Livraria de rua: Lamarca luta para manter portas abertas
Uma das últimas livrarias de rua da Capital nada contra a corrente para manter as portas abertas. Resistir tem sido a palavra de ordem para o espaço, que desde seu nascimento enfrenta problemas financeiros
10:53 | Abr. 26, 2023
É na avenida da Universidade, 2475, que resiste uma das últimas livrarias de rua de Fortaleza. De fachada simples, o espaço abriga experiências para muito além da compra de livros. Seja para tomar um café com os amigos, aproveitar o delicioso cardápio de almoço, dar uma passadinha para o happy hour – ou sentar para folhear e comprar aquele livro que faltava na listinha, a livraria Lamarca já faz parte da paisagem do bairro Benfica.
Mas o negócio do empreendedor Guarany Oliveira já nasceu em meio a dificuldades. Isso porque a crise que assolou as mega livrarias, reverberou também nos pequenos negócios e esta livraria surgiu justamente num momento de forte crise do setor, em 2016.
Da militância, Guarany trouxe a ideia de abrir uma lojinha que abrigasse publicações que não estavam nas prateleiras das grandes livrarias – livros de cunho político-social, que versassem sobre movimentos sociais, contexto político brasileiro e muitos outros.
Tudo começou em 20 metros quadrados, num endereço diferente da casinha antiga que abriga a Lamarca hoje. “Somos dois sócios - e companheiros, e a gente tinha uma relação com a política e com os livros teóricos, principalmente na linha marxista, e por ver essa necessidade de trazer para Fortaleza os livros nessa linha, a gente acreditou que seria um bom segmento comercial pra gente empreender”, explica Guarany.
Os desafios de empreender no segmento
Se os desafios de empreender são muitos, imagine para quem já nasceu em meio a uma crise. “O desafio central é recurso. Financeiro, principalmente. Então a gente começa um empreendimento com baixíssimo orçamento, com pouco tempo de pesquisa, com pouco tempo de desenvolvimento, de teste, de avaliação e com margem de erro praticamente zero. Como não tem tempo de pesquisa, tempo de preparo, os erros são muitos. Então a gente acaba errando em alguns aspectos”.
Guarany conta que o primeiro deles foi não se antecipar na demanda real de livros na cidade. Na verdade, o gosto do cliente divergia dos donos do negócio. “A gente tinha uma expectativa de livros políticos que ela não se concretiza de imediato. Então a gente no meio do caminho percebe que os livros acadêmicos, políticos não vão sustentar a livraria e a gente corre pra linha dos livros mais da literatura, poesia, pra gente começar a fazer parcerias com autores independentes da cidade e isso é um caminho que a gente acerta nesse momento”, lembra.
Novo caminho traçado, porém a rota esbarra noutro percalço: “por falta de recurso, a gente já começa com prejuízo e aí isso é uma realidade no percurso da livraria. Então quando a gente toma o primeiro prejuízo, pra se recuperar com o carro andando, é muito mais difícil”, lamenta Guarany.
Mesmo formado em administração, o empreendedor conta ainda que foi difícil entender a dinâmica de ser seu próprio chefe na hora de gerenciar o negócio. “Foi um grande desafio e ainda é. A gente vive aprendendo como gerenciar pessoas, como fazer controle, isso é sempre uma questão que a gente tem que continuar aprendendo e melhorando no dia a dia”.
As características do ramo, eles foram aprendendo no caminho, afinal “trocar o pneu com o carro andando” muitas vezes é jeito de acertar os pontos que faltam no negócio. Entendido a dinâmica, eles abriram espaço na estante para outros nichos, para grandes editoras, mas deram um importante espaço também para escritores independentes.
“Nós somos praticamente a única livraria que tem um acervo dos autores locais disponível nas nossas prateleiras”. Mas abrir espaço para este nicho também chama muita responsabilidade para o negócio. Um ponto extra na listinha dos desafios.
Para além da ideia de negócio, ele reforça que por trás da iniciativa sempre existiu também um sonho, tanto dele como da sua sócia e companheira, Tamy Barbosa. “De fato, a gente seguiu um sonho de trazer uma proposta política para um empreendimento. De fazer uma transformação real na nossa comunidade, da gente conseguir debater temas a partir da ciência, a partir da leitura, onde a gente consiga transformar o nosso espaço, a nossa cidade, o nosso país num mundo melhor, mais justo. E a gente acredita que é através da leitura e da educação”, ressalta Guarany.
Hoje, a livraria conta com espaço de café e restaurante. Investe também em eventos como os famosos saraus, que ajudaram a estabelecer a aura de encontros no ambiente. “Além dos livros em si, além do produto que a gente vende, a gente vende também uma experiência de se encontrar num ambiente que respira cultura, que é sentar numa mesa e conseguir encontrar o seu autor local favorito, de conseguir chegar no sarau e escutar poesia sendo recitada, músicas cantadas, o encontro em torno disso. Então a livraria Lamarca é um espaço que promove cultura para muito além do mercado editorial”.
Nova crise
Os três primeiros anos trouxeram muitos ensinamentos. 2019 foi o ano em que a livraria começou a vislumbrar seu período de bonança, mas daí veio a pandemia. “E aí a pandemia jogou a gente no chão financeiramente”. Nos dois anos seguinte, o espaço foi acumulando dívidas e hoje vive mais um período difícil.
Durante muitos desses momentos difíceis, Guarany conta que os clientes chegaram junto e ajudaram a reerguer o negócio. Uma recuperação financeira feita a muitas mãos. Mas o segundo semestre de 2022 foi difícil para o País. A crise financeira assolou os lares brasileiros e quem tinha o hábito de comprar livros precisou deixar a leitura um pouco mais de lado, impactando principalmente pequenos negócios como a Lamarca, que vive nova e acentuada crise.
“A gente acumulou muita dívida, principalmente durante a pandemia. Esses últimos meses foram de retrocesso, então a gente vinha se recuperando, vinha conseguindo pagar algumas dívidas, mas nesses últimos meses a gente voltou a ter prejuízo, e aí quanto mais se prolonga as dívidas, mais difícil de pagar elas ficam, porque vai gerando juros, a gente começa a ter dificuldade de negociação e a gente tem dificuldade de trazer novos produtos, que é o que gira o nosso estoque”.
Na busca por alternativa, Guarany utilizou as redes sociais e explanou a situação da Lamarca para o público, que sempre chegou junto também nos momentos difíceis, mas ele sabe que não é suficiente sem políticas públicas eficientes que comportem não só o mercado editorial – e de incentivo à leitura, mas aos pequenos negócios como um todo.
"A gente vê a inviabilidade econômica desses empreendimentos. Eu acho que é o momento da gente chegar no poder público e dizer que esses empreendimentos eles são, para além da geração de emprego, para além da movimentação econômica que eles geram, eles também são fomentador da cultura”, reforça.
Futuro de esperança para o setor - e para a Lamarca
Guarany, no entanto, está otimista quanto ao futuro e espera não só sair da crise financeira como também ampliar o negócio. “A nossa visão de futuro é ampliar e além disso a gente tem seguido em uma terceira via, a gente tem o braço da livraria, que é a livraria em si, a gente tem o braço da livraria que é o restaurante - que hoje a gente serve café da manhã, almoço e janta , petisco, sobremesa, café, drinks. E agora a gente tem um terceiro braço que tá começando, que é o braço da captação de recurso para executar projetos a partir de editais e parcerias”.
Serviço
Livraria Lamarca
Endereço: Avenida da Universidade, 2475 - Benfica
Horário de funcionamento: Segundas, das 10h às 17 horas, e de terça a sábado, das 8h às 22 horas
Telefone/WhatsApp: (85) 98614 4125
Instagram: @livraria.lamarca
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