Empresas questionam licitação de usina de dessalinização; consórcio vencedor alerta para atraso em obras

Águas de Fortaleza rebate questões e diz estar confiante da confirmação pelo Estado para realizar as obras

15:29 | Mar. 19, 2021

Por: Armando de Oliveira Lima
Usina de dessalinização deverá ser construída na Praia do Futuro, em Fortaleza (foto: Aurélio Alves)

Com vencedor escolhido desde fevereiro, a Parceria Público Privada para a construção da usina de dessalinização na Praia do Futuro foi questionada pelos segundo e terceiro lugares da disputa, a Cobra Brasil e o consórcio GS Inima. Ambos apontam falhas na qualificação técnica e riscos financeiros para conclusão da obra. Para a Águas de Fortaleza, consórcio escolhido pela comissão de licitação, os pontos trazidos pelas concorrentes não são irrelevantes e deve atrasar ainda mais o início do projeto.

"A comissão já tinha dado a nossa proposta como habilitada há um mês, ou seja, já era pra gente estar assinando o contrato. Esse questionamento vai atrasar o processo e uma cidade como a nossa, que precisa dessa água o quanto antes, fica perdendo esse tempo, que pode chegar a um ou dois meses. Uma demora por conta de assuntos básicos que já foram analisados pela comissão", critica Renan Carvalho, diretor da Marquise Infraestrutura.

A Marquise é a principal empresa do consórcio vencedor. Detém 60% de participação do negócio, que é dividido com a PB Construção (30%) e a Abengoa (10%). A última empresa é alvo de um dos questionamentos das concorrentes, os quais alegam que "não apresentou documentos válidos de habilitação que atestem a capacidade técnico-operacional da empresa para implantar e operar a Estação de Dessalinização de Fortaleza".

Outro "fato preocupante", segundo nota da GS Inima diz respeito à recuperação judicial da espanhola Abengoa S/A, controladora da Abengoa Água, o que "pode gerar incerteza na tomada de recursos futuros e na constituição de garantias".

Renan Carvalho rebate os argumentos, afirmando que "tem um atestado de empresa espanhola que é diferente das empresas daqui (sobre a qualificação técnica), mas o Estado é acostumado a lidar com este tipo de licitação na qual essas empresas de fora tem o atestado da obra, o currículo do profissional e o vínculo com a empresa". Ele cita ainda obras como o metrô de Fortaleza como exemplo de demonstrações semelhantes com as quais o governo cearense lidou sem percalço.

"E a recuperação judicial anunciada é da Bengoa matriz. Quem está participando dessa licitação é a Bengoa Água, um braço dela. Mesmo que estivesse na mesma situação, a empresa não é impedida de participar da licitação. E ela tem apenas 10% do negócio que tem a Marquise pilotando com 60%", afirma Carvalho.

Questões econômico-financeiras

 

O GS Inima ainda cobra a desclassificação do Águas de Fortaleza por "irregularidades na qualificação econômico-financeira", pois afirma que o consórcio vencedor apresentou um valor abaixo do exigido pela concorrência pública comandada pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Enquanto o patrimônio líquido mínimo exigido era de R$ 418.715.497,20, foi apresentado um de R$ 321.867512,48.

"Isso porque as empresas integrantes do consórcio poderiam participar com o seu patrimônio líquido total com as respectivas cotas: Marquise com 60%, Abengoa 10% e PB com 30%, cuja soma dos valores proporcionais deveria atingir o patrimônio líquido mínimo", diz a nota.

Já o diretor da Marquise afirma que o cálculo mencionado está errado. "O capital exigido para o consórcio demonstrar é de R$ 418 milhões. A Marquise sozinha tem R$ 350 milhões. A Abengoa tem R$ 750 milhões, a BP mais R$ 130 milhões". "A conta é a seguinte: a Marquise tem 60% do negócio, então, tem que demonstrar um capital de R$ 251 mi. Ela tem R$ 350 milhões, é ok. A Abengoa tem 10%. Precisa demonstrar R$ 41 milhões, e tem R$ 750 milhões. A BP precisa demonstrar R$ 125 milhões e tem R$ 130 milhões. Ou seja, esse tipo de cálculo está muito claro no edital e é uma coisa básica para a comissão", diz.

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Diferença na proposta

 

Por fim, a GS Inima destaca que "a diferença no valor final das propostas entre o vencedor e o terceiro lugar foi de apenas 1,8%, não havendo ganhos financeiros vultuosos para administração pública ao optar por qualquer dos três concorrentes".

"Ou seja, o governo do Ceará deveria buscar a proposta que melhor atenda as exigências estabelecidas pelo edital. Por outro lado, a Cagece poderá escolher a proposta que trará segurança de que o produto do edital, a Estação Dessalinizadora, será construída no prazo previsto e operada de forma qualificada", insinua.

As palavras não ficaram sem resposta do diretor da Marquise, o qual garante que a diferença na proposta é "aparentemente pequena". Ele diz que, "entre a Marquise e a segunda proposta, são R$ 2,2 milhões por ano. Ao longo de 30 anos dá R$ 66 milhões. Daria para comprar 660 mil vacinas, ou seja, dá pra vacinar o Cariri todo", provoca.

"É sempre assim. A empresa podia ter gasto energia para fazer um estudo melhor e ter feito uma proposta melhor para o Estado. Mas não. Apresenta a proposta mais cara e depois fica querendo virar o tabuleiro. Se essa energia fosse gasta num bom estudo, num bom projeto, a gente não estava conversando aqui. E a Marquise não tem histórico de deixar nada pelo meio aqui no Ceará. Qual foi o empreendimento que deixou pelo meio? A Marquise é de pegar e entregar. Vide o Porto do Pecém, que foi quase o dobro dessa usina e entregamos no ano passado, a Transnordestina, uma obra grande que estamos tocando... Quer dizer, o histórico da Marquise é de entregar obra e não de deixar pelo meio, como está sendo alegado. Não há risco de absolutamente nada", rebate.


O caso segue aguardando resolução pela comissão de licitação.

O projeto

 

Há anos alvo de interesse pelo governo cearense como forma de atenuar os efeitos das secas no Estado, a Parceria Público Privada para a construção de uma usina de dessalinização teve a proposta vencedora escolhida em fevereiro deste ano. Além do consórcio liderado pela Marquise, disputaram o empreendimento a Cobra Brasil Serviços, Comunicação e Energia S/A, o consórcio GS Inima Brasil e o consórcio liderado pela Sacyr Concessões e Participações do Brasil LTDA.

O projeto prevê que a usina será construída no bairro Praia do Futuro, em Fortaleza, e terá capacidade de produção de 1 m³/s. E faz parte da estratégia para elevar em 12% a oferta de água e beneficiar cerca de 720 mil pessoas.

O equipamento atenderá dois reservatórios da Cagece contemplando os seguintes bairros: Praia do Futuro, Caça e Pesca, Serviluz, Vicente Pinzon, Dunas, Aldeota, Varjota, Papicu e Cidade 2000.