'Juro a 2% é insustentável, mas não se sabe como o BC sai da arapuca'

07:33 | Out. 29, 2020

Por: Agência Estado

A manutenção dos juros básicos no patamar historicamente baixo de 2% ao ano, pelo Comitê de Política Monetária (Copom), demonstra que o Banco Central caiu em uma armadilha: o mercado apostou em uma recuperação mais lenta da economia após o pior da pandemia da covid-19 e em uma inflação mais baixa. Essa é a avaliação de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ministro das Comunicações. "O BC ficou com uma batata quente nas mãos, com inflação prevista para mais de 3% no ano que vem. BC e mercado erraram, mas não esperem um pedido de desculpas." Para o economista, a taxa Selic é insustentável no patamar atual e deve voltar a subir, para um nível próximo a 3,5% ao ano, seguindo as previsões de inflação para o ano que vem. A seguir, trechos da entrevista.

Como avaliar a manutenção dos juros em 2%?

Há uma armadilha muito grave para o Copom. O Banco Central acreditou nas previsões que o mercado fez, há quatro ou cinco meses, para a inflação deste ano e do ano que vem. O mercado errou, a expectativa era de 2% para este ano e, mesmo para o ano que vem, era baixa, entre 2% e 2,5%. O BC levou isso a ferro e fogo, sem criticar. E agora o mercado mudou a expectativa de inflação, para mais de 3% em 2021, sem pedir desculpas ao BC. Agora, eles estão com uma batata quente nas mãos. Isso é um problema: o protocolo do sistema de metas de inflação usa a inflação do mercado.

Foi um erro de previsão?

O sistema de metas manda usar as estimativas de mercado para olhar para frente. E as expectativas eram essas no Relatório Focus. Em março e abril, as previsões de inflação eram baixas. Teve até quem propusesse colocar os juros em 1,5% ao ano. Mas, implicitamente, se dizia que a recuperação da economia seria mais lenta do que está sendo. Esse foi o erro. A recuperação foi mais forte, o câmbio jogou mais lenha na fogueira e o BC ficou atrasado. A Selic é menor do que a expectativa de inflação.

A Selic deveria ser maior?

Estamos com 2% ao ano de Selic, com perspectiva de manter isso para o ano que vem, enquanto a perspectiva de inflação para 2021 agora é bem mais alta. O Banco Central deveria reconhecer que errou e que o mercado errou também.

O mercado e o BC não conseguiram avaliar a velocidade de recuperação após o pior da pandemia, em abril?

Tenho muito receio desses protocolos rígidos. Em momentos de crise, você acaba apostando em um cenário futuro que não é verdadeiro. Eles apostaram que a retomada seria muito lenta, mas há segmentos da indústria que hoje estão a plena carga, com inflação de demanda e de falta de produtos. O que fazer agora? Quando eu era diretor do BC, nos anos 80, vi um exemplo claro disso: foi publicada uma circular e alguns dias depois se percebeu que estava errada. Ficou a discussão, se mudava ou não. Alguns técnicos disseram que, se o BC reconhecesse o erro, perderia a credibilidade. O então presidente do banco, Fernão Bracher, arbitrou da seguinte forma: é preferível passar vergonha hoje do que conviver com o erro por muito tempo. É a situação de agora.

Quais são as outras opções?

Se a expectativa de inflação para 2021 ficar em 3,5%, ele precisará elevar os juros para perto de 3,5% e o mercado já está prevendo esse movimento de alta. Tem uma recuperação mais forte, uma pressão do câmbio e uma escassez de oferta. É preciso subir juros.

Os juros básicos no patamar atual são insustentáveis?

É insustentável ter os juros a 2%, mas não se sabe como o BC vai sair dessa arapuca. Não adianta aumentar 0,15 ponto porcentual, ele vai ter de dizer no "forward guidance" (prescrição futura) que errou tanto a intensidade da recuperação quanto a inflação futura. A lição é que todo protocolo para ação macroeconômica do governo precisa ter uma base analítica correta. Mais do que isso, se errou, corrige. Já deveria ter corrigido. Vão jogar a culpa na questão do déficit público, mas isso não tem nada a ver.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.