O tempo está passando mais rápido ou mais devagar?
Todo ano esse mesmo sentimento: foi só você quem sentiu ou 2024 realmente passou "voando"? Entenda porque a percepção do tempo é tão subjetiva e qual o papel das suas emoções
O ano novo já está entre nós e a velha pergunta chega de súbito: o que você fez em 2024? Conseguiu cumprir as metas do ano passado? Começou na academia, leu os livros que queria, fez novas amizades, viajou mais ou, no fim, não deu tempo de fazer tudo?
A percepção de que o tempo está passando mais rápido parece vir em vários momentos ao longo do ano: aniversários, feriados marcantes e, principalmente, o período de fim de ano. Mas existe algum fundo de verdade nessa impressão?
É + que streaming. É arte, cultura e história.
A resposta é complexa vai ser diferente a depender de para quem se pergunta, já que existem perspectivas diferentes para a mesma questão.
O professor Leonardo Gomes, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pesquisa desde 2014 sobre a percepção da passagem do tempo. Ele explica que as emoções e a atenção são dois dos principais fatores.
"A emoção é um dos principais fatores que afetam, junto com a atenção. Talvez sejam os dois grandes fatores que vão determinar esses vieses perceptuais", introduz. Efeitos socioculturais também exercem um grande efeito para o sentimento de aceleramento.
O psicólogo comenta que a expectativa para "aproveitar ao máximo" o tempo, somado a pressões de trabalho ou estudo e estímulos das redes sociais, podem criar um sentimento que prejudica o descanso e parece acelerar os dias.
"Isso se intensifica nos últimos anos, principalmente por conta da nossa conectividade, as redes sociais e o volume de informação que a gente processa diariamente. Os estudos mostram que quanto mais atividades ou informações a gente coloca num determinado período de tempo, maior é a chance da gente perceber esse tempo passando mais rápido"
Leonardo Gomes, psicólogo
Essas expectativas podem ser agravadas quando alguém compara a sua própria vida com aquela mostrada por influenciadores digitais, que podem ajudar a impor expectativas irreais sobre a relação com o tempo, o trabalho e o ócio.
"Alguns influencers fazem até a gente se sentir mal, né? Deu 9 horas da manhã, a pessoa já fez três tipos de atividade física, leu dois livros, trabalhou, voltou para casa. Então é essa ideia de que a gente tem que preencher demais o nosso tempo, principalmente em termos de produtividade. O ficar à toa, o ócio, não é bem visto na nossa sociedade", explica Leonardo.
Os anos estão passando mais rápido?
Não, mas você provavelmente sente que sim. Primeiro, é uma questão de perspectiva: se pensarmos em alguém que nasceu há 10 anos, 2024 representou um décimo de toda sua vida e, portanto, poderia parecer relativamente muito mais tempo.
Por outro lado, conforme se envelhece, esse mesmo ano vai parecer menor em relação a tudo o que já viveu. Talvez você nunca deixe de se surpreender quando as lojas começarem a receber decorações de natal, mas certamente a espera entre Réveillon e o Carnaval não é tão árdua quanto já foi alguns anos atrás.
VEJA TAMBÉM | Como o relógio mais preciso do mundo pode transformar a física fundamental
Contudo, em alguns casos, a impressão de rapidez ou de demora pode estar ligada a outros fatores. Leonardo comenta que certos quadros clínicos, como depressão e ansiedade, afetam profundamente a forma que uma pessoa se vê em relação ao tempo.
"Uma pessoa depressiva, quando ela vai 'se localizar' no tempo, percebe o passado mais perto dela do que uma pessoa sem depressão, é como se o passado tivesse sempre aqui, vamos dizer assim, 'encostado' no presente. Por outro lado, o ansioso, a pessoa com algum quadro clínico de ansiedade, na verdade é o futuro que tá muito próximo, por isso que a pessoa fica em ruminações", diz o professor.
Mudanças climáticas estão tornando os dias mais longos
Apesar do sentimento de que o tempo estaria passando mais rápido, diferentes estudos indicam que a terra pode estar demorando mais para completar o movimento de rotação. A razão, segundo afirma uma pesquisa publicada em 2024, são as mudanças climáticas.
Esse tempo que “sobra” não é de horas, minutos ou segundos. A conclusão é na verdade uma diferença de milissegundos — para referência, o olho humano demora entre 100 e 150 milissegundos para piscar uma única vez. Então se você sentiu seus dias ficando mais longos, certamente a causa não está relacionada a esse fenômeno, que acontece progressivamente ao longo de décadas.
LEIA MAIS | Coluna de Catalina Leite, repórter especializada em ciência, meio ambiente e clima
Uma das razões apontadas para esse desaceleramento é o derretimento das calotas polares, conforme indica o estudo publicado nos Anais da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos da América (Pnas, na sigla em inglês) por pesquisadores da cátedra de Geodésia Espacial Ciência que estuda a forma, dimensões e campo gravitacional da Terra do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich).

O estudo indicou que a duração do dia, influenciada pelas mudanças climáticas, variou de 0,3 para 1,0 milissegundos ao longo de todo o século XX, quando o fenômeno começou a ser observado. Contudo, essa variação já subiu para cerca de 1,33 milissegundos desde o ano 2000, e pode alcançar até 3,41ms até 2100.
Um dos coautores da pesquisa é o professor Benedikt Soja, de Geodésia Espacial da ETH Zurique. Ele explicou ao O POVO que, com o derretimento das calotas polares, o planeta fica mais “achatado” perto do equador e, portanto, demora um pouco mais para fazer o movimento de rotação.
Para explicar esse efeito, ele compara o planeta aos movimentos de um patinador artístico. “A massa neste caso seria como os braços e as pernas: se estiverem abertos, a rotação é muito lenta, mas se o patinador colocar os braços e as pernas no centro do corpo, então a velocidade de rotação é muito rápida”, comenta.
"A duração do dia mudará, mas muito lentamente. Esse efeito é tão lento que normalmente não o perceberemos com nossos próprios sentidos (...) Mas o problema é que hoje existem sistemas de cronometragem realmente precisos que são necessários apenas para manter a internet funcionando, para transações financeiras, e mudanças muito pequenas na duração dos dias e no tempo afetarão isso"
Benedikt Soja, em entrevista ao O POVO
Embora esse “atraso” não seja percebido por nós e nem afete sistemas comuns, ele pode prejudicar gravemente alguns equipamentos que dependem de precisão. É por isso que o mundo inteiro adota, em alguns anos, um “ segundo intercalar Um ajuste de um segundo que é ocasionalmente aplicado ao tempo civil, para acomodar a diferença entre o tempo preciso (medido por relógios atômicos) e o tempo solar impreciso, que varia devido a irregularidades e desaceleração de longo prazo na rotação da Terra ”, com função semelhante ao ano bissexto. Com esse "desaceleramento" causado pelas mudanças climáticas, Soja explica que provavelmente os segundos intercalares se tornarão ainda mais frequentes.
A conclusão do estudo é que, se essa tendência continuar, as mudanças climáticas se tornarão um fator mais relevante para desacelerar a rotação da terra que a lua, que é hoje a principal força responsável por esse efeito.