Após denúncias de desrespeito a cotas raciais em concurso, PMCE diz que fará nova convocação
Edital deveria reservar 400 vagas para cotas, mas aprovados afirmam que vagas exclusivas para candidatos negros foram remanejadas para ampla concorrência
12:04 | Jan. 08, 2022
O último concurso público feito para cargos de soldado na Polícia Militar do Ceará (PMCE) está sendo alvo de críticas diante de denúncias do não cumprimento da lei que garante a política de reservas de vagas para candidatos negros por meio do sistema de cotas raciais. O POVO recebeu 14 denúncias contra a não aplicação devida da lei na seleção organizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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Conforme os relatos obtidos com exclusividade pelo O POVO, os candidatos relatam que durante o processo seletivo não foi reservado o quantitativo correto de vagas para pessoas pretas. Alguns candidatos afirmam, sob sigilo de fonte, que após a primeira chamada regular dos aprovados houve transferência de vagas que deveriam ser exclusivamente para candidatos negros, para a ampla concorrência.
Com isso, além de infringir a lei das cotas, as denúncias pontuam que a prática fere a isonomia da seleção pública, já que candidatos negros, aprovados, não foram convocados para o posto diante da transferência de vagas cotistas para candidatos da ampla concorrência. O concurso previa 2 mil vagas, das quais 400 deveriam ser ocupadas exclusivamente por candidatos autodeclarados negros.
O que mais diz a lei?
A lei de número 17.432, de 25 de março de 2021, em todo o Estado, institui a obrigatoriedade do respeito à "política pública social e afirmativa consistente na reserva para candidatos negros de 20% das vagas oferecidas, considerando regionalização e especialidade, em concursos públicos destinados ao provimento de cargos ou empregos integrantes do quadro de órgãos e entidades públicas estaduais".
Pela lei, a reserva de vagas deve ser cumprida ainda por empresas públicas e sociedades de economia mista. Assim, com base no texto, a denúncia alega que a banca também não atentou em colocar os candidatos cotistas com notas na vaga de ampla concorrência e duplicou os nomes em ambas as listas eliminando novos cotistas, contrariando aspectos da lei de cotas em vigor no Estado:
- § 4º A desistência de candidato negro aprovado em vaga reservada importará no preenchimento para o candidato negro imediatamente em seguida posicionado.
As denúncias recebidas pelo O POVO expressam ainda que diante de ausentes cotistas na convocação, os responsáveis pela seleção pública não chamaram novos candidatos que foram aprovados pelas cotas, convocando apenas candidatos da ampla concorrência.
Prática contraria o artigo terceiro da lei de cotas do Ceará que afirma: "Na hipótese de não haver número de candidatos negros aprovados suficientes para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação".
Apesar das determinações da lei, os relatos apontam que candidatos cotistas não foram convocados, pois as vagas remanescentes foram realocadas para candidatos da ampla concorrência, desconsiderando a ordem de classificação.
Os relatos enviados ao O POVO pontuam ainda que o curto período de tempo entre a convocação e o prazo para realização da Teste de Aptidão Física (TAF) tem sido outra problemática enfrentada pelos aprovados no concurso público.
Diante das denúncias, novos candidatos cotistas serão convocados
Ao receber e apurar as informações sobre o não cumprimento da lei de cotas, O POVO questionou a Polícia Militar do Ceará, bem como a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado sobre a situação exposta. As entidades foram questionadas sobre uma eventual revisão das vagas e o procedimento jurídico a ser adotado diante do desrespeito a lei das cotas.
Em nota conjunta, os órgãos, ao lado da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Ceará (Seplag) e da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), afirmam que haverá novas convocações para candidatos cotistas.
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"Após reunião realizada na tarde desta sexta-feira, dia 7 de janeiro de 2022, acordaram com a banca organizadora do concurso para soldado da PMCE, Fundação Getúlio Vargas (FGV), que serão convocados mais candidatos cotistas", destaca a nota.
Em nenhum momento, porém, as entidades retornaram sobre os motivos do não cumprimento inicial da lei das cotas. No posicionamento solicitado pelo O POVO também não foi expresso de forma explicita quantos novos candidatos cotistas seriam chamados ou quando iria ocorrer a nova convocação.
Apesar disso, as entidades se comprometeram em convocar candidatos negros cotistas para a "heteroidentificados, visando obedecer de forma completa no disposto no item 9.7 do Edital do Concurso para provimento ao cargo de Soldado PMCE/2021, e ao §3º, art. 1º, da Lei de Reserva de vagas para Negros (Lei Estadual nº 17.432/2021)". Assim, devem ser convocados candidatos cotistas até atingir a cota mínima de 400 vagas reservadas pela lei.
** Com informações e colaboração de Beatriz Cavalcante