Acolhimento que acontece em coletivo

Apesar de avanços, pauta LGBTQIAPN+ enfrenta desafios antigos. Espaços de acolhimento operam ativamente no combate à violência e discriminação

12:05 | Dez. 24, 2024

Por: O POVO Lab
Jean Leão recebeu apoio da Outra Casa Coletiva e hoje, trabalha, participa de uma igreja inclusiva e se dedica à musica gospel LGBT (foto: Duda Rabelo/ especial para O POVO)

O movimento LGBTQIAPN+ enfrenta uma série de desafios, os mesmos de décadas atrás e que ainda reverberam no presente. A análise é de Ari Areia, jornalista, ator e militante de direitos humanos. De acordo com ele, apesar de avanços como “maturidade” e “capacidade reativa” na população e o aumento da representação de pessoas LGBTs ocupando cargos de poder no Congresso Nacional, ainda há desafios históricos a serem superados no Brasil.

No Ceará não é diferente. Limitações orçamentárias para a execução efetiva de políticas públicas de diversidade, o “vácuo” de legislações afirmativas, além da lentidão para debater e aprovar pautas importantes são exemplos mencionados pelo ativista. Nesse cenário, sobressaem-se iniciativas da comunidade, que tem se organizado para criar estratégias de acolhimento à população LGBT mais vulnerável.

“Dez anos atrás, quando eu saí do armário, eu fiquei atordoado de como que ia ser. Dez anos atrás, por exemplo, não tinha a ‘Outra Casa Coletiva’ em Fortaleza. Fui expulso de casa e eu não tinha uma porta para bater”, relata Ari Areia. A delicada experiência o motivou a fundar e gerenciar uma república de acolhimento para pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade, vítimas de violência ou expulsas de casa.

Localizada no bairro Benfica, em Fortaleza, a casa acolhe cinco pessoas no abrigamento físico e média de 70 pessoas no acolhimento externo, recurso que oferece suporte psicológico, assistência social, mediação de vagas de emprego, distribuição de kits de alimento e exames de saúde.

Uma vida transformada

Jean Leão, 32, é carioca. Ele relata que cresceu em um ambiente religioso que considera a homossexualidade um pecado, o que o levou a esconder sua orientação sexual e a viver um intenso conflito interno. A rejeição familiar após o jovem ter revelado sua sexualidade, em 2011, gerou tensões e episódios de abuso psicológico. As terapias de "cura gay", que só agravaram seu sofrimento, culminaram em um atentado contra a própria vida, em 2019.

Após idas e vindas entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, onde Jean cursou Música na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em 2021 recebeu um convite para recomeçar a vida em Fortaleza. Jean encontrou na Outra Casa Coletiva um espaço de acolhimento e apoio, contando com suporte psicológico, de alimentação e de saúde.

"A casa coletiva foi esse lugar pra mim, um lugar de recomeço, de fortalecimento e de coragem, porque eu tive que buscar uma coragem de onde eu não tinha pra poder conseguir um lugar na vida", agradece. Hoje, Jean está empregado numa mesma empresa há dois anos, participa de uma igreja inclusiva e se dedica à música gospel LGBT.

 

Referência e desafios institucionais

Outro espaço de acolhimento à população LGBTQIAPN+ em Fortaleza, especialmente aqueles em situação de violência e violação de direitos, é o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, equipamento da Prefeitura de Fortaleza. Institucionalizado pela Lei Complementar nº 133/2012, o Centro oferece uma gama de serviços voltados à proteção, defesa e acolhimento dessa população vulnerável, garantindo acesso a direitos fundamentais e um suporte contínuo.

O centro oferece serviços como assistência jurídica para a retificação de nome e gênero, acolhimento psicológico e capacitações para sensibilizar organizações sociais. Além disso, realiza a articulação de uma rede de enfrentamento à homo-lesbo-transfobia e a produção de conhecimento sobre a violência LGBTfóbica, buscando visibilizar essas questões na sociedade.

Na opinião da coordenadora do Centro, Thayná Silveira, a falta de dados precisos sobre a população LGBT e as violências sofridas por ela tem sido um grande obstáculo para o planejamento, implementação e fortalecimento de políticas públicas nesse setor.

“Hoje a gente tem uma demanda absurda de subnotificações, então com isso eu entendo que é um grande sintoma para que a pauta LGBT ainda não seja tão visibilizada, que ela não seja falada, que ela não seja estruturada, que ela não seja pensada como algo de tamanha importância, como a Secretaria da Mulher, como a Secretaria de Igualdade Racial”, elenca.

“Os atravessamentos de pessoas LGBTs não são os mesmos que os de uma pessoa cis-hétero-branca, por exemplo. Temos muitas pessoas em situação de rua, muitas pessoas em situação de drogadição, de alcoolemia, de adoecimento mental, muitas pessoas expulsas de casa”, afirma a gestora.

 

Para conhecer

OUTRA CASA COLETIVA
Atuação: república para acolhimento da população LGBTQIAPN+, suporte psicológico, assistência social, mediação de vagas de emprego, distribuição de kits de alimento, exames de saúde
Contato: (85) 99722-7640 / Instagram: @outracasacoletiva
Endereço: R. Instituto do Ceará, 164 - Benfica, Fortaleza - CE

CASA TRANSFORMAR
Instagram: @casatransformar
Atuação: república para acolhimento da população LGBTQIAPN+
Horário de Funcionamento: segunda à sexta-feira, das 14h30 às 19h
Endereço: Rua José Maurício, 527 - Siqueira, Fortaleza - CE

CENTRO DE REFERÊNCIA LGBT JANAÍNA DUTRA
Contato: (85) 98970-4621
Endereço: Rua Guilherme Rocha, 1469 - Centro, Fortaleza - CE

CENTRO ESTADUAL DE REFERÊNCIA LGBT+ THINA RODRIGUES
Atuação: espaço para o acolhimento e atendimento humanizado da população LGBTI+ que tenha sofrido qualquer tipo de violação de direitos
Contato: (85) 98993-3884 / cerlgbt@diversidade.ce.gov.br
Funcionamento: de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h
Endereço: Rua Valdetário Mota, 970 - Papicu, Fortaleza - CE

PROJETO AMPARO
Atuação: vinculado à Universidade Federal do Ceará, oferece serviços farmacêuticos à população LGBTQIAPN+ em situação de vulnerabilidade social
Instagram: @projetoamparoufc
Endereço: Rua Pastor Samuel Munguba, 1210 - Rodolfo Teófilo, Fortaleza - CE