Elmano: apoio à exploração de urânio no Ceará depende de parecer científico

Caso de alta concentração do metal em distrito de Santa Quitéria pode fazer o Estado rever posição sobre de mineração naquela cidade

18:51 | Out. 21, 2024

Por: Armando de Oliveira Lima
Governador concedeu entrevista ao O POVO News na tarde desta segunda-feira, 21 (foto: FCO FONTENELE)

A concentração de urânio sete vezes acima do permitido encontrada de forma natural na água de poços do distrito de Trapiá, em Santa Quitéria - a 222,3 km de Fortaleza - pode fazer com que o Governo do Estado do Ceará revise o apoio ao Projeto Santa Quitéria, que visa a exploração de urânio e fosfato na jazida localizada no mesmo município, segundo afirmou o governador Elmano de Freitas (PT).

O Estado aguarda um novo parecer sobre a potabilidade da água de toda a cidade e também considera a testagem das pessoas em um trabalho realizado em parceria com o Ministério da Saúde. Mas, durante entrevista ao O POVO News edição especial, na tarde desta segunda-feira, 21, o governador adiantou a opinião sobre o cenário.

“O meu parecer será acatar aquilo que os cientistas disserem, que é aquilo que pode ser feito com segurança máxima à saúde da população. Prioridade: a saúde da população. Se a exploração da usina não comprometer e ficar demonstrado que não compromete, aí nós podemos manter o acordo”, declarou.

Hoje, o memorando assinado entre o governo cearense e o Consórcio Santa Quitéria se dá em infraestrutura de apoio para a planta minero industrial. Um dos principais é a pavimentação de 16 km da rodovia estadual CE-366, que conecta a jazida à rodovia federal BR-020 e deve viabilizar o escoamento da produção.

Além disso, é previsto a construção, pelo Governo do Estado, de uma adutora de 64 km de extensão entre a jazida e o açude Edson Queiroz com capacidade de 1.036 metros cúbicos por hora. As duas obras, no entanto, só serão feitas se o empreendimento obter as licenças estaduais e mantiverem o apoio estadual.

Quando deflagrado na semana passada por matéria do O POVO, o assunto foi objeto de nota pelo Consórcio, que afastou qualquer relação da alta concentração de urânio em Trapiá com a exploração da jazida. Perspectiva defendida também pelo Instituo Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

Orientação sobre decisão será de cientistas

O documento assinado entre Elmano e representantes da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, os quais compõem o Consórcio, foi renovado no ano passado sob críticas dos movimentos ambientalistas que condenam a exploração das reservas de urânio e fosfato.

“Penso que um governador responsável dar vez e voz aos cientistas para que eles nos digam quais são as medidas, que relacionamento isso pode ter com a usina, em que medida a usina pode ou não agravar uma situação como essa”, reforçou o governador hoje, mencionando o caso de Trapiá.

O distrito fica localizado a cerca de 70 km da jazida alvo do Projeto Santa Quitéria. Há cerca de dez dias, segundo informou a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa), laudos apontaram medições sete vezes acima dos 0,03 miligramas de urânio por litro de água em 14 das 15 amostras coletadas em três poços da comunidade.

A Sesa destacou ainda que, “de acordo com a série histórica de anos anteriores, até o momento não foram identificadas condições clínicas e epidemiológicas de doenças sob suspeita de contato com o metal no distrito.”

De imediato, o Estado tomou ainda as seguintes medidas:

  • Criação de um Comitê Emergencial para Gerenciamento de Riscos e Contenção de Danos, formado pelas secretarias da Casa Civil, Recursos Hídricos, Saúde e Procuradoria-Geral do Estado, além dos órgãos Cagece, Cogerh, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros Militar;
  • Interdição dos pontos de coleta de amostras em que foi identificada a presença de urânio;
  • Orientação e acompanhamento multidisciplinar da população local;
  • Garantia do abastecimento à população da localidade com 15 carros-pipa diários;
  • Início do funcionamento da adutora nesta semana, que levará água do açude Araras até a localidade;
  • Elaboração de Plano de Contingência em resposta ao evento adverso, a partir de estratégia planejada e intersetorialmente articulada, objetivando minimizar efeitos.

Equipe do EpiSUS chega ao Ceará nesta terça-feira, 22

Ao mesmo tempo, Elmano informou que comunicou e pediu apoio dos ministérios da Saúde, Integração Regional e Meio Ambiente para atuar no caso de alta concentração de urânio no Ceará.

Nesta terça-feira, 22, segundo informou a Sesa, chega ao Estado a equipe do Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema único de Saúde (EpiSUS).

Antonio Silva Lima Neto (Tanta), secretário executivo de Vigilância em Saúde da Sesa, contou que a equipe do EpiSUS "vem para desenhar um protocolo de pesquisa para os moradores" e tem uma reunião marcada com a Secretaria na manhã do dia 23, antes de ir para Santa Quitéria.

"Eles vão tentar desenhar um protocolo de pesquisa. Esse protocolo vai inicialmente envolver entrevistas e em seguida pode necessitar da coleta de material biológico e nós vamos acompanhar também", detalhou ao O POVO sobre o trabalho na cidade.

O parecer que deve ser emitido pelos especialistas enviados pelo Ministério da Saúde e que devem realizar testagem da água e nos habitantes de Santa Quitéria.

Moradores de Trapiá temem pela produção rural

A presidente da Associação dos Moradores de Trapiá, Julia Lopes, contou ao O POVO que desde que os habitantes do distrito foram informados da condição da água, eles têm preocupação com a produção rural local.

Todos, segundo ela, ficaram satisfeitos com as medidas de fornecimento de água, com carros-pipa em atividade na cidade de 6h até 18h ininterruptamente em substituição da água dos poços que eram injetadas no Sistema Integrado de Saneamento Rural - Bacia Acaraú e Coreaú (Sisar-BAC).

Mas a preocupação se dá sobre os criadores de gado leiteiro. Os animais continuam tomando a água da região e se alimentando no pasto. A preocupação dos produtores é que o leite seja condenado, o que pode comprometer o negócio deles, que fornecem o produto para laticínios do Estado.

Sobre isso, o governador Elmano de Freitas prometeu uma revisão das medidas e reforçou que não há plantio irrigado na região. Ele ainda observou que a água que abastece a sede de Santa Quitéria é do açude Edson Queiroz, que não apresenta nenhum comprometimento a respeito da potabilidade.

Comunidades vizinhas à jazida temem pela saúde

Localizadas a cerca de 5 km da jazida de Itataia, as comunidades de Morrinhos e Queimadas temem pela saúde após tomarem conhecimento da alta concentração de urânio na água de Trapiá, que fica 70 km distante da reserva do minério.

Ao O Povo, Patrícia Gomes, habitante de Queimadas, conta que “o momento é de organizar o povo” região para exigir testagem da água consumida por eles e ainda de todos os habitantes.

“É mais do que necessário esse mapeamento das nossas águas subterrâneas, e as análises. Haja vista aquela serra em torno da Jazida a quantidade de Poços perfurados. Essa problemática ela perpassa por algo muito maior do que podemos imaginar”, lamenta.

Quando O POVO esteve nas comunidades, há pouco mais de dois anos, constatou o uso de águas de poços para produção rural - seja de roçados próximos ou no quintal de casa, seja na criação de animais para abate ou consumo de leite.

“O que está em grave risco é a saúde do povo de Santa Quitéria. E que todos órgãos competentes do Estado saibam que necessitamos dessa testagem com resposta clara”, reforça.

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