Por que ficamos mais felizes no verão?

Corpo e mente são transformados pela estação mais quente do ano. Mudanças químicas explicam por que o calor mexe tanto com o nosso emocional e a nossa forma de encarar a vida

16:33 | Fev. 05, 2021

Por: Sâmya Mesquita
Uma das razões de nos tornarmos mais felizes nessa época do ano é que somos inundados por mensageiros químicos que trazem sensação de bem-estar (foto: Ethan Robertso/Unsplash)

"Aí, que delícia o verão", declara a música “Ombrim”, de Rosa Neon. É “tempo de ser feliz”, segundo Ivete Sangalo em “É Verão”. Até William Shakespeare, rendeu-se à estação, entrelaçando histórias de amor e magia no clássico “Sonhos de uma Noite de Verão”. Mas de onde vem a fascinação por este período que vai de 21 de dezembro a 21 de março no hemisfério sul? Uma combinação de fatores deixa o corpo e a mente mais saudáveis e equilibrados e fazem desta época a mais celebrada do ano.

Uma área específica, a Psicologia Ambiental, estuda o comportamento humano em relação ao meio ambiente. “O clima influencia, mas não determina”, avisa à Gama Revista o psicólogo Armando Ribeiro, especializado em Medicina Integrativa pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. É provável que isso e muito mais – como a maior interação entre pessoas nas ruas, parques e praias e a chegada das férias – estimule a extroversão, lançando no ar a vibe da alegria.

Origem remota

“Gostamos mais do verão porque grande parte da evolução do nosso cérebro ocorreu em locais quentes”, afirma a neurocientista, arquiteta e engenheira Claudia Feitosa-Santana à Gama Revista. A pós-doutora em Neurociência pela Universidade de Chicago, nos EUA, e professora convidada da Casa do Saber afirma que “verão é sinônimo de vida, com sol, água, verde, cores, pássaros, etc. Vivemos mais livremente, com menos roupa, e despreocupadamente, com comida à vontade, por exemplo.”

A pesquisadora diz que até a nossa preferência por cores é influenciada por esse padrão. “Universalmente, a cor favorita é o azul. Por quê? Em locais quentes onde evoluímos há muito céu azul.” Junta-se o simbolismo relacionado ao sol, que atravessa as gerações, destaca Armando Ribeiro. “Reverenciado em culturas antigas como Deus, o sol é associado à expansão, euforia, felicidade.”

Luz que ilumina

Uma das razões de nos tornarmos mais felizes nessa época do ano é que somos inundados por mensageiros químicos que trazem sensação de bem-estar. Sua produção é ativada pela luz solar. Caso da serotonina, o neurotransmissor do prazer, que também regula o humor, o sono, o apetite, a temperatura corporal. Alguns estudos sugerem que ela é sintetizada na pele sob efeito dos raios ultravioletas. Isso talvez explique o apelo popular do banho de sol, o desejo de ficar o dia todo na praia ou na piscina. E o bom humor que em geral se experimenta depois.

Os primeiros raios solares da manhã ativam a produção de cortisol, o hormônio que nos desperta e traz energia. “O sol nos faz mais felizes e então há mais serotonina na circulação, mas ela caminha junto com outros neurotransmissores e hormônios no nosso cérebro”, informa Claudia Feitosa-Santana. A luz também ajusta o nosso relógio interno, acertando os ritmos de sono e vigília. “Com o anoitecer, o cortisol cai e é liberada a melatonina, que vai criar as condições ideais para o sono. Esse equilíbrio afeta a produção de outros hormônios, favorece o combate aos radicais livres e a regeneração dos tecidos, impacta o humor e a saúde”, explica Armando Ribeiro. A falta de luz solar é o principal desencadeante da depressão sazonal, comum nos países muito frios, onde as noites são longas e os dias, curtos e cinzentos.

Poderosa aliada

Os raios de sol também são essenciais para a produção de vitamina D sob a pele. Inicialmente ela era conhecida apenas por melhorar a absorção de cálcio e ajudar a fortalecer o esqueleto. Mas seu campo de ação vai muito além. Cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, localizaram receptores para a vitamina D em 229 genes do nosso corpo, o que demonstra sua importância para a saúde. Quase 90 mil artigos científicos listados no site PubMed, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, relacionam a carência dessa vitamina ao aparecimento de obesidade, diabetes, esclerose múltipla, câncer, depressão e Alzheimer.

“A depressão está muito ligada a um estado inflamatório decorrente do estresse crônico”, revela o psiquiatra Kalil Duailibi, do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, à Gama Revista. “A vitamina D aumenta as citocinas anti-inflamatórias e melhora esse quadro.” Pelo sol que faz o ano todo nos trópicos era de se supor que estaríamos livres deste perigo. Mas diversos estudos encontraram níveis baixos no Brasil. Um dos mais surpreendentes foi feito pelo endocrinologista Francisco Bandeira, professor da Universidade de Pernambuco (UPE), que analisou pacientes do Recife com diagnóstico de infarto: 85% tinham carência de vitamina D.

Isolamento social sem luz

Imagine agora essa carência de vitamina D com as pessoas isoladas dentro de casa. Circulam pelas redes sociais vídeos incentivando a suplementação da vitamina para prevenir a Covid-19. “Ela melhora o sistema imunológico, mas é prematuro dizer que teria ação contra o SARS-COV-2”, diz o psiquiatra Kalil Duailibi. Ele aconselha dosar os níveis no sangue: se estiver abaixo de 30 nanogramas por mililitro (ng/ml), recomenda-se a reposição com orientação médica. “Doses excessivas podem prejudicar o metabolismo ósseo e a função renal”, alerta.

Também vale a pena tomar sol. Os raios mais eficientes para a produção da vitamina D são justamente os mais perigosos para câncer de pele, entre 11h e 15h. E o uso de protetor solar reduz a síntese. Para resolver o impasse, Kalil Duailibi orienta expor-se neste intervalo, com rosto protegido por filtro solar e pernas e braços sem proteção durante 20 minutos, depois deve-se passar o protetor nessas áreas ao abrigo de uma sombra.

O auxílio da natureza

No verão, o calor e os dias mais longos estimulam a visitar praias e parques, o que ajuda a aliviar o estresse. Está comprovado: faz bem para o corpo e para a alma. “A gente saiu da natureza, mas a natureza não saiu da gente”, diz Armando Ribeiro. Várias pesquisas têm avaliado e mensurado os efeitos físicos e emocionais de caminhar no bosque, o que os japoneses chamam de “banho de floresta”. Após entrevistarem 1.538 moradores da cidade australiana de Brisbane entre 18 e 70 anos de idade, cientistas concluíram que aqueles que passavam mais tempo em parques (pelo menos 30 minutos por semana) tinham níveis mais baixos de pressão arterial e menor incidência de depressão e ansiedade. Os que faziam esses passeios com mais frequência apresentavam melhores índices de interação social. O estudo foi publicado em junho de 2016 na revista Nature.

Uma equipe da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, revisou 142 trabalhos sobre o tema e concluiu que o contato com o verde promoveu reduções significativas na pressão arterial, na frequência cardíaca e na produção de cortisol, que em níveis acentuados conduz ao estresse. Observou-se também menor incidência de diabetes e mortalidade por doenças cardíacas. O artigo foi publicado no periódico Environmental Research em outubro de 2018.

Mais atividade aeróbica

O estudo da cidade de Brisbane também verificou que passeios mais duradouros e frequentes às áreas verdes favorecem maiores níveis de atividade física. O exercício, especialmente aeróbico, como caminhada, corrida, bicicleta e dança, estimula a produção de betaendorfinas, nosso analgésico natural. Além de atenuar a dor, confere sensação de bem-estar, alivia a ansiedade e o estresse, contribui para o equilíbrio emocional.

No final de novembro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde atualizou suas diretrizes sobre atividade física, enfatizando que pessoas de todas as idades e habilidades devem se movimentar. “Ser fisicamente ativo é fundamental para a saúde e o bem-estar e pode adicionar anos à vida e vida aos anos”, disse na ocasião o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. “Cada movimento conta, especialmente agora que gerenciamos as restrições da pandemia de Covid-19.” A orientação é praticar pelo menos 300 minutos de atividade aeróbica moderada ou 150 minutos de atividade vigorosa por semana para todos os adultos, incluindo quem tem doenças crônicas, e uma média de 60 minutos por dia para crianças e adolescentes.

Desejo em alta

As pessoas transam mais nos lugares quentes, constatou um levantamento feito pela Trojan, uma fabricante de preservativos, que ouviu mil homens e mulheres acima de 18 anos nos Estados Unidos em 2010 (Trojan’s Degrees of Pleasure). A cidade campeã foi Miami. E a melhor condição climática para o sexo foram os períodos de chuva.

Além disso, investigadores da Universidade de Berkeley, na Califórnia, localizaram no suor masculino uma substância com ação afrodisíaca, o feromônio androstadienone: afeta a produção de hormônios no sexo feminino, interferindo no humor e no desejo.

Existem exceções

Embora a maioria das pessoas prefira o clima quente, há quem não tolere o calor e inclusive sofra de depressão sazonal de verão, menos frequente que a de inverno, só voltando a ficar bem quando os termômetros começam a cair. “O inverno nos impulsiona a ser mais organizados e nos planejar para o futuro”, considera Claudia Feitosa-Santana. “Como somos extremamente adaptáveis, podemos viver bem em situações extremas, como nos países nórdicos, que se destacam entre os mais felizes do mundo mesmo com um inverno longo e rigoroso.” O segredo talvez seja desfrutar o que for agradável e fazer adaptações, como recorrer às luzes para compensar a escuridão ou ao ar-condicionado para garantir uma temperatura amena, quando necessário.