Urânio na água: Comissão Nacional de Energia Nuclear acompanha caso no CE
Cnen lançou nota esclarecendo que a concentração de metal acima do limite encontrada em distrito de Santa Quitéria não está associado à exploração de urânio
16:33 | Out. 18, 2024
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) afirmou que está acompanhando e colaborando com outras autoridades no caso do distrito de Trapiá, em Santa Quitéria - a 222,3 quilômetros de Fortaleza. A localidade teve três poços com concentração de urânio sete vezes acima do recomendado.
O Governo do Estado atestou o índice após observar alteração em 14, de 15 amostras feitas na água do distrito. Conforme portaria de potabilidade GM/MS nº 888/21, o valor máximo permitido é de 0,03 miligrama de urânio por litro (mg/L).
No comunicado, a Cnen explica que "o Urânio possui dois tipos de toxidez, a radiológica e a química, sendo a química mais restritiva que a radiológica.”
“O controle da toxidez química é realizado considerando o limite de concentração de urânio de 0,03mg/L (Portaria GM/MS n° 888/2021) e da toxidez radiológica, por meio do nível de referência de dose de 1 microsievert por ano (mSv/a)", acrescenta.
O sievert é a unidade usada para dar uma avaliação do impacto da radiação ionizante sobre os seres humanos.
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Com o resultado, as medidas imediatas foram de interdição dos poços, envio de carros-pipa para fornecer água potável para as famílias e a formação de uma força-tarefa para ampliar a investigação de alta concentração de urânio no distrito.
De acordo com o Estado, a concentração além do recomendado para o consumo humano se deu de forma natural. Trapiá está a cerca de 70 km da Fazenda Itataia, onde foi descoberta uma reserva de urânio ainda na década de 1970 e até hoje nunca explorada.
Cnem descarta influência do Projeto Santa Quitéria
A exploração do urânio, que é associado ao fosfato na região, chegou a ser alvo da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) ao longo dos últimos 50 anos, mas não obteve as licenças ambientais necessárias para a operação.
Neste tempo, apenas sondagens para medir o tamanho da reserva foram executadas. Mas desde o início dos anos 2000 a jazida é alvo do chamado Projeto Santa Quitéria (PSQ).
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O comunicado emitido pela Cnen destaca essa condição, de “que a Mina ainda não se encontra em operação, estando no início do processo de licenciamento e possuindo apenas autorização do local onde poderá vir a operar no futuro.”
“Assim, a Cnen pode afirmar que as concentrações de urânio presentes nas águas subterrâneas no entorno do empreendimento são de origem natural, não tendo qualquer relação com o PSQ”, reforça a comissão em nota.
Projeto recebe apoio de governos e críticas de movimentos ambientalistas
O Projeto Santa Quitéria é conduzido por um consórcio de mesmo nome, formado entre a INB, que detém o monopólio do urânio no Brasil, e a Galvani Fertilizantes, a qual tem interesse nas reservas de fosfato associada ao urânio para a produção de fertilizantes e alimentação animal.
A projeção é de que sejam investidos “mais de R$ 2 bilhões para a construção do complexo mineroindustrial” na região de Itataia. “A massa salarial, considerando apenas os cerca de 500 empregos diretos, será de R$ 100 milhões por ano e aquecerá a economia regional”, calcula o Consórcio Santa Quitéria.
Ao O POVO, o Consórcio já havia informado que, “no momento, o Projeto está em fase de licenciamento ambiental junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, não tendo iniciado nenhuma construção ou operação na cidade de Santa Quitéria.”
O mesmo é observado pelo governo cearense, que apoia a exploração comercial do urânio e fosfato na região juntamente com o governo federal. Acordos de apoio, como a construção de uma rodovia que agilize o tráfego das cargas e a construção de uma adutora foram prometidos pelo Estado no caso de o projeto obter as licenças ambientais.
No entanto, a exploração é alvo do Movimento Antinuclear do Ceará, formado por acadêmicos, associações de moradores, organizações sociais e ambientalistas. O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) afirmou, após o caso de Trapiá, que, “em um eventual cenário de licenciamento do Projeto Santa Quitéria, os danos à saúde, águas e solo poderão ser catastróficos.”
Governo pede apoio e monta plano emergencial
Após a deflagração do caso em matéria do jornal O POVO, o governo cearense afirmou que planeja uma força-tarefa com apoio técnico dos ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Integração Regional.
O Estado reforça ainda que medidas estão em curso há cerca de 10 dias, desde que os primeiros laudos foram conhecidos pela Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. São elas:
- Criação de um Comitê Emergencial para Gerenciamento de Riscos e Contenção de Danos, formado pelas secretarias da Casa Civil, Recursos Hídricos, Saúde e Procuradoria-Geral do Estado, além dos órgãos Cagece, Cogerh, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros Militar;
- Interdição dos pontos de coleta de amostras em que foi identificada a presença de urânio;
- Orientação e acompanhamento multidisciplinar da população local;
- Garantia do abastecimento à população da localidade com 15 carros-pipa diários;
- Início do funcionamento da adutora nesta semana, que levará água do açude Araras até a localidade;
- Elaboração de Plano de Contingência em resposta ao evento adverso, a partir de estratégia planejada e intersetorialmente articulada, objetivando minimizar efeitos;
Sobre a adutora, o governador Elmano de Freitas (PT) reforçou que o equipamento foi concluído e logo levará para Trapiá água do açude Araras, localizado na cidade de Varjota. Ele afirmou ainda que a água que abastece a sede de Santa Quitéria é do açude Edson Queiroz e não tem nenhum risco para o consumo humano.