Com vetos, Lula torna barracas da Praia do Futuro patrimônio cultural
Um trecho que garantia a manutenção da atual estrutura dos empreendimentos, com intervenções sendo autorizadas apenas pelo poder municipal, foi vetado
09:04 | Jan. 08, 2025
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, com vetos, a lei que reconhece as barracas da Praia do Futuro, em Fortaleza, como Patrimônio Cultural Brasileiro. A medida foi publicada nesta quarta, 8, no Diário Oficial da União.
A proposta, do Congresso Nacional, destaca os empreendimentos como espaços culturais importantes, valorizando a gastronomia local e eventos tradicionais.
No entanto, um trecho que garantia a manutenção da atual estrutura das barracas, com intervenções sendo autorizadas apenas pelo poder municipal, foi vetado.
A justificativa para o veto é que a "proposição legislativa é inconstitucional e contraria interesse público ao afastar a competência da União de gerir e fiscalizar praia marítima, que constitui bem da União, de uso comum do povo."
Também complementa que a decisão traria "prejuízo do direito ao livre acesso e da preservação ambiental".
Para Fátima Queiroz, presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF), a sanção é uma grande conquista e confirma o potencial turístico e cultural do local, além de reconhecer o trabalho dos barraqueiros.
"As barracas, na verdade, são um grande esteio para toda essa população que vive aqui no bairro Praia do Futuro, que é um bairro, de certa forma, abandonado pelo poder público e não tem todos os serviços necessários da comunidade. E as nossas barracas têm esse papel importante de dar uma condição social melhor às pessoas que moram por meio do emprego e da geração de renda."
Além disso, destaca o pioneirismo desse negócio, inventado há quase 70 anos. "Estruturas tão simples que foram, tão rudimentares, chegam a esse patamar para atender toda a população de Fortaleza, toda a população do Brasil e a um público internacional que só tem elogios para as nossas estruturas."
Já a presidente da Associação das Mulheres Empreendedoras do Ceará (AME), Cícera Silva, que representa os ambulantes e massoterapeutas da Praia do Futuro, comenta como a decisão é fundamental.
"A partir do momento que a Praia do Futuro passa a ser um patrimônio cultural, nós vamos assegurar e garantir respeito e dignidade aos trabalhadores e as trabalhadoras que ali sobrevivem e resistem. Além de valorizar mais o mercado imobiliário."
Impacto econômico
O texto ressalta ainda o impacto econômico, que, com mais de 70 estabelecimentos espalhados por sete quilômetros de praia, geram mais de 20 mil empregos diretos e indiretos, além de um faturamento anual de R$ 300 milhões.
A aprovação ocorre em meio a uma disputa judicial que se arrasta desde 2005 sobre a demolição das barracas da Praia do Futuro, que ocupam a faixa de areia considerada área pública da União.
Porém, conforme explicou o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Alessander Sales, a medida não interfere no conflito entre empresários e União.
"Qualificar algo como patrimônio cultural é apenas uma declaração, um reconhecimento de que aquela manifestação, uso ou costume é um patrimônio da sociedade brasileira. Não significa que aquilo que foi reconhecido como patrimônio possa ocupar a faixa de praia como quiser."
Nesse sentido, ressalta que a declaração de patrimônio cultural é importante porque reconhece a Praia do Futuro como um uso relevante para Fortaleza. No entanto, não resolve o conflito de ocupação das barracas na faixa de praia.
"Para isso, precisamos ou de uma negociação – que acreditamos ser o melhor caminho – ou de uma decisão judicial final determinando se as barracas podem ou não permanecer."
Sobre o artigo vetado pelo presidente Lula, também acredita que continuaria sem alterar a situação, mas abriria uma discussão sobre a constitucionalidade desse parágrafo porque "não parece constitucional afirmar que as barracas, como estão hoje, podem ocupar a faixa de praia", finaliza.
Já Fátima Queiroz, presidente da AEPF, acredita que a medida traz segurança jurídica para a permanência das barracas. "Eu acho que o mais importante é essa segurança jurídica que passa a ter a partir de agora. Não temos mais a ameaça das barracas serem demolidas de uma hora para a outra."
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Entenda o conflito entre empresários e União
Em novembro de 2024, a União apresentou uma proposta para requalificar a área. A sugestão previa a redução do tamanho das barracas para até 800 m², a ampliação do calçadão para 44 metros e a permanência de até 60 barracas por 20 anos, mediante licitação.
Também foi proposto o cancelamento do Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) das barracas inadimplentes e a demolição das que não possuem registro. No entanto, a Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF) rejeitou a proposta, alegando que ela transformaria as barracas em quiosques.
A falta de consenso gerou o temor de que a ordem judicial para demolição de todas as barracas fosse cumprida. Em 28 de setembro, uma reunião em Brasília reuniu empresários, a União e membros da bancada cearense no Congresso.
Na ocasião, a União rejeitou a proposta de barracas com até 1.500 m², mantendo o limite de 800 m², mas ficou acordado que todos os empreendimentos pagarão pela ocupação, incluindo retroativos.
A ata da reunião foi encaminhada à Procuradoria da União para formalizar um grupo de trabalho liderado pelo MPF para discutir os pontos divergentes.
De acordo com Alessander Sales, as negociações seguem em andamento e o órgão está abrindo uma negociação direta para aproximar as duas propostas: uma do Fórum da Praia do Futuro e outra da União.
"As duas propostas reduzem bastante as barracas. Então, essa divergência será acertada na negociação. Mas já temos alguns consensos. Por exemplo, não haverá mais parque aquático e não serão permitidas áreas gigantes de barracas como as de hoje, que ocupam quatro, cinco ou até sete mil metros quadrados."
O objetivo do Fórum, após o acordo, é entregar essa parte da praia para a gestão municipal, como já é feito com outras áreas de praia do município de Fortaleza. "Nós entendemos que é o município quem deve fazer essa gestão, mas isso só será feito depois do acordo", destaca Alessander.
Na avaliação de Cícera Silva, presidente da AME, as barracas precisam diminuir o tamanho. "Os corredores tem que ser abertos, a população tem que ter acesso ao mar, os trabalhadores, para passar com seus equipamentos estão sendo penalizados. Com ordenamento, respeitando os corredores, tem espaço para todo mundo: empresário, microempreendedor, autônomo. Porque a Praia do Futuro é de todos."