Morre Maria da Conceição Tavares, ícone do pensamento econômico desenvolvimentista

Pesquisadora é referência no pensamento desenvolvimentista brasileiro e teve vídeos redescobertos e tornados virais nas redes sociais nos últimos anos

Morreu neste sábado, aos 94 anos, a economista Maria da Conceição Tavares, um dos principais nomes do pensamento desenvolvimentista, que defende uma maior intervenção do Estado na economia para estimular o crescimento.

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De acordo com amigos e familiares, ela estava em casa, e morreu dormindo, durante a madrugada. A causa da morte não foi divulgada. Ela deixa dois filhos, dois netos e um bisneto. 

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Nascida em Anadia, em Aveiro, e criada em Lisboa, Conceição Tavares chegou ao Rio de Janeiro fugindo da ditadura de Salazar.

Iniciou carreira no Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), foi professora da Universidade de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ e teve passagens pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Foi deputada federal pelo PT entre 1995 e 1999 e participante ativa do debate público sobre política econômica, sobretudo no período da redemocratização, nos anos 1980.

"Conceição ensinou toda uma geração que economista não era uma questão de mercado. Comemoramos o prazer de ter vivo na mesma época", afirmou a economista, amiga e ex-aluna de Maria Conceição Tavares, Gloria Moraes, ao informar o falecimento.

Homenagens

Autoridades brasileiras, ao tomar conhecimento da morte de Maria da Conceição Tavares manifestaram homenagens à economista.

"Maria da Conceição de Almeida Tavares foi professora, deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores, economista e matemática, uma das maiores da nossa história. Nascida em Portugal, adotou o Brasil e nosso povo com o seu coração e paixão pelo debate público e pelas causas populares. Foi uma economista que nunca esqueceu a política e a defesa de um desenvolvimento econômico com justiça social. Formou gerações de economistas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalhou no BNDES, em projetos importantes para a industrialização do nosso país e com a CEPAL em defesa do desenvolvimento da América Latina. Escreveu centenas de artigos e muitos livros. Até hoje suas aulas são consultadas pelos jovens em vídeos na internet, pela sua fala sempre franca e direta. Tive o prazer e a honra de conviver e conversar muito com minha amiga ao longo dos anos, debatendo o Brasil e os nossos desafios sociais e econômicos no Instituto Cidadania, em conversas no Rio de Janeiro ou em viagens pelo Brasil. Nesse momento de despedida, meus sentimentos aos familiares, em especial aos filhos, aos muitos amigos, alunos e admiradores de Maria da Conceição Tavares", escreveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O Brasil perdeu hoje uma mulher extraordinária. Maria da Conceição Tavares morreu, aos 94 anos, deixando um legado importante para o pensamento econômico brasileiro. Ela tornou-se célebre não só pelo vigor de seu pensamento, mas também pela paixão com que defendeu seus pontos de vista, sempre procurando identificar os interesses da grande maioria da população. Recomendo às novas gerações que conheçam seu trabalho. Meus sentimentos aos familiares e amigos", disse o político Eduardo Suplicy (PT), vereador em São Paulo, nas redes sociais.

"A voz da coerência nos deixa hoje! Nossa dor é imensa! O Brasil perde! A democracia chora!", exclamou o deputado José Guimarães (PT-CE).

Consultora do então PMDB na década de 1980, Conceição Tavares foi também deputada pelo PT no Rio de Janeiro na década seguinte.

"Recebi com profunda tristeza a notícia do falecimento da nossa Maria da Conceição Tavares. Nossa querida professora nos deixa um vasto legado sobre pensamento crítico em economia, justiça social, luta contra a desigualdade e, sobretudo, de muita coragem na defesa dos mais vulneráveis. Daqui, seguimos honrando seu maior ensinamento: o de sempre acreditar em um Brasil mais justo e igualitário. Descanse em paz, professora", expressou o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

"Hoje me despeço de você professora, a mulher que sem nem saber, mudou totalmente o curso da minha quando tentei fazer economia à sua imagem! Descanse em paz nossa grande economista, a maior luso-brasileira que vi na vida! Expresso meus pêsames à família por meio deste acervo", postou o administrador do @acervo_tavares.

Vídeos

Os vídeos de Conceição Tavares em entrevistas ou aulas públicas foram redescobertos pelos jovens brasileiros e portugueses nos últimos anos e viralizaram nas redes sociais.

Nas publicações, ela expunha os conhecimentos de décadas de pesquisa em economia com a personalidade forte que dispunha.

Pensamento crítico

Era uma crítica feroz do liberalismo e neoliberalismo econômico. Em artigo publicado no site da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, em 2021 - ainda no governo de Jair Bolsonaro -, escreveu: "Com o neoliberalismo não vamos a lugar algum. Sobretudo porque, repito: historicamente o Brasil nunca deu saltos se não com impulsos do próprio Estado. Esses últimos dois anos têm sido pavorosos, do ponto de vista econômico, social e político. Todas as reformas propostas são reacionárias, da trabalhista à previdenciária. Vivemos um momento de 'acerto de contas' com Getúlio, com uma sanha inquisidora de direitos sem precedentes. Trata-se de um ajuste feito em cima dos desfavorecidos, da renda do trabalho, da contribuição previdenciária, da mão de obra. O Brasil virou uma economia de rentistas, o que eu mais temia. É necessário fazer uma eutanásia no rentismo, a forma mais eficaz e perversa de concentração de riquezas."

Em 2015, em um evento em sua homenagem no Rio, disse que o Brasil precisava de uma aliança ampla com diversos setores da sociedade, para além de uma "frente de esquerda", para vencer a crise política, e uma política de substituição de importações para vencer a crise econômica. "Hoje é fundamental recuperar a esperança porque a conjuntura está muito adversa", disse.

No mesmo evento, disse não crer na possibilidade, no curto prazo, de se levar adiante um projeto de desenvolvimento econômico do País com inserção internacional.

Nem mesmo quando "o Estado nacional recuperar sua capacidade de operação, pelo menos fiscal" ou com o câmbio mais favorável às exportações. Isso porque, segundo ela, o fim do superciclo de commodities e a desaceleração do crescimento da China seriam obstáculos difíceis de transpor. Por isso, a saída para a economia nacional, disse, seria "voltar ao começo".

"Temos de fazer, por um lado, por razões de conjuntura internacional e interna, um esforço de substituição de importações outra vez e, por outro, fazer um Estado social de bem-estar, porque esse curso dos últimos dez anos não pode ser interrompido", afirmou. Ela dizia ser possível manter políticas de distribuição de renda com a substituição das importações e com investimentos em infraestrutura. (Com Agência Estado)

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