A potência dos negócios femininos no Ceará

Do grão à barra: conheça a história da fundadora da 1º fábrica de chocolate Bean to Bar do Estado

00:00 | Jul. 26, 2022

Por: O Povo
"Eu nunca havia parado pra imaginar como era produzido o chocolate", conta Giovanna fundadora da 1º fábrica Bean to Bar do Ceará (foto: Acervo Pessoal)

Giovanna Mondardo, 30, está sentada na cozinha de casa. Com as mãos e os olhos atentos, ela escolhe manualmente as amêndoas de cacau que irão compor o futuro chocolate. Na sequencia, o perfume da torra dos grãos – que estão no processo de secagem no forno - serpenteia por todos os cômodos do apartamento e invade o olfato desavisado da vizinhança.  A história da Giovanna, faz parte de toda a potência dos negócios femininos no Ceará, que o Movimento Empreender conta nesta série especial sobre empreendedorismo feminino.

Depois esses grãos serão triturados, resultando em fragmentos da parte interna do cacau, os famosos nibs, para então ir para o processo de refino e conchagem. É nesse passo aqui que o cacau, finalmente, se transforma em chocolate. Um trabalho intenso que Giovanna fazia sozinha, ali mesmo na cozinha do seu apartamento, na aldeota. O ano era 2019, quando ela iniciou o que viria a se tornar a MOA, 1º fábrica cearense a trabalhar o conceito Bean to Bar (do grão à barra). Arquiteta de formação, ela saiu do seu mercado para empreender em outro completamente desconhecido, mas nem tanto.

Isso porque sua relação com o cacau, remonta à infância. Natural do Pará, hoje o maior exportador do fruto do país, Giovanna nasceu em meio a cacaueiros: “Minha primeira lembrança com o cacau é de uma manhã de sol caminhando com a minha avó na floresta em Santarém. Consigo fechar os olhos e imediatamente me transportar para esse momento, pois a lembrança desse fruto colorido é marcante em minha mente”, conta.

Mas aí a Giovanna cresceu e veio pra Fortaleza, onde atuou por mais de uma década como arquiteta. Mas sempre que podia, viajava para o Norte. Foi numa dessas visitas, que o cacau cruzou novamente o caminho da Giovanna que, de forma inesperada, descobriu a magia de fazer chocolate enquanto visitava uma fábrica Bean to Bar: “O cacau sempre esteve presente na minha vida. Em Santarém, no Pará, na Amazônia é uma árvore que dá em todo lugar, é uma árvore nativa da Amazônia, então a gente tem cacaueiros em casa, eu cresci com o cacau. E eu fiquei - meu Deus, como isso é possível? Eu nunca havia parado pra imaginar como era produzido o chocolate”, revela.

A experiência bastou para aguçar a curiosidade da paraense, que se debruçou na pesquisa do que seria seu futuro nicho de mercado: a chocolateria artesanal: “Costumo dizer que o cacau me (re)conquistou antes do chocolate”, brinca. E assim, nascia a Giovanna empreendedora: “Transformei o meu apartamento em um laboratório. Meu primeiro investimento foi em uma saca de 60kg de cacau fino do Pará e em uma máquina que refina o cacau, somente. De resto “improvisava” como dava. Utilizava o forno do fogão para torrar as amêndoas. Quebrava os grãos de cacau basicamente um a um e separava as cascas com um soprador. Muito desse início foi aprendizado. Testes e mais testes, criações dos sabores, muita coisa dava certo, mas também muita coisa dava errado. E foi errando que aprendi”, enfatiza.

 

Os desafios de um novo mercado


E os desafios de adentrar num novo mercado foram muitos: “Trabalhar com algo absolutamente novo e pouco explorado já é um desafio por si só. Trazer isso para o Ceará foi um desafio maior ainda. Precisei (e preciso) “educar” o consumidor sobre o diferencial do meu produto, apresentar a ele esse novo segmento do mercado”. A Moa nasceu na pandemia, com o primeiro produto lançado em meio ao lockdown: “Não saber o que ia acontecer a cada dia que passava era um pouco angustiante, mas ao mesmo tempo acredito que tenha sido a melhor estratégia”.

E foi justamente nesse período que a procura por comida orgânica e artesanal, ou seja, produzida em pequena escala e respeitando os processos do alimento e da natureza, disparou no Brasil. Em 2020, o setor de orgânicos cresceu 30%. E os artesanais também foram beneficiados por essa tendência. Muita gente passou a se preocupar com a origem do que estava colocando no prato, do arroz com feijão ao chocolate.

“Veremos cada vez mais chocolates de verdade e de qualidade nas gôndolas. Hoje temos no Brasil diversas marcas Bean to Bar premiadas internacionalmente, isso ajuda o nosso mercado, pois os consumidores começam a valorizar chocolates brasileiros feitos com cacau brasileiro de qualidade. O mundo está acostumado a ouvir que chocolates belgas são os melhores do mundo, mas só diz isso quem ainda não conhece o chocolate brasileiro”, propagandeia orgulhosa da qualidade do que se vem produzindo em termos de chocolate no país.

Mas, como ela mesma lembra, apesar do cacau estar presente na história do Brasil, a industrialização acabou exigindo cada vez mais volume do insumo. Ignorando a qualidade e tornando o produto cada vez mais popular, com muitos aditivos químicos, conservantes, aromatizantes e gorduras hidrogenadas. Empreender em um movimento que vai exatamente no caminho contrário ao industrializado, é romper barreiras e movimentar costumes sociais e culturais. É no que acredita a jovem empreendedora. “Mas o movimento Bean to Bar vem com força, pois no mundo é claro o crescimento da busca pela vida saudável, as pessoas têm cada vez mais procurado se alimentar melhor, saber o que estão consumindo, de onde vem e quem produz”.

Um segmento ainda em construção, mas no qual Giovanna está apostando todas as fichas: “É um mercado aquecido e em ascensão, pois além de o Brasil ser um dos maiores produtores de cacau no mundo, temos visto cada vez mais fazendas motivadas em produzir um cacau fino de qualidade. Além disso, o nosso movimento visa a sustentabilidade, é um movimento limpo, justo e que trabalha com a conscientização para toda a cadeia produtiva, que valoriza os pequenos produtores, e ajuda a preservar as florestas”. É por isso e muito mais que ela acredita que a cadeia do seu negócio seja promissora.

Com 2 anos de existência, a Moa se formalizou, a fábrica tem novo endereço – para a tristeza olfativa dos vizinhos da Giovanna - , e conta com 3 funcionários, além de um maquinário mais completo, que tornou o processo artesanal menos braçal, por assim dizer. Para quem, assim como Giovanna, aposta no sonho de tirar sua ideia de negócio do papel, ela tem algumas dicas: “As dicas que posso dar para outros empreendedores é buscar conhecimento antes de iniciar qualquer negócio. Planejamento estratégico e financeiro, analisar o público alvo, encontrar algo que você ame e tentar mostrar o seu melhor para o mundo. Aprendi que os desafios são diários, que tudo tem seu tempo, que é importante ter um time na mesma sintonia e ser ousada”.


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