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O que mantém a roda do racismo girando?

A advogada Fernanda Estanislau é mulher negra e autista. Em entrevista ao projeto Educação Inclusiva, ela aponta os modelos de racismo no ambiente educacional

Fernanda Estanislau é advogada popular. Mestre em Direitos Fundamentais com foco em Direito e Relações Raciais pela Universidade Federal do Ceará. Autora do livro "Direito Antirracista". Pós-graduanda no MBA em Gestão Pública e Governança pela Universidade do Parlamento Cearense (UNIPACE). Assessora Técnica da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Coordenadora de Igualdade Racial da Academia Cearense de Direito. Membro da Comissão de Criança e Adolescente e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE.

Confira, abaixo, a entrevista.

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O POVO - Como a falta de representatividade afeta estudantes pretos e pardos no ambiente escolar?

Fernanda Estanislau – A presença de pessoas negras nesses espaços de decisão, nesses espaços de formulação e de incentivo ao ensino é essencial quando a gente pensa em qualquer tipo de transformação social. Principalmente quando falamos em uma transformação para a promoção da igualdade étnico-racial. Eu gosto de falar que a educação ela é a principal forma de transpor, de transformar a nossa realidade. Quando a educação e os ambientes educacionais silenciam sobre isso, eles se tornam a principal forma de reprodução de uma lógica racista, de uma lógica que nos oprime.

Porque o silêncio está falando muito, ele está falando sobre a legitimação das violências que ocorrem naquele espaço. E quando a gente pensa que nós temos leis que incentivam, infelizmente ainda não obrigam, o ensino afro-indígena nas escolas, por exemplo, mas que por a lei não obrigar, muitas vezes vai ser a iniciativa dos professores negros daquela escola que vai ter algum tipo de atividade diferente.

Então, nós precisamos de pessoas negras nesses ambientes. Eu tive a oportunidade de lecionar no ensino superior, mas é ainda mais difícil termos docentes negros e negras. Ainda é uma luta – que seja estabelecida cotas de forma obrigatória pra concurso e seleção desses professores – e quanto mais a gente vai subindo na escada da ascensão social, menos a gente vai enxergando pessoas negras.

A falta de professores negros que possam firmar essa posição, cobrar e lutar pra que aquilo seja debatido, acaba fortalecendo esse silêncio. Ou seja, acaba reproduzindo ainda mais, legitimando as violências e que ali não é um espaço para negros e negras, que a educação não é um espaço para negros e negras.



OP - Qual a importância da auto-declaração racial na matrícula escolar?

Fernanda – A gente tem que entender que racismo ele é algo planejado e ele operou de forma planejada em uma esfera global. Então, a gente precisa entender que essas falhas educacionais, as falhas da educação de base, elas foram planejadas dessa forma.

Se a gente resgata o processo de formação sócio-político brasileiro que, a partir do momento que há ali o fim do processo formal escravagista, a gente passa a ter um movimento cultural que ameniza a negritude, que tenta retirar a negritude.

A gente tem um planejamento formal, que chegou a ser apresentado oficialmente nos Congressos Nacionais, de embranquecimento da população. Em 1901, o Brasil chegou a apresentar um plano de que em 100 anos o Brasil seria branco através da prática da miscigenação.

Então, é a partir daí que começa a pegar as tonalidades de negros mais claras e dizer que não é negro. Aí um negro passa a ser uma ofensa. Então, as pessoas quando vão identificar você falam: “Não, você não é negra, imagina, eu não vou te ofender dessa forma, né?”.

Além de ser um projeto social de embranquecimento, é também uma forma de tirar de nós nossa identidade, porque se não existe negro, não existe racismo. Se a gente não se reconhece enquanto negro, a gente não consegue denunciar o racismo que a gente sofre, tudo vai pra esfera do individual.

Daí, quando a gente passa a ter, principalmente a partir da Constituição, o reconhecimento da dignidade humana e das pessoas negras, passamos a ter todo um programa de políticas públicas voltadas pra isso.

Mas cadê o acesso à educação que não foi dado? Cadê a consciência de identidade que nos foi negada? Foi negado, foi um planejamento.

 

OP - Qual o impacto da Lei 10.639 para a educação no País e como a gente trabalha a desconstrução do racismo dentro do ambiente escolar?

Fernanda – A gente precisa que isso esteja no currículo de todas as disciplinas de uma forma orgânica. E o Ministério da Igualdade Racial é que vai fazer esse papel de costurar as diversas políticas, trazendo a questão da raça como algo transversal, que atravessa todas as esferas de cidadania, de políticas públicas e da educação.

Trazer referências de mulheres negras, de pessoas negras, trazer figuras históricas para dentro das aulas de história, das aulas de física, matemática, trazer pra realidade da nossa população.

É muito difícil pra uma criança que vive na periferia, que lida com a violência cotidiana, estar num lugar e lá não ser discutido nada da realidade dela. Além de ela não ter o direito à sua identidade, não ter a legitimação das violências cotidianas relacionadas a racismo, que vão entrar ali no bullying escolar sempre relacionado à nossa aparência, a criança não vai entender por que só ela é parada pelo policial mesmo só indo pra escola.

Por que a polícia tem esse olhar voltado pra ela? Por que a conta da mãe não fecha, já que a mãe trabalha tanto e o filho nunca vê a mãe?

Essa nossa realidade, a história do povo brasileiro, ela está intrinsecamente ligada ao racismo e à opressão que a gente sofreu e sofre. Então, trazer a raça e o racismo presente na sociedade pra dentro do ambiente educacional é aproximar a educação da nossa realidade e isso afeta diretamente a permanência dessas crianças e jovens na escola.

A gente precisa entender que, pra tratar a igualdade étnico-racial, a gente precisa de uma transformação mais ampla.

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