Sexualidade e inclusão
Pessoas com deficiências devem ser respeitadas como seres sexuais, que têm o direito de viver relações amorosas e a própria sexualidade de forma segura
00:00 | Nov. 03, 2023
Se pessoas com deficiência ainda sofrem grande carga de preconceito e falta de inclusão, quando se trata da sexualidade, o tabu é duplo. Um ponto de partida para entender o assunto é considerar que os dois conceitos são plurais: deficiências e sexualidades, explica Ana Cláudia Bortolozzi, professora de Educação Sexual, Inclusão e Desenvolvimento Humano do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Se eu pego uma família que vê as pessoas com deficiência como assexuadas, ingênuas, infantis, que nunca vão se desenvolver, não tenho um ambiente favorável a isso”, avalia a professora, que é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura (Gepesec) e do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Sexualidade Humana (Lasex) da Unesp.
A sexualidade, principalmente na adolescência, tem a questão social e fisiológica, com as mudanças no corpo e desenvolvimento dos hormônios. Ela frisa que o que impede o desenvolvimento pleno da sexualidade, muitas vezes, não é a condição da deficiência em si, mas o contexto social.
A família precisa reconhecer que seu filho ou filha com deficiência é um ser sexuado, ou seja, vai desenvolver suas capacidades, têm gênero, pode ser gay, lésbica, hétero. “Ele pode até não fazer sexo por causa de alguma lesão ou síndrome que impeça uma resposta sexual favorável, mas não vai torná-lo assexuado”, frisa Ana Cláudia.
Segundo a especialista, quanto menos se fala, mais se estimula o inadequado. No caso de pessoas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) e deficiências intelectuais, por exemplo, o indivíduo tem que ter repertório para entender o que é uma paquera, um namoro. “Eu posso ter vontade de tocar o corpo do outro, mas eu não posso fazer isso, saber sobre privacidade para si e para o outro”, exemplifica.
Se a família não consegue, o ideal é procurar ajuda com um especialista para trabalhar essas questões. “É tão bom se sentir amado, desejado. Por que as pessoas com deficiência não têm esse direito?”, questiona a pesquisadora da Unesp.
Os direitos sexuais e reprodutivos são iguais. Para desmistificar esse tabu, ela afirma que é preciso divulgar pessoas com deficiência que se casam, que têm filhos, que mostram seu erotismo.
De acordo com Teresa Helena Schoen, psicóloga e pedagoga que atua no Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há uma confusão entre a “necessidade de apoio e uma eterna infância”.
“É essencial reconhecer que a deficiência, seja física ou intelectual, não diminui a necessidade de intimidade, relacionamentos e expressão sexual”, corrobora Teresa. Segundo a professora da Unifesp, “é fundamental promover uma comunicação aberta e segura, enfocando o respeito pelos limites pessoais, a compreensão das mudanças corporais e emocionais, bem como a prevenção de abusos”.
Para isso, são imprescindíveis políticas públicas que favoreçam a utilização dos espaços. “Ir e vir. Não interessa a deficiência, é preciso promover a inclusão de todos nos espaços públicos. A sociedade deve trabalhar para eliminar barreiras físicas e atitudinais que possam dificultar o encontro social, o encontro amoroso, a vida sexual e os relacionamentos das pessoas”, avalia a pedagoga.
Sexualidades e os diferentes tipos de deficiências Teresa Helena Schoen, psicóloga e pedagoga, atua no Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), salienta que cada indivíduo vivencia relacionamentos amorosos e/ ou sexuais de forma diferente.
“Para alguns, haverá relacionamento sexual com coito, para outros, somente as preliminares (abraços, carícias...). A expressão sexual do adolescente dependerá de como ele aprendeu sobre sexo, da influência do grupo, dos seus objetivos de vida”, detalha.
Embora sejam agrupadas por apresentarem alguma deficiência, indivíduos com deficiências variam muito em tipo e intensidade de apoio que necessitam. “É muito diferente falar de uma pessoa com deficiência intelectual grave de uma pessoa com DI leve; assim como de uma pessoa cega ou surda”, diferencia Teresa.
Ana Cláudia Bortolozzi, professora de Educação Sexual, Inclusão e Desenvolvimento Humano do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que quanto maior a necessidade de apoio que a pessoa precisa para viver, menor a possibilidade de se engajar em um relacionamento amoroso. “Mas isso não quer dizer que ela não possa. Os casos mais limitados são quando a pessoa não consegue comer, fazer nenhuma atividade diária sozinha, extremamente dependente de tudo. Mas isso é o menor número”, salienta.
Cuidados na orientação de pessoas deficiência intelectual
Conhecimento para promover autoproteção
- Pessoas com deficiência intelectual podem, em algumas situações, exibir comportamentos inapropriados que constranjam outros. Isso ocorre devido a uma série de fatores, incluindo a falta de compreensão das normas sociais e da privacidade, bem como a expressão de suas necessidades e desejos de maneira inadequada.
- É importante entender que essas ações não são maliciosas, mas resultam da necessidade de expressar sua sexualidade e do desconhecimento das convenções sociais. Faz-se necessário informações bem claras sobre como se comportar para não constranger os outros e não se colocar em posição de vulnerabilidade.
- Não é incomum pessoas com deficiência serem abusadas sexualmente. Portanto, falar sobre o corpo, como cuidar dele, como se defender de uma molestação é super importante.
- Além das informações sobre anatomia e fisiologia, é preciso capacitar as pessoas a tomar decisões informadas e seguras em relação à sexualidade e relacionamentos. A promoção da autonomia e da autoestima é essencial, assim como o ensino de habilidades sociais e de comunicação.
Fontes: especialistas entrevistadas na matéria.
Como as Diferentes deficiências interferem na sexualidade
Deficiência motora/física:
Questões como autoestima e autoimagem podem ser desafios. Como se reconhecer em uma sociedade com padrões de estética tão excludentes. Algumas pessoas com deficiência física necessitam de alguma posição ou algum apoio físico para o ato sexual. Os profissionais de saúde que atendem devem ficar atentos a estas questões.
Deficiência sensoriais:
Implicam menos na resposta sexual, mas têm mais implicações sociais. Indivíduos se relacionam mais com os pares, pessoas com as mesmas deficiências. Para pessoas com deficiência visual, por exemplo, a questão do toque é mais intensa e de conhecer o outro pelo contato verbal primeiro.
Deficiências intelectuais:
É preciso um repertório comportamental e educacional voltado para essas pessoas. Podem demorar para aprender a usar um preservativo e o funcionamento dos órgãos, mas aprendem.
Dica de livro
Sexualidade e deficiência: uma releitura (Editora Gradus, 2021), de
Ana Cláudia Bortolozzi.
ACESSE O CONTEÚDO COMPLETO:https://fdr.org.br/educacaoinclusiva/