Petrobras: retirada do navio de gás natural no Pecém é estratégica e diesel para Termoceará está garantido

A estatal respondeu às críticas que recebeu nas últimas semanas, inclusive do Governo do Ceará, e afirmou que transferência do navio do Pecém para a Bahia permite atendimento das termelétricas a gás de outras regiões

11:45 | Ago. 19, 2021

Por: Samuel Pimentel
Navio de regaseificação de GNL no Terminal do Pecém saiu do porto no fim de 2023 (foto: Divulgação/Agência Petrobras)

A Petrobras emitiu nota nesta quinta-feira, 19, respondendo às críticas sobre a retirada do navio de regaseificação do Terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) do Porto do Pecém para a Bahia. A estatal frisa que a suspensão do abastecimento foi uma estratégia da companhia e que está garantindo o abastecimento de diesel para operação da Termoceará, a termelétrica operada pela companhia no Estado.

O navio permitia o fornecimento de gás natural que atendia à demanda das usinas termelétricas do Ceará, além do Piauí e do Rio Grande do Norte.

Ainda segundo a Petrobras, a decisão ocorreu para que fosse reforçada a capacidade dos terminais da Bahia (TR-BA) e do Rio de Janeiro (TR-RJ).

O segundo até foi ampliado, de 20 milhões de metros (m³) por dia para 30 milhões de m³/dia. Ainda houve aumento da importação de GNL, agora chegando mais 14 navios por mês, e a flexibilização pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) da especificação do gás processado na unidade de tratamento de Caraguatatuba e a interligação das Rotas 1 e 2 de escoamento de gás do pré-sal.

Além das medidas em vigor, "a companhia ainda negocia um novo contrato interruptível com a Bolívia" e avalia alternativas para "disponibilidade de um terceiro navio regaseificador" para ampliar a capacidade brasileira em GNL.

Ao O POVO, o titular da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet), Maia Júnior, externou o descontentamento com a Petrobras e com o Ministério de Minas e Energia pela forma como a questão foi tratada.

Isso porque o navio regaseificador Golar Winter, da Petrobras, deixou o píer 2 do Terminal GNL do Porto do Pecém em março. Desde então a companhia se manteve em silêncio sobre a retomada após descumprir o prazo que havia dado ao Estado, ainda em março. A resposta oficial do porquê somente vem agora, mais de cinco meses depois da saída.

"Foi uma escolha (do Ministério de Minas e Energia) que nem foi comunicada ao Estado. O que eu vou dizer para esse investidor que investiu bilhões de dólares nessas termelétricas do Ceará?", reclamou Maia.

"Isso é uma insegurança! O que é que eu vou dizer aqui para a Mitsui, que comprou uma parte da empresa do Estado (Cegás) e em outros estados também. "Te vira, negão?". Porque a minha exigência como Estado é que você precisa garantir abastecimento de gás na indústria, residências. O que eu digo para os investidores que compraram automóveis a gás neste País se não tiver garantia de gás? O que eu digo para os investidores que operam termelétricas no Ceará? A Petrobras retira o seu navio de suprimento de gás do Porto do Pecém sem dizer nada ao Estado", afirmou.

Na nota desta quinta-feira, 19, a Petrobras explica que a transferência permite o atendimento da demanda do Sudeste e do Sul.

"A transferência do navio de Pecém para a Bahia permite o atendimento de UTEs do Sudeste e Sul (UTEs Arjona e Araucária, total de 650 MW), o que, juntamente à geração a diesel na UTE Termoceará (200 MW) mais que compensa as indisponibilidades temporárias no Nordeste (cerca de 750 MW), provendo capacidade de cerca de 100 MW a mais durante o período do reposicionamento."

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Bastidores

A questão da retirada do navio regaseificador do Porto do Pecém e a "imprevisibilidade" que isso gera, já faz com que a diretoria do Complexo do Pecém já busque alternativas.

O contrato de exclusividade da Petrobras na operação do píer 2 segue até 2023. Nos bastidores, Pecém já busca novos parceiros.

Ao O POVO no último dia 7 de agosto, a Petrobras afirmou que segue o disposto no contrato, que tem previsão de término em 2023, mas é reticente sobre a possibilidade de continuar operando o Terminal, respondendo que "a possibilidade de renovação a partir de 2024 depende dos planos de utilização futura do Porto pela administração do Pecém".

Recorde

Em meio ao aumento de demanda por gás natural para abastecer as termelétricas, o Brasil bateu recorde de importação de GNL. Porém, mesmo com os 28,8 milhões de m³/dia (além dos mais de 30 milhões de m³/dia vindos da Bolívia e 20 milhões de m³ produzidos pela Petrobras), existe o risco iminente de faltar gás para usinas térmicas.

E, segundo enfatiza reportagem do Valor Econômico, há problemas no sistema que acontecem em meio à recuperação da demanda com a retomada da economia.

Exemplos disso: o terminal de Sergipe, da New Fortress, não está conectado à malha nacional de gasodutos. Além disso, a planta da Petrobras em Pecém (CE) não conta, hoje, com navio regaseificador.

Na publicação, o presidente da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, cita o atraso nas obras do gasoduto de escoamento Rota 3 do pré-sal, que só deve ser entregue em 2022.

Sem esse reforço, alguns grandes campos do pré-sal não têm condições de trazer gás para o continente. Além disso, a parada programada do campo de Mexilhão e do gasoduto Rota 1 restringirá o suprimento em setembro.

A falta da estrutura da Rota 3 faz com que o Brasil atinja recordes de reinjeção - gás que poderia ser extraído e não foi, na casa dos 60 milhões de m³/dia. Essa quantidade é equivalente a praticamente dois terços do que o Brasil produz e importa por dia.

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Demanda térmica

Ainda no início do segundo semestre deste ano, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) solicitou à Agência Nacional de Petróleo (ANP) esforços para que a Petrobras coloque em operação novamente o Terminal GNL de Pecém, no Ceará, até o fim de setembro.

O terminal com capacidade de transferir até 7 milhões de m³/dia de gás natural para o Gasoduto Guamaré-Pecém (Gasfor) e viabilizaria a operação de importantes usinas no Nordeste e acrescentaria 570 MW de disponibilidade termelétrica ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Essa produção viria do acionamento da Termofortaleza e Termoceará, no Ceará, e da usina Vale do Açu, no Rio Grande do Norte. Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram que as termelétricas cearenses movidas à gás natural - que tem um custo menor do que aquelas à diesel - acrescentaram ao sistema uma geração de 423 MWmed, em janeiro, e de 211 MWmed, em fevereiro.

Ao Valor, a consultoria Wood Mackenzie estima que todas as termelétricas conectadas à malha integrada de gasodutos demandariam, a plena capacidade, 50,1 milhões de m³/dia, ante uma oferta prevista da ordem de 50 milhões de m³/dia. Isso deve fazer com que as importações de gás continuem em alta enquanto ocorre a manutenção da Rota 1.

Moreira Neto explica que, independentemente de fatores conjunturais como paradas para manutenção, existem térmicas hoje com problemas estruturais de suprimento de gás.

Ele cita a Termofortaleza e a Termoceará, no Ceará, que não conseguem despachar a plena capacidade por limites nos gasodutos da região. Além disso, há o fato de a Petrobras ter desmobilizado o navio do Terminal de GNL de Pecém.

Já a usina William Arjona-MS tem como principal fonte de suprimento a Bolívia (e que agora está sendo abastecida com o GNL proveniente dos terminais do Rio de Janeiro e da Bahia - que recebeu o navio regaseificador que abastecia Pecém), que enfrenta dificuldades estruturais para aumentar a oferta ao Brasil - o que se soma à maior demanda argentina pelo gás boliviano no inverno.

Para finalizar, a nota da Petrobras enfatiza que a companhia segue atendendo todos os contratos, "de acordo com os termos e prazos estabelecidos". "E empenhando todos os esforços para maximizar a oferta de gás e garantir a confiabilidade do suprimento aos seus clientes."

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