Venda de sangue? Entenda o que foi aprovado no Senado

Do lado contrário à proposta, há o argumento de que pode aumentar a desigualdade. Já os favoráveis afirmam que auxilia na fabricação de remédios

11:04 | Out. 05, 2023

Por: Fabiana Melo
Atualmente, a Constituição proíbe a comercialização de órgãos, tecidos ou substâncias humanas (foto: AURÉLIO ALVES)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, por 15 votos contra 11, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a comercialização de plasma humano, um dos componentes do sangue.

Representando cerca de 55% do volume desse tecido, ele corresponde à parte líquida e é constituído por água e outros elementos dissolvidos, como proteínas, vitaminas e lipídios. 

Atualmente, a Constituição proíbe a comercialização de órgãos, tecidos ou substâncias humanas.

Além disso, a coleta e o processamento do sangue ficam a cargo da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), estatal criada em 2004. O tema será agora analisado pelo plenário do Senado.

A PEC do Plasma altera o artigo 199 da Carta Magna, que dispõe sobre as condições e os requisitos para coleta e processamento de plasma para permitir que isso seja feito pela iniciativa privada.

Assim, propõem que a coleta e o processamento de plasma humano seja feito pela iniciativa pública e privada para fins de desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de biofármacos, destinados a prover o Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, o Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se posicionou contra a decisão.

Isso porque, segundo a instituição, tal medida pode trazer impactos significativos para as doações voluntárias de sangue, já que "quando as doações são remuneradas, as pessoas podem ser menos propensas a doar por motivos altruístas”

Outro ponto que a Fiocruz destacou foi que a prática traz riscos para a qualidade e segurança do plasma e pode aumentar as desigualdades sociais.

"Estudos sugerem, por exemplo, que a comercialização pode atrair pessoas em situações financeiras difíceis, dispostas a vender seu plasma, além de facilitar o acesso a pessoas que podem pagar, em detrimento daquelas que não têm condições", acrescentou a fundação.

Votação da Comissão gerou debates

A sessão da CCJ começou com a apresentação de um voto em separado do senador Marcelo Castro (MDB-PI), que sugeriu permitir a comercialização não do plasma, mas dos serviços de processamento do plasma.

A PEC alternativa apresentado por Castro submetia esse serviço a uma “autorização específica do Ministério da Saúde”.

“Eu acho mais razoável a minha emenda, porque permite a industrialização, o processamento e a comercialização dos hemoderivados; só não permite a venda do sangue humano - a diferença é só essa” defendeu o senador.

Em seu parecer, a relatora da PEC, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), negou a mudança sugerida por Castro.

“Julgamos que a exigência de autorização do Ministério da Saúde para a atuação da iniciativa privada limita demasiadamente sua capacidade de produção, possuindo o condão de afastar investimentos”, destacou.

Durante a sessão, Daniella Ribeiro defendeu que a medida é importante para facilitar a fabricação e comercialização de medicamentos que usam o plasma como insumo.

“Quando a gente fala em abrir a iniciativa privada para auxiliar, a gente está falando em baratear medicamentos para o SUS, porque, na hora em que entra a iniciativa privada, senador e querido amigo Marcelo Castro, é óbvio que a concorrência vai baixar o medicamento, e o SUS vai comprar mais barato”, argumentou.

No plenário do Senado, assunto também foi polêmico

A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) se posicionou contrária à comercialização do plasma humano.

“Faço novo apelo à relatora para que busquemos os meios de unir esforços para que a iniciativa privada participe da produção dos hemoderivados e que nos tornemos autossuficientes, é isso que a gente quer, mas a partir de doações”, pontuou.

Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) disse temer que a permissão da venda de plasma crie uma competição com a doação de sangue.

“Na hora que você abre à comercialização, nós vamos ferir de morte a assistência, porque quando a pessoa sofre um trauma ou vai fazer um procedimento cirúrgico, a pessoa precisa de sangue. E se esse sangue for comercializado ou compensado, sabe para onde vai? Vai para a indústria. Vai faltar sangue na hora da cirurgia, vai faltar sangue na hora do trauma, vai faltar sangue”, ponderou.

Entre os favoráveis à PEC está o senador Nelsinho Trad (PSD-MG), que acredita que a iniciativa privada vai produzir os medicamentos que hoje o setor público não fornece.

“Nós precisamos garantir o remédio para quem precisa. E como a gente vai fazer isso? Oportunizando a iniciativa privada, uma vez que há 18 anos a Hemobrás está tentando fazer isso, e não faz”, afirmou. A Hemobrás é a empresa pública brasileira de hemoderivados e biotecnologia.

Mesma posição tem o senador Dr. Hiran (PP-RR), que argumentou que a medida vai minorar o sofrimento de quem precisa desses medicamentos. “Sei da dificuldade que é para uma pessoa, lá no Hemisfério Norte, onde está Roraima, conseguir um hemoderivado para tratar uma deficiência renal”, destacou.

O senador Humberto Costa (PT-PE), por sua vez, ressaltou que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece esses medicamentos produzidos com plasma e que a PEC não impede que a iniciativa privada apenas compre o plasma do brasileiro e continue mandando para processar no exterior.

“Quando essa empresa pegar o plasma do povo brasileiro e mandar lá para a França, para fazer o processamento, quem vai garantir que ele mandou tudo de volta? É lógico que esse recurso, que esse plasma que vai para lá, ela vai comercializar na Europa e no resto do mundo”, afirmou.

Ao final do debate, a relatora Daniella Ribeiro disse que a comercialização não seria para a coleta, mas do produto fabricado após a coleta.

“A intenção do projeto é a gente poder atender à demanda. Outras discussões serão feitas no âmbito da lei infraconstitucional, onde vamos estipular, por exemplo, o cuidado para não perder a doação de sangue, ligando a doação de sangue à de plasma”, finalizou.

*Com informações de Agência Brasil

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