Usina de dessalinização pode acabar com a internet? Entenda a polêmica
Conflito entre o Consórcio Águas de Fortaleza, apoiado pela Cagece e o governo cearense, e as empresas de telecomunicações, apoiadas pela Anatel, existe desde o fim do ano passado
06:00 | Out. 04, 2023
A instalação da primeira usina de dessalinização do Brasil na Praia do Futuro tomou conta do noticiário nas duas últimas semanas depois que as empresas de telecomunicação elevaram o tom contra a instalação do equipamento sob o risco de derrubar a internet do País.
Mas o imbróglio se arrasta há um ano, desde setembro de 2022. O empreendimento tem investimentos previstos de R$ 3 bilhões, ao longo de 30 anos.
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A usina terá capacidade de produzir mil litros (ou 1 metro cúbico) de água potável por segundo, deve beneficiar cerca de 720 mil pessoas e teve o leilão para construção feito em março de 2021.
Distância para o cabos foi ampliada para 500 metros
Em 2022, após mais de seis meses de tratativas com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Companhia de Água e Esgoto se disse surpreendida por um parecer contrário à instalação do projeto da usina de dessalinização na Praia do Futuro, em Fortaleza, em razão do impacto que a operação pode causar aos cabos submarinos de fibra óptica.
A medida travou o andamento do projeto e atrasou a entrega da usina, que estava prevista para iniciar as operações em 2025. Em um ano, o projeto de captação da água do mar foi refeito, afastando em 500 metros (antes eram 50) a distância dos cabos submarinos.
O motivo do afastamento é por causa da chegada de 17 cabos submarinos de fibra óptica, que conectam a capital cearense às américas Central e do Norte, à Europa e à África em estruturas revestidas de borracha, cobre e gel de silicone instaladas nos fundos dos oceanos.
Fortaleza é a segunda cidade no mundo em número de cabos submarinos e as empresas de telecom afirmam que a captação da água do mar próxima dos equipamentos pode causar algum prejuízo à conexão.
Declaração deflagrou a polêmica
Mas o aumento da distância não satisfez as empresas de telecom. Em Fortaleza no último dia 25, o vice-presidente de Relações Institucionais da Claro, Fábio Andrade, deflagrou uma crise que foi notícia em todo o País. Ao O POVO, ele afirmou que o projeto de construção de uma usina de dessalinização na Praia do Futuro pode ‘parar a internet’ no Brasil.
"“Isso aí vai acabar com a internet e se isso ocorrer o Brasil vai parar, o sistema financeiro, o sistema de saúde, etc. Porque em três locais que têm a sobreposição dos cabos com a usina pode haver uma queda na internet e como foi dito (por palestrante que citou o tempo necessário para fazer manutenção em um cabo danificado no Rio de Janeiro), vai ser no mínimo 50 dias para arrumar”, disparou Andrade, ao criticar a terceira versão do projeto da usina de dessalinização.
A preocupação seguinte das empresas era de que as obras físicas da usina causassem rompimento das fibras que estão enterradas naquela região da Capital.
Respostas duras
Desta vez, no entanto, Cagece e o Consórcio Águas de Fortaleza não cederam e afirmaram que, na verdade, as empresas de telecomunicações querem criar uma reserva de mercado na Praia do Futuro.
"A escolha pela Praia do Futuro não é por capricho nosso! É porque ali é onde você tem as correntes marinhas adequadas e onde você tem capacidade de captar a melhor água, a mais adequada", afirmou Renan Carvalho, presidente do Consórcio Águas de Fortaleza.
“Argumento técnico para não ser feita a obra não existe. Só se eles inventarem”, disse Neuri Freitas, presidente da Cagece.
O governador Elmano de Freitas também se manifestou sobre a questão depois de provocado, e criticou a postura das empresas de telecom: "As empresas de cabos e internet querem ser donas da Praia do Futuro", disparou, mostrando que não deve mudar o projeto por conta das recomendações.
Novo parecer
Após a troca de farpas entre os defensores da usina e os contrários, a Anatel informou que deve elaborar um parecer técnico sobre a proposta da usina de dessalinização de afastar a captação em 500 metros.
Vicente Aquino, conselheiro da Agência, disse ao O POVO que a análise não deve demorar mais do que um mês para ser divulgada e os setores de telecom terão que seguir o que a Anatel decidir. Contudo, não as impede de ir ao judiciário para questionar a decisão.
"O Governo atendeu uma primeira discussão: saiu de 40 metros para 500 metros, mas as operadoras compreendem que não consegue atender. Tanto é que a Anatel está analisando esse novo ajuste ao projeto, mas não houve uma definição", justificou.
Ao mesmo tempo, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) vai tratar do projeto, após a alteração na captação da água do mar, a partir do dia 5 de outubro.
A reunião com o Coema visa acelerar a emissão da Licença Ambiental e Licença Prévia pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).
As obras previstas para começar nos primeiros meses de 2024 foram atrasadas em cerca de um ano e seguem cronograma independente das operadoras de telecom. Novas audiências públicas, inclusive, estão sendo feitas com os habitantes do entorno do Vicente Pinzon, onde se pretende instalar os dutos de captação.