Como cães perdidos voltam para casa: a ciência por trás do instinto
Sentidos aguçados? Sensibilidade ao campo magnético? Entenda como os cães fazem para reencontrar seus donos após saírem de suas casasO retorno dos cães perdidos para casa é um fenômeno que desperta o interesse de vários especialistas pelo mundo, sendo frequentemente associado à capacidade de orientação desses animais.
Alguns estudos sugerem que os cães utilizam uma combinação de sentidos, como o olfato e a memória visual para localizar seu caminho de volta, mesmo em ambientes urbanos complexos.
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Entretanto, com a crescente urbanização e a intensificação das construções, como rodovias e túneis, muitos cães têm encontrado dificuldades para retornar aos seus lares, já que o excesso de estímulos e cheiros pode confundir sua orientação.
Esse fenômeno de “perda e retorno” está se tornando cada vez mais raro, um reflexo das mudanças no ambiente urbano e nos comportamentos humanos, como o abandono, é um dos fatores que agrava esse cenário.
Histórias curiosas de cães que retornam às suas casas
Cães perdidos que encontram o caminho de volta para casa são protagonistas de histórias que parecem tiradas de filmes.
Segundo uma pesquisa publicada no site do National Geographic, em 2015, Georgia May, uma cachorrinha resgatada percorreu 35 milhas para retornar a San Diego, na Califórnia, após se perder durante uma caminhada.
Já Laser, um Beagle, conseguiu voltar para Winnipeg, no Canadá, seis semanas após fugir durante uma exibição de fogos de artifício a 50 milhas de distância.
Um dos casos mais famosos ocorreu em 1924, quando Bobbie, um Collie, se perdeu durante uma viagem e retornou à sua casa em Silverton, Oregon, após percorrer impressionantes 2.800 milhas em seis meses, atravessando cadeias de montanhas pelo caminho.
Breno Pinheiro, professor de medicina veterinária da Universidade Estadual do Ceará (Uece), compartilhou um caso pessoal sobre episódios como esses. Segundo ele, o episódio aconteceu durante uma viagem de carnaval.
“Eu estava viajando e deixei uma das cadelas que tinha em casa. Infelizmente, ela fugiu logo no início do feriado e passou o Carnaval desaparecida”, relatou.
Segundo Breno, ele interrompeu a viagem e retornou à procura do animal. “A gente rodou o bairro, rodou o município, mas não a encontrou”, disse. No entanto, na Quarta-Feira de Cinzas, a cadela voltou para casa sozinha.
“Foi só pular Carnaval”, acrescentou. Para o veterinário, o episódio reforça a capacidade dos cães de utilizar noções espaciais para retornar aos seus lares.
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Entenda como funciona mapa mental dos cães
A habilidade de se localizar está profundamente ligada à herança dos lobos cinzentos, ancestrais dos cães. De acordo com Zazie Todd, autora de "Bark! The Science of Helping Your Anxious, Fearful, or Reactive Dog", cães criam mapas mentais que, ao contrário dos humanos, são dominados por cheiros.
Com um olfato de 10.000 a 100.000 vezes mais potente que o humano, os cães são capazes de seguir rastros de cheiro por longas distâncias.
Além disso, eles reconhecem pontos de referência familiares por meio da visão, do som e do próprio olfato, o que os ajuda a navegar até seus lares, explicou Bridget Schoville, da ASPCA, ao National Geographic.
Esses pontos de referência permitem que eles percorram rotas mais diretas, otimizando o trajeto. Sobre isso, Breno Pinheiro explicou que o olfato é o principal guia desses animais desde o nascimento.
“Se você reparar, um filhote de cachorro nasce cego, porque os olhos estão fechados, e parcialmente surdo, porque o canal do ouvido também está fechado. Então ele vai se guiar principalmente pelo olfato, e isso se mantém até a maturidade”, afirmou.
Breno destacou também que o mapa mental dos cães se baseia principalmente no olfato, mas que eles também possuem memória visual. Além disso, o veterinário mencionou estudos que levantam a possibilidade de os cães utilizarem uma espécie de referenciamento pelo campo magnético para se orientar.
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Os cães possuem navegação pelo campo magnético?
Além do olfato apurado, cães podem possuir uma outra habilidade: a magnetorecepção, que lhes permite rastrear o campo magnético da Terra. Estudos publicados em 2020 pela Universidade de Duisberg-Essen, na Alemanha, indicaram que cães utilizam essa habilidade para se orientar em áreas desconhecidas.
Conforme o artigo publicado pelo National Geographic, um grupo de pesquisadores acompanhou 27 cães de caça equipados com rastreadores GPS em uma área florestal. Cerca de 30% deles seguiram uma estratégia de “corrida da bússola”, correndo primeiro na direção norte-sul antes de encontrar o caminho de volta.
Essa abordagem parece combinar mapas mentais com pistas magnéticas, permitindo retornos mais rápidos, segundo o professor Hynek Burda, coautor do estudo.
Ainda assim, as evidências sobre o uso do campo magnético pelos cães não são conclusivas, mas representam uma hipótese promissora.
Questionado sobre estudos no Brasil ou no Ceará que comprovem a orientação de cães pelo campo magnético da Terra, Breno afirmou desconhecer pesquisas locais sobre o tema. Ele explicou que esse fenômeno está mais bem documentado em aves.
“As aves têm uma região no cérebro, o sistema nervoso central como um todo, que é influenciada pelos campos magnéticos da Terra. É uma espécie de bússola interna que justifica as rotas migratórias, como quando elas deixam um hemisfério mais frio no inverno em busca de regiões mais quentes”, detalhou.
Breno acrescentou que, em relação aos cães, existem estudos iniciais que sugerem a possibilidade de um mecanismo semelhante de orientação, embora os trabalhos na área ainda sejam considerados incipientes.
Casos de retorno dos cães estão se tornando cada vez mais raros
Embora esses casos de retornos longos sejam fascinantes, eles estão se tornando raros. Segundo Burda, muitos cães modernos são criados para viver próximos aos donos, com menos oportunidade de desenvolver tais habilidades.
Monique Udell, da Universidade Estadual do Oregon, destacou que os laços entre cães e humanos são semelhantes aos vínculos parentais, o que leva os animais a buscarem incansavelmente a reunião com seus tutores.
Por isso, prevenir fugas é essencial. Garantir que o animal use identificação, como coleiras com contato telefônico ou microchips, é a maneira mais eficaz de evitar jornadas angustiantes tanto para os cães quanto para seus donos.
Além disso, Breno apontou a intensificação da urbanização como o principal fator dessa perda de capacidade de criação de mapas mentais.
“Cada vez mais temos rodovias, viadutos, túneis e grades, o que já dificulta o retorno. Além disso, com a urbanização, vêm muitos cheiros, e isso acaba confundindo o animal, tornando mais difícil que ele encontre o caminho de volta”, explicou.
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