Papai Noel: bom velhinho já foi considerado herege e até usurpador; entenda
Na década de 1950, na França, o bom velhinho foi acusado de ser "usurpador" e "herege"; saiba mais sobre a sentença do boneco de Papai Noel
18:46 | Nov. 21, 2023
Em 24 de dezembro de 1951, nos degraus da catedral de Saint Bénigne, na cidade de Dijon, na França, o jovem vigário Jacques Nourissat estava indignado com a enorme popularidade de Papai Noel entre as famílias e os comerciantes.
Após seis anos da Segunda Guerra Mundial, enquanto a França tentava se recuperar economicamente, a atenção dada a um figura não cristã no período natalino incomodou trâmites católicos das celebrações tradicionais.
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Em “O Suplício do Papai Noel”, o etnólogo Claude Levi-Strauss observou os aspectos culturais e sociais do caso, onde um Papai Noel simbólico foi enforcado e depois queimado, na véspera do Natal e na presença de grupos atônitos de crianças.
Abaixo, entenda mais sobre o evento e o contexto histórico no qual está inserido.
A sentença do Papai Noel: o que aconteceu?
Naquela mesma tarde de 24 de novembro de 1951, uma notícia publicada no jornal France-Soir alertava que o boneco simbólico do bom velhinho foi queimado com o aval do clero. A Igreja considerava Noel “usurpador” e “herege”, acusado de “paganizar” a festa de Natal e de ser “intruso”, pois entrou nas escolas junto com o presépio cristão.
Jacques Nourissat, o jovem vigário indignado, não agia sozinho. Junto a seus ataques, autoridades católicas denunciavam uma preocupante “paganização” da festa do Natal há alguns meses, com a justificativa que a atenção pública estava se desviando dos valores cristões.
Papai Noel, diziam, era um intruso e usurpador que se roubava a festa do verdadeiro homenageado, o menino Jesus. Tais acusações, por sua vez, dividiram a opinião pública francesa.
Cartas de leitores e artigos de jornais expunham opiniões favoráveis e contrárias à posição eclesiástica. A Igreja Protestante, com maior discrição, mas igual firmeza, apoiou a Igreja Católica.
O ponto culminante foi exatamente naquela véspera de Natal, durante a manifestação no átrio da Catedral Dijon. Um boneco simbólico do Papai Noel, com três metros de altura, foi acusado e sentenciado por ser considerado herege.
Ele foi censurado, sobretudo, por ter introduzido-se em todas as escolas públicas ocupando o lugar do presépio (que havia sido banido) e, por conseguinte, tomado o lugar do menino Jesus.
Condenado ao suplício, Papai Noel foi enforcado nas grades da catedral e queimado publicamente em seu átrio. O fogo consumiu suas barbas e ele desapareceu na fumaça. A execução espetacular foi assistida por 250 crianças, internas de orfanatos.
Ao final da execução, distribuiu-se um comunicado cujos principais termos eram:
“Não se tratou de um espetáculo, e sim de um gesto simbólico. Papai Noel foi sacrificado em holocausto. A mentira não pode despertar sentimentos religiosos em crianças e não é, de maneira nenhuma, um método educativo. (…) Para nós, cristãos, a festa de Natal deve continuar sendo a festa de aniversário do nascimento do Salvador.”
A sentença do Papai Noel: o contexto histórico do caso
A sentença do bom velhinho é melhor compreendida com o dado contexto histórico da época. Em 1951, já haviam passados seis anos após a Segunda Guerra Mundial, momento em que, assim como outros países europeus, contou com apoio material e financeiro dos Estados Unidos, através do Plano Marshall. A partir de 1948, o país dava sinais de recuperação econômica.
Junto com os milhões de dólares para superar a instabilidade econômica, a França foi inundada de produtos norte-americanos: roupas, música, aparelhos elétrico-eletrônicos e os ícones da cultura norte-americana.
Dentre os símbolos do capitalismo mais consumidos naquele momento, Coca-Cola e McDonald’s, além de filmes produzidos em Hollywood entre 1939 e 1944, eram altamente comercializados na Europa. O baixíssimo preço a pagar pelos produtos também trazia consigo novas maneiras de viver, outros valores e costumes.
Segundo o livro Imagens do Moderno o Olhar de Jacques Tati, de Meize Regina de Lucena, os acordos Blum-Byrnes, firmados em 1946, abriram o mercado francês aos produtos norte-americanos, inclusive filmes. Enquanto 38 filmes foram exibidos durante o primeiro semestre de 1946, no ano seguinte, só no primeiro semestre, o número de filmes subiu para 338.
Diante de tais acontecimentos econômicos, nas semanas que antecediam o Natal, o comércio francês oferecia aos compradores as novidades importadas da América.
Tornaram-se comuns os papéis de presente coloridos, cartões e enfeites de Natal, brinquedos produzidos em série, enquanto personagens vestidos de Papai Noel recebiam os pedidos das crianças nas lojas de departamento.
Nessa atmosfera, Papai Noel – figura transformada em garoto-propaganda da Coca-Cola, tornou-se o grande catalizador da raiva e humilhação acumuladas desde a guerra. Unidos a tais sentimentos complexos, estavam as críticas do conservadorismo católico francês e o movimento anticapitalista dos sindicatos operários, sempre dispostos a desacreditar tudo que tivesse a marca by United States.
O Suplício do Papai Noel: o que aconteceu depois?
O suplício público de Papai-Noel teria sido, então, o resultado da convergência de todas essas forças em um cenário histórico de pós-guerra. O antropólogo Levi-Strauss acompanhou quando o fato noticiado na manchete: “Papai Noel é queimado no átrio da Catedral de Dijon diante de crianças de orfanatos”.
Depois do episódio tortuoso, a cidade continuou dividida entre os contrários e os favoráveis a Papai Noel. O jornal France Soir, junto à notícia da incineração de Papai Noel anunciava: “a ofensiva clerical não cancela a festa oficial promovida pela Câmara Municipal para as crianças e marcada para o dia 25 de dezembro, às 18 horas”.
No dia e hora marcada, centenas de crianças se aglomeraram na Praça da Libertação, em Dijon, para ver a “ressurreição” de Papai Noel, nos telhados da Prefeitura, sob holofotes e queima de fogos.
Interessante pensar que as crianças de hoje são, possivelmente, netos daquelas que um dia viram o bom velhinho ser acusado de herege e ser consumido pelo fogo. Para as crianças, o símbolo era (e continua sendo) mais forte do que o discurso religioso e político.
Por que Papai Noel desperta tanta emoção?
Para Strauss, é a divindade de uma categoria etária de nossa sociedade (categoria etária, aliás, suficientemente caracterizada pelo fato de acreditar em Papai Noel). A única diferença entre Papai Noel e uma verdadeira divindade é que os adultos não crêem nele, embora incentivem as crianças a acreditar e mantenham essa crença com inúmeras mistificações.
É, portanto, um culto dado a uma figura não mítica da nossa sociedade, mas cultural, pelo fato de seus atos serem passados e repassados no tempo, através dos valores sociais em que as sociedades estão inseridas.
Papai Noel veste-se de vermelho: é um rei. A barba branca, as peles, as botas e o trenó evocam o inverno. É chamado de “papai” e é idoso: ele encarna a forma benevolente da autoridade dos antigos.
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Na realização dos ritos, existem funções e expectativas pré-estabelecidas. Por intermédio de uma cerimônia, o grupo tem a capacidade de expressar simbolicamente suas crenças e sua cosmovisão, assim como transferir poder e transmitir valores para os novos membros e para os iniciantes.