Ceará é destaque em logística reversa, mas tem 60% do descarte incorreto

De acordo com estimativas da ANP, todos os anos 10 milhões de m³ de óleo lubrificante usado é descartado incorretamente. Isso equivale ao volume de uma barragem de hidrelétrica

09:00 | Jun. 23, 2021

Por: Samuel Pimentel
Coleta de todo óleo lubrificante usado no varejo e indústria é regulamentado por leis federais. (foto: Divulgação)

A quantidade de Óleos Lubrificantes Usados ou Contaminados (Oluc) coletado no Ceará em 2020 passou dos 7,27 milhões de metros cúbicos. Total de 115 municípios realizaram no ano passado algum tipo de coleta, o que colocou o Estado como um dos destaques nacionais entre as unidades federativas que mais coletou Oluc em 2020, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Os dados seriam animadores se a quantidade de óleo lubrificante descartada indevidamente no Ceará não fosse estimada em cerca de 10 milhões de m³. Então, o Ceará coleta aproximadamente 40% do volume total, o resto é descartado incorretamente.

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Oluc nada mais é do que óleo usado ou óleo queimado. E trata-se de um resíduo altamente perigoso à saúde e ao meio ambiente caso seja descartado de forma irregular. Apenas um litro de óleo é capaz de contaminar um milhão de litros de água. Então, apenas o Oluc descartado incorretamente no Ceará tem potencial destrutivo (10.000.000.000 m³) capaz de poluir 1/3 do volume de água no nível máximo normal de Itaipú Binacional (29.000.000.000 m³), que é a segunda maior hidrelétrica do mundo.

Pela Política Nacional de Resíduos Sólidos e resoluções da ANP, todo Oluc deve ser coletado e destinado para reciclagem e nunca para uso como combustível ou queima. Mas, no entendimento da doutora em Direito Constitucional e procuradora do Município de Fortaleza nas áreas de urbanismo e meio ambiente, além de membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental (APRODAB), Lucíola Cabral, há uma séria preocupação em torno da coleta de óleo usado. Segundo a ANP, apenas duas empresas são qualificadas para fazer esse recolhimento.

"Por isso a razão da preocupação, de qual tem sido a destinação, de como está sendo descartado. O ideal é que houvesse uma regulamentação específica do Estado, para termos maior eficiência. Temos várias empresas atuando nesse segmento, mas apenas duas empresas estão com autorização da ANP."

Lucíola ainda destaca que o próprio painel de dados da ANP não sabe a quantidade exata de Oluc efetivamente descartados no ambiente. "A preocupação é em saber quem está realizando essa coleta, por se tratar de resíduos perigosos, como está sendo realizado o transporte, para onde estão sendo levados os resíduos, para conter os riscos de contaminação em caso de acidentes", acrescenta.

Destinação correta

De acordo com a ANP, apenas duas empresas no Nordeste (isso mesmo!) possuem a certificação para serem bases de coleta de Oluc. A Ecoluc Lubrificantes, localizada em Glória do Goitá–PE, além da Lwart Soluções Ambientais, que fica no Eusébio (Região Metropolitana de Fortaleza).

Ao O POVO, a empresa diz que, a partir da instalação da base na Grande Fortaleza, estima-se que novos empregos sejam gerados à medida que se amplia o volume de coleta de OLUC no estado. Mais do que isso, contribui para movimentar a economia e os negócios voltados para sustentabilidade na Região.

No Brasil, em 2020, foram coletados mais de 450 milhões de litros de óleo lubrificante usado em diferentes fontes geradoras, como postos de gasolina, oficinas, concessionárias, e gerados em máquinas industriais nos mais variados setores, do agronegócio à mineração.

E, de acordo com a gerente de Relações Institucionais da Lwart, Aylla Kipper, esse mercado está em evolução. Destaca que a empresa possui plantas das mais modernas do mundo para produção de óleo básico de alta performance a partir do óleo lubrificante usado. Com sede em Lençóis Paulista-SP e conta com 17 centros de coletas espalhados pelo Brasil, atendendo cerca de 45 mil clientes todos os anos. O processo é rastreável e sua atuação segue as mais estritas normas de compliance.

Depois de apresentar esse trabalho, destaca que o principal desafio no setor é enfatizar a importância da logística reversa. "Existem normas para o gerenciamento desses resíduos perigosos, mas existem pessoas não autorizadas que encaminham esse resíduo para combustão. O desafio é mobilizar as instituições ambientais dos estados e municípios, trabalhando na fiscalização e educação sobre a destinação correta".

Ainda segundo Aylla, daquilo que foi utilizado, 73% pode ser recuperado como óleo básico novamente, o resto vai para empresas de impermeabilização asfáltica. "Não se perde nada, é uma economia circular perfeita".

Fiscalização

Além das regras nacionais que regem o setor, que são por base da ANP, a fiscalização também fica a cargo dos estados e municípios. No Ceará, a Superintendência Estadual de Meio Ambiente do Ceará (Semace) esclarece que a Resolução Nº 02 Coema/2019 regulamenta o licenciamento ambiental desse tipo de atividade, estabelecendo que "a atividades de oficinas com troca de óleo ou postos de combustíveis devem possuir licenciamento ambiental da Superintendência."

De acordo com a Resolução 57/2014 da ANP, caso o revendedor não disponha da Licença de Operação ou documento equivalente expedido pelo órgão ambiental competente e/ou do Certificado de Vistoria ou documento equivalente expedido pelo Corpo de Bombeiros competente, será notificado para, no prazo de até 30 (trinta) dias, protocolizar os documentos pendentes na ANP.

Outro ponto, que trata sobre postos de combustíveis, afirma que a apresentação, por parte do posto, da "Licença de Operação ou documento equivalente expedido pelo órgão ambiental competente", é exigência da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para autorizar o posto de combustível a renovar o estoque.

"A Semace destaca ainda que todos os postos devidamente licenciados devem atender requisito do licenciamento contendo sistema de drenagem oleosa, que evita o descarte irregular do produto", afirmou a superintendência em nota.

Sobre fiscalização, a Semace destaca que os fiscais ambientais da autarquia atuam em todo o Estado e averiguam se o estabelecimento possui a licença ambiental (e sua vigência). "Comprovantes que apontam a periodicidade de envio de óleo para empresas que recolhem e dão destinação adequada ao produto. Além disso, os agentes ambientais também averiguam a adequação do sistema de drenagem oleosa".

O destino correto do óleo usado é o rerrefino, pois há condições de obter novas possibilidades de uso a partir do material. O óleo lubrificante é composto por uma grande parcela de óleo mineral, que recebe aditivos para melhoria do seu desempenho. Este óleo mineral presente na sua composição não se degrada durante o uso nas máquinas e motores. E por isso é possível, por meio do processo de rerrefino, separar o óleo mineral contido no óleo lubrificante usado dos demais componentes, como água, aditivos degradados e outros tipos de óleo e combustíveis, recuperando-o incontáveis vezes.

"A correta destinação do óleo usado é o processo de rerrefino que remove os produtos de oxidação, aditivos e contaminantes, retornando-o à condição de óleo básico. Este óleo básico é reutilizado na formulação e produção dos óleos lubrificantes. Assim, a Portaria Interministerial nº 464 de 29/8/2007 estabelece o percentual regional e nacional mínimo de coleta do óleo lubrificante usado ou contaminado, de acordo com a participação de produtores e importadores no mercado de óleo lubrificante acabado", destaca a ANP em nota enviada ao O POVO.

Problema ambiental

Para dar a noção de como o problema é real e do quanto os impactos são próximos, em fevereiro passado, uma empresa clandestina de coleta e armazenagem de óleo vegetal que fazia venda para fábricas de sabão foi fechada após uma investigação da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) da Polícia Civil. O caso foi registrado no bairro Vila União, em Fortaleza. O dono do estabelecimento foi preso em flagrante por crime ambiental.

Conforme os levantamentos da Polícia Civil, a empresa que se chamava Projeto Ama Reciclar não possuía Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), alvará de funcionamento ou licença ambiental. A empresa clandestina funcionava às margens de um córrego da Lagoa do Opaia, que é Área de Preservação Permanente do Parque Urbano da Lagoa do Opaia.