Fragmento com histórias do Rei Arthur é achado em encadernação antiga
Manuscrito do século XIII com trechos da lenda do Rei Arthur foi achado em Cambridge, escondido como encadernação de um registro de 1500
10:00 | Abr. 27, 2025

Um fragmento de manuscrito do século XIII, com trechos raros das lendas do Rei Arthur e de Merlin, foi redescoberto na Biblioteca da Universidade de Cambridge após séculos escondido à vista de todos.
O pedaço de pergaminho estava camuflado como capa de um livro de registros de propriedade do século XVI, pertencente ao antigo Huntingfield Manor, em Suffolk, na Inglaterra.
O achado revelou um conteúdo valioso: parte da Suite Vulgate du Merlin, uma continuação francesa das histórias arturianas que integrava o popular ciclo Lancelot-Graal.
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Manuscrito raro do Rei Arthur sobreviveu como material de encadernação; veja vídeo
Assista ao vídeo do manuscrito aqui.
A reutilização de materiais medievais como elementos de encadernação era uma prática comum na Europa durante os séculos XV e XVI. Nesse caso, o manuscrito foi dobrado, costurado e colado à capa do livro, o que dificultava sua leitura e identificação.
Segundo o artigo publicado no site da Universidade de Cambridge, foi apenas em 2019 que curadores da biblioteca perceberam que a encadernação escondia um fragmento antigo e potencialmente valioso.
A identificação definitiva veio após anos de análise. Irène Fabry-Tehranchi, especialista em coleções francesas da biblioteca, foi uma das primeiras a reconhecer a importância do conteúdo.
“Inicialmente, pensou-se que fosse uma história do século XIV sobre Sir Gawain, mas uma análise mais aprofundada revelou que era parte da continuação da Vulgata Francesa Antiga Merlin, um texto arturiano diferente e extremamente significativo”, explicou.
O fragmento, escrito entre 1275 e 1315, é um dos menos de 40 exemplares conhecidos da Suite Vulgate du Merlin. Como todos foram copiados manualmente por escribas medievais, cada versão possui variações próprias, o que torna cada fragmento uma peça única da tradição literária arturiana.
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Manuscrito do Rei Arthur: episódios de guerra e magia compõem o conteúdo preservado
O trecho descoberto em Cambridge contém dois episódios significativos do final da Vulgata Merlin. O primeiro relata a vitória de Gauvain, filho do Rei Loth, e seus irmãos na Batalha de Cambénic contra os reis saxões Dodalis, Moydas, Oriancés e Brandalus.
A cena descreve Gauvain com sua espada Excalibur e seu cavalo Gringalet, símbolos de sua força sobrenatural.
O segundo trecho retrata um momento de corte, durante a celebração da Festa da Assunção da Virgem Maria, com a aparição de Merlin na corte do Rei Arthur disfarçado de harpista.
Nesse episódio, Kay, o senescal, serve o primeiro prato ao rei e à Rainha Guinevere, quando surge um homem vestido com uma túnica de seda bordada com ouro e pedras preciosas. O brilho da vestimenta iluminava o salão, marcando a presença mágica de Merlin como conselheiro do rei.
Além de seu conteúdo literário, o manuscrito oferece pistas visuais importantes. As iniciais decoradas em vermelho e azul ajudaram os pesquisadores a datar a produção do fragmento, associando-o ao fim do século XIII.
O texto está em francês antigo, língua utilizada pela aristocracia inglesa após a Conquista Normanda e comum em romances arturianos destinados à elite, incluindo mulheres.
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Manuscrito do Rei Arthur: confira projeto de digitalização que conserva o fragmento histórico
Diante da fragilidade do material, os especialistas decidiram manter o fragmento “in situ”, ou seja, preservá-lo dentro da própria encadernação original. Retirá-lo poderia comprometer de forma irreversível sua integridade física.
Para viabilizar a leitura do texto, o Laboratório de Imagens do Patrimônio Cultural (CHIL) liderou um projeto inovador de digitalização e desdobramento virtual.
O processo incluiu diferentes técnicas:
Imagem Multiespectral (MSI)
Capturou o fragmento em diferentes comprimentos de onda de luz, do ultravioleta ao infravermelho. Com isso, foi possível destacar detalhes invisíveis ao olho humano e melhorar significativamente a legibilidade do texto.
Tomografia Computadorizada (TC)
Usando um scanner de raios X, normalmente aplicado ao estudo de fósseis, a equipe criou um modelo 3D da estrutura da encadernação. A análise revelou como o pergaminho havia sido costurado, fornecendo informações sobre as práticas de encadernação do século XVI.
Modelagem 3D
Técnicas industriais de digitalização criaram um modelo virtual altamente detalhado do fragmento, incluindo dobras, costuras e rasgos. Isso permitiu simular, digitalmente, como o documento pareceria se fosse fisicamente aberto.
Desdobramento virtual
Com o uso de espelhos, prismas e ímãs, cada pedaço do manuscrito foi fotografado minuciosamente. As imagens foram montadas digitalmente como um quebra-cabeça, revelando trechos escondidos sob as dobras e costuras.
“Este projeto foi uma oportunidade fabulosa para empregar todas as técnicas avançadas de imagem possíveis do nosso arsenal fotográfico”, disse Maciej M. Pawlikowski, chefe do CHIL. “E cada uma delas trouxe à tona algo muito importante.”
Manuscrito do Rei Arthur é encontrado: importância histórica e científica
Fabry-Tehranchi destacou que preservar o fragmento no seu estado atual foi essencial não apenas para evitar danos, mas também para compreender como esses manuscritos eram reutilizados em contextos administrativos séculos depois de sua criação.
“Preservá-lo in situ nos dá uma visão crucial das práticas arquivísticas do século XVI, bem como acesso à própria história medieval.”
Além do valor literário, o projeto estabeleceu um novo padrão para o estudo e a preservação de fragmentos medievais em bibliotecas e arquivos ao redor do mundo.
“Não se tratava apenas de desvendar um texto, tratava-se de desenvolver uma metodologia que pudesse ser usada para outros manuscritos”, explicou a equipe.
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Manuscrito do Rei Arthur: como o público tem acesso ao fragmento?
Os resultados do projeto estão agora disponíveis online na Biblioteca Digital de Cambridge. Acadêmicos e o público em geral podem explorar o fragmento em detalhes inéditos, por meio de imagens em alta resolução, modelos 3D e escaneamentos multiespectrais.
A descoberta já atraiu a atenção de conservadores de instituições como o Arquivo Nacional do Reino Unido, interessados em aplicar as mesmas técnicas em suas coleções.
A equipe espera que o projeto incentive a busca por outros manuscritos esquecidos ou escondidos em encadernações e arquivos antigos.
Manuscrito do Rei Arthur é encontrado: fragmento será tema de evento aberto ao público
A equipe responsável pela descoberta e digitalização vai apresentar os bastidores do projeto no Festival de Cambridge, no dia 26 de março. Irene Fabry-Tehranchi, Amélie Deblauwe e Baej Mikua vão demonstrar como as técnicas avançadas permitiram o desdobramento virtual do fragmento pela primeira vez.
A história do Rei Arthur e de Merlin já atravessou séculos em diversas versões. Agora, com a ajuda da tecnologia, um novo capítulo perdido foi recuperado, mostrando que a lenda ainda guarda surpresas escondidas em capas de livros antigos.
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