Pandemia faz setor de ônibus urbano perder 10,8 milhões de passageiros e R$ 27 bilhões

Dados compõem o Anuário da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos ( NTU) e mostram cenário preocupante, com idade média dos veículos 6,7%, mais alta, chegando a seis anos e 11 dias, a maior em 27 anos

19:25 | Ago. 09, 2022

Por: Jocélio leal
Demanda de passageiros pagantes apresentou no ano passado recuperação de 37,8% ante 2021, mas ainda está aquém do período pré-pandemia (foto: JÚLIO CAESAR)

A pandemia atropelou o já trôpego sistema de transporte urbano de passageiros no País, envolto em impasses quanto à saúde das operações. Depois de enfrentar queda no número de passageiros transportados na pandemia, a demanda de passageiros pagantes apresentou no ano passado recuperação de 37,8%, ante 2021.

Contudo, versus o quadro anterior à pandemia (2019), o vazio a bordo ainda foi muito alto: 32,6%. Em termos absolutos, 10,8 milhões de viagens realizadas por passageiros pagantes por dia, em todo o Brasil. Os dados estão no Anuário NTU 2021-2022, da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos ( NTU).

O estudo é elaborado com base em 11 indicadores e os dados são disponibilizados pelas entidades filiadas à NTU, que reúne as empresas operadoras dos nove grandes sistemas. Além de Fortaleza, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Juntos, os sistemas dessas cidades respondem por mais de 35% da frota nacional e da quantidade de viagens realizadas, em todas as cidades brasileiras atendidas por sistemas organizados de transporte público por ônibus.

Setor acumula perda de R$ 27,8 bilhões

Francisco Christovam, presidente-executivo da NTU, diz que os dados impressionaram pelo impacto negativo.

Segundo ele, os sistemas organizados de transporte público por ônibus urbano, presentes em 2.703 municípios brasileiros, tiveram uma perda acumulada de R$ 27,8 bilhões, do início da pandemia a abril deste ano, segundo revela o levantamento mais recente feito pela Associação, que serviu de base para o Anuário.

A análise da demanda se baseia na comparação para os meses de abril e outubro de cada ano. O mês de abril de 2021 registrou forte recuperação, de 119,5%, em relação ao ano anterior. Foi em abril de 2020 o auge do isolamento social.

Já no mês de outubro de 2021, houve uma pequena redução de 2,1%, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Para a NTU, os dados podem indicar um cenário de estabilização do nível de demanda, em patamar próximo a 70% dos níveis de 2019. Monitoramento realizado pela associação, sobre impactos da pandemia, mostra que, de novembro de 2021 a abril de 2022, os níveis mensais de demanda registrados oscilaram entre 66,8% e 71,3%, em relação à situação do período da pré-pandemia.

Não há indicação, até o momento, de que essa perda de passageiros será totalmente revertida, indicando a possibilidade de encolhimento estrutural do setor.

Quanto aos passageiros equivalentes transportados ou viagens realizadas por veículo, com exceção do ano 2020 (com o maior impacto, resultante da pandemia), em 2021, o indicador registrou o menor índice de toda a série histórica: apenas 251 passageiros transportados diariamente, em média, por veículo tendo em conta a média dos meses avaliados. De 2020 para 2021, houve um acréscimo de 50,5%, embora, em relação a 2019, a redução seja ainda alta, de 25,1%. 

 

Aumento de oferta por ônibus

Em contrapartida, o Anuário NTU mostra que a oferta de transporte público por ônibus aumentou 8,5%, em 2021, na comparação com o ano anterior.

O nível de oferta tem apresentado melhor recuperação em relação à demanda: já em julho de 2020, pouco mais de quatro meses após o início da pandemia, a oferta do serviço atingiu mais de 70%, da situação observada anteriormente.

Em abril de 2022, o nível da oferta subiu para 82,3%, do verificado em 2019. Isso ocorreu porque o setor diz ter obedecido de maneira cabal o distanciamento social no interior dos ônibus.

O presidente destaca ainda que a redução da produtividade é uma condição estrutural do setor há anos, independentemente do impacto maior causado pela pandemia. A queda acumulada durante toda a série histórica é de 41,5%. Em relação ao ano de 2019, ainda há baixa de 2,5% da produtividade.

De acordo com o Anuário, o crescimento de 2021 significa que o setor quase atingiu o nível de produtividade anterior à pandemia.

“As consequências são terríveis para a população e para a economia de todo o país. As pessoas têm à disposição delas uma frota com a maior idade média verificada, em quase três décadas”, afirmou Christovam.

 

Envelhecimento da frota

Quanto ao envelhecimento da frota, a crise econômica enfrentada pelas empresas levou, em muitos casos, ao adiamento da aquisição de novos veículos. Vários indicadores relacionados à frota de ônibus diminuíram em 2021, como já era previsto. Em 27 anos de monitoramento feito pela NTU, a idade média da frota de ônibus coletivo urbano do Brasil nunca foi tão alta.

Após um ano de estabilização, em 2020, a idade da frota voltou a aumentar no ano passado, com crescimento de 6,7%, elevando a média para seis anos e 11 dias.

No caso do índice de frota total do sistema (o número de ônibus que as empresas possuem), a queda foi de 9,3% de abril/2020 a outubro/2021. É o menor percentual registrado desde o início da série histórica, em 2013.

Nesse caso, o levantamento mostra que a redução é decorrente da adequação da oferta de serviço, devido à queda da quantidade de viagens realizadas pela população.

Outro ponto negativo, no contexto da frota, é o encolhimento do mercado interno de venda de veículos do tipo ônibus e micro-ônibus, que foi mais acentuado em 2021, como revela o Anuário.

As vendas de ambos os tipos de veículos analisados foram igualmente reduzidas, com percentuais de 36,1% para o ônibus e 33,6% para o micro-ônibus.

A quantidade total de veículos comercializados em 2021 (7.771 unidades) foi a menor registrada ao longo de todos os 21 anos da série histórica. O pico foi de 24.073 unidades, em 2011.


Queda na produtividade

Chama a atenção no levantamento da NTU o indicador que mede a produtividade, avaliada pelo Índice de Passageiros Equivalentes por Quilômetro (IPKe). A análise mensal mostra que o IPKe cresceu 62,1% e 7,1%, nos meses de abril e outubro, respectivamente, na comparação com o ano anterior; mas, o índice médio atingido foi de apenas 1,45 passageiros por quilômetro.

Com exceção do ano de 2020, de maior impacto devido à pandemia, esse é o menor valor já verificado, ao longo dos 29 anos da série histórica.

O presidente da NTU avalia que crises estruturais devem ser enfrentadas com soluções e alternativas que também provoquem mudanças estruturais. “É preciso construir novas bases para posicionar o transporte público coletivo como um instrumento estratégico de retomada das cidades, em direção a uma nova realidade. Para isso, é fundamental a atualização do marco legal do setor”.

Entre os indicadores de custo, o salário médio dos motoristas teve aumento de 2,7% acima da inflação do período, mesmo com a queda de produtividade. No entanto, na avaliação de toda a série histórica, fica evidente que os salários praticados na atualidade estão entre os mais baixos dos últimos 28 anos, em todas as capitais brasileiras.

O peso do diesel

Nesse cenário de perdas, o preço do óleo diesel, que é o segundo maior custo operacional do setor, após o custo da mão de obra, chegou a pesar 33,7% na soma dos custos totais. Este é o maior valor alcançado, desde o início da série histórica, em 1993.

"É inadiável uma política de preços diferenciada e de longo prazo, com tratamento tributário específico, para o combustível consumido pelo transporte público por ônibus, com estabilidade e previsibilidade.

Manter da forma como está prejudica principalmente a população de mais baixa renda, visto que os impactos sobre os custos das empresas são muito pesados", afirma o presidente da NTU.

Poder público descumpre contratos, mas aumenta apoio

Outro sinal de alerta no estudo aponta que a tarifa média ponderada aumentou em índice considerado aquém do previsto. Pela análise do Anuário, o cenário é decorrente do descumprimento unilateral de contratos, por parte do poder público, que não reajustou as tarifas na mesma proporção dos aumentos dos custos, naqueles sistemas onde a tarifa pública é a única fonte de receita da empresa operadora.
Ao mesmo tempo, as empresas reconhecem que o crescimento da concessão de subsídios aos passageiros, desde o início da pandemia, também contribuiu para a redução da tarifa média, o que foi um dado positivo.

*O jornalista viajou a São Paulo a convite da NTU

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