil com autorização do pai ou do marido se casar à força. Você imagina como é recente. São apenas 62 anos de completa, digamos, capacidade civil no Brasil.

Então, a mulher não tinha essa visibilidade que a mulher tem hoje. Eu fiz vários júris em que eu fui discriminada. Teve um júri que me foi, quando eu levantei a camisa da pessoa que tinha sido assassinada, ainda manchada de sangue, sangue claro, durante anos para fazer esse júri, mas a família guardou a camisa do ente querido.

Quando eu mostrei aí o outro lado, que era o lado da defesa, eles disseram, não leve em consideração, senhores jurados, porque esse pano que está aí é o pano de menstruação dela. Então, as coisas aconteciam porque (eu) era mulher. Uma mulher no interior do Estado fazendo júri de ponta a ponta, naquela época, era muito difícil.

Direitos Humanos

Eu passo o meu tempo todo trabalhando em cima de projetos. Hoje, na Secretaria de Direitos Humanos, que é um mundo, nós temos três pilares que eu persigo. É a igualdade das pessoas, a liberdade e a dignidade humana. Então, hoje eu tenho um sonho. Qual é o meu sonho? Receber os migrantes e os refugiados no Estado do Ceará.

Agora mesmo acabamos de inaugurar um centro de atendimento humanizado na rodoviária e outro no aeroporto, onde as pessoas que chegam com outra cultura, sem conhecer a nossa língua, sem saber onde se vai trabalhar, se vai comer no dia de amanhã. Esse é um sonho, porque somos irmãos. Nós não fazemos distinção. A própria Constituição nos diz que nós não podemos fazer distinção daqueles que aqui chegam, que aqui aportam. Temos sonhos de políticas públicas afirmativas para a pessoa com deficiência, para a pessoa idosa, para todas as camadas da cidadania.

São pessoas que não estudam porque não têm um documento. Já pensou? Eu me lembro como se fosse hoje, eu era ouvidora e controladora do Estado no ano de 1997. E uma das grandes questões que a gente tinha de ouvir, de escutar o povo, é que ninguém tinha acesso ao nascimento, ninguém tinha carteira de identidade.

Eu digo: gente, nós temos que chegar ao povo! Como é que a gente chega lá? Foi na época que surgiu a ideia de se criar o Caminhão da Cidadania. Esse Caminhão da Cidadania percorreu o Ceará inteiro. Em um ano, nós já havíamos tirado mais de 1 milhão e 200 mil documentos. Ninguém tinha certidão.

Atenção a dois pólos da vida

Nós temos (no Estado do Ceará) um Observatório dos Direitos Humanos. Nesse Observatório, a gente tem um termo de cooperação técnica com o Ministério dos Direitos Humanos, em que toda a denúncia do Estado do Ceará, através do Disque 100, vai aparecer no Observatório.

E lá nós temos dois grandes sofrimentos, que eu considero. Duas grandes mazelas. Primeiro, é o começo da vida. Primeiro, o abuso sexual da criança e do adolescente, em termos de 44% que nos chegam de denúncias diárias. Segundo, o final da vida, a violência contra o idoso. Não é só a violência física, é o abandono, a violência econômica, a violência física, a violência patrimonial, todo tipo de violência.

Isso me impacta de uma forma que a gente - e eu estou reagindo sempre - tem que criar políticas públicas, a gente tem que fazer atendimento para que a gente não possa cair naquela de dizer, eu não consegui. Eu não tenho esse verbo na minha vida. O meu verbo é: eu vou conseguir.


Idade madura e sonhos

Eu vou criando dentro de mim aquilo que me faz bem, sem me preocupar com o que eu fui perdendo. Eu perdi as palmas arredondadas, eu perdi músculo. Tudo isso eu sei que é um processo natural.

O que eu não quero perder é a capacidade de sonhar. E para não perder a capacidade de sonhar, eu tenho que me manter ativa. Às vezes, a perda, a afetividade, os filhos, as preocupações, é que fazem com que a pessoa, quando chega a uma certa idade, vá entrando num processo de tristeza, de amargura, e às vezes ela quer esquecer de que ela está ainda naquele contexto.

Porque, às vezes, o sofrimento nos leva a gente se recolher. E esse recolhimento é muito difícil, porque a gente vai se escondendo, vai se escondendo, vai querendo não ver a vida. E o conselho que eu daria às pessoas da minha idade é que a gente continue a sonhar, continue a entender que os percalços existem, as tristezas existem, o sofrimento existe, ninguém passa por aqui sem sofrimento.

Minorias

Como diz a Constituição, e como (diz) Deus, nós somos iguais, nós não somos diferentes. Óbvio que, morfologicamente, nós somos diferentes. O Homem tem uma constituição, a mulher tem outra. Mas isso não significa que nós somos diferentes, muito pelo contrário. Aquela história, a mulher tem que ganhar menos do que o homem, isso não existe. Ela (a mulher) tem a mesma força, a mesma competência, a mesma inteligência, a mesma garra que nós temos.

Eu tenho um profundo respeito pela individualidade de cada um. Eu respeito o que a pessoa quer ser. Eu tenho um profundo respeito, porque é o que ela pensa, é o que está dentro dela, é o que ela interage, e a gente tem que respeitar as pessoas como elas são. Então, eu sempre fui uma batalhadora pela política das pessoas que querem e que se acham e que se sentem como elas são.

Por exemplo, eu fui uma grande batalhadora pela política LGBT aqui no estado do Ceará. Eu criei o selo LGBT. Eu criei o centro de referência LGBT. Então, tem muita coisa na minha vida que eu acreditei e que eu continuo acreditando. Por quê? Porque eu respeito as pessoas como elas são.

Maternidade

Às vezes, quando a gente lê muitas biografias de mulheres, quando elas falam dos filhos de mulheres muito atuantes, a gente percebe um certo sentimento de culpa. Poderia ter ficado mais tempo, poderia ter olhado mais. Às vezes, grandes artistas, inclusive.

Eu não tenho esse sentimento de culpa. Estou aqui sendo muito sincera. Porque eu creio que todos estudaram, todos se capacitaram, todos eles tiveram todas as chances. E graças a Deus, que é uma das coisas que eu tenho muito dentro de mim, eu sempre digo, meu Deus, eu nunca tive que visitar um filho numa cadeia.

Eu nunca passei uma vergonha pública por um filho. Então, isso que me basta. Sabe? O que me basta é que eu consegui formar um caráter. Não existe escândalo. Não existe absolutamente nada que possa desabonar a conduta deles. Pronto, isso para mim basta. Eu tenho a sensação de dever cumprido. Estou há quase 60 anos vivendo com um marido. Eu brinco sempre porque eu digo, é só esse. Eu tenho a sensação de que eu consegui construir um lar. Que eu sou uma referência para meus netos. Então, isso me basta.


Acesse a íntegra da entrevista:


Sobre Socorro França
Nascida em São Luís (MA), Socorro França é a atual secretária dos Direitos Humanos do Ceará. É mestra em Direito Público e cursou três graduações: Direito, Administração e Economia. Soma quase 60 anos de atuação no serviço público, dos quais 48 anos foram dedicados ao Ministério Público do Ceará, onde foi procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos.Também no Ministério Público, presidiu o Grupo Nacional dos Direitos Humanos (GNDH) por quatro anos. Foi fundadora e coordenadora-geral do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (DECON). Teve outras passagens importantes pelo Poder Executivo estadual, entre elas foi ouvidora-geral do Estado, secretária de Políticas sobre Drogas, secretária da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, secretária de Justiça e Cidadania e secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos.

Projeto Grandes Nomes, Grandes Entrevistas - 21ª edição
Desde 2003, o projeto do Grupo de Comunicação O POVO traz para o público histórias de vida e experiências de personalidades consideradas referências em suas áreas de atuação. Você pode acompanhar as entrevistas pelas redes sociais do O POVO e na Rádio O POVO CBN (FM 95.5), entre os dias 18 e 22 de novembro e no dia 25 de novembro de 2024, às 11 horas, no YouTube e Facebook do O POVO, e às 16 horas na Rádio O POVO CBN. Você também pode conferir as entrevistas na íntegra no site do projeto.

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