Brasil doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao Hamas

A verba era para auxiliar na reconstrução de Gaza, cidade inserida na região da Faixa de Gaza, após o conflito entre Israel e Hamas

Falso
Não é verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) doou R$ 25 milhões ao grupo terrorista palestino Hamas, em 2010, durante seu segundo mandato como presidente da República. O valor foi autorizado pela Lei nº 12.292 de 2010, que prevê a doação de recursos à Autoridade Nacional Palestina, comandada pelo partido Fatah — oposição ao Hamas —, para a reconstrução da Faixa de Gaza após os conflitos entre Israel e o grupo fundamentalista islâmico.

Conteúdo investigado: Publicações afirmam que Lula doou R$ 25 milhões ao Hamas por meio de um decreto em 2010. Os posts vêm acompanhados de uma notícia publicada pela Câmara dos Deputados com o título: “Câmara aprova doação de R$ 25 milhões para a Palestina” e da captura de tela da Lei nº 12.292/2010, que autoriza o auxílio. Algumas das postagens citam antigas checagens sobre o tema, mas as categorizam como “mentiras”.

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Conclusão do Comprova: Publicações afirmam, de forma enganosa, que, em 2010, o presidente Lula doou R$ 25 milhões ao grupo terrorista palestino Hamas, autor dos massacres a Israel em 7 de outubro. Os conteúdos investigados aqui têm como base uma lei, sancionada em 20 de julho de 2010, que autorizava a doação do recurso à Autoridade Nacional Palestina, órgão liderado pelo Fatah, e não para o Hamas. A verba era para auxiliar na reconstrução de Gaza, cidade inserida na região da Faixa de Gaza, após o conflito entre Israel e Hamas, entre o final de 2008 e início de 2009.

As publicações tratam a ANP e o Hamas como se fossem a mesma coisa, o que não é verdade. A Autoridade Palestina é um órgão de governo autônomo, criado para administrar territórios reivindicados por palestinos até o desenrolar das negociações de paz entre Israel e Palestina. Atualmente, o órgão controla a Cisjordânia, enquanto a Faixa de Gaza está sob domínio do Hamas.

Na época da doação, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez um apelo para que a comunidade internacional fornecesse recursos para financiar a ajuda humanitária às vítimas. A entidade estimou que seriam necessários US$ 613 milhões para atender às demandas mais urgentes de compra de alimentos, água, abrigos, fornecimento de cuidados médicos e educação.

A desinformação já foi desmentida por agências de checagem e voltou a circular após os atentados terroristas do Hamas contra Israel, em 7 de outubro. O governo federal também publicou uma nota negando o financiamento ao grupo.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No X, são dezenas de posts que disseminam essa desinformação. O Comprova compilou quatro, que chegaram a 101,5 mil visualizações em conjunto.

Como verificamos: O Comprova procurou informações sobre a doação citadas pelas publicações nos sites do Governo Federal e Câmara Legislativa, além de buscar a Lei nº 12.292, que trata da doação. Com buscas no Google, foi possível encontrar outras checagens sobre o tema (Estadão Verifica, Aos Fatos, UOL Confere e Fato ou Fake). O Comprova também tentou contato com os responsáveis pelas publicações.

Qual o contexto da doação?

Entre 2009 e 2010 o Congresso Nacional discutiu e aprovou um projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, que autorizava a doação de R$ 25 milhões à Autoridade Nacional Palestina para auxiliar na reconstrução da Faixa de Gaza. A ajuda se deu no contexto do acirramento do conflito entre Israel e o grupo Hamas no território palestino, entre o final de 2008 e início de 2009, durante o segundo mandato de Lula. O confronto durou cerca de 20 dias e deixou mais de 1,3 mil mortos.

A lei foi sancionada em 2010. Na justificativa da proposta aprovada, o governo citou a estimativa da ONU de que seriam necessários US$ 613 milhões para prestar assistência nas áreas de alimentação, educação e saúde às vítimas na Palestina, além da reconstrução da estrutura da Cidade de Gaza, a maior do território.

À época, o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que o recurso seria enviado a um fundo administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “É dinheiro para um fundo que vai trabalhar na reconstrução de Gaza. Não é dar dinheiro para um grupo ou outro, mas para um fundo administrado pelas Nações Unidas”, disse.

Ao contrário do que afirmam os posts, o valor não foi direcionado ao Hamas. Apesar de controlar a Faixa de Gaza desde 2007, o grupo negou qualquer interferência na gestão das doações para a reconstrução da área. Na realidade, a própria lei afirma que os recursos seriam doados à Autoridade Nacional Palestina, organização controlada pelo Fatah, partido contrário ao Hamas.

Autoridade Palestina não é comandada pelo Hamas

A Autoridade Palestina surgiu em 1994, como consequência dos Acordos de Oslo firmados entre Israel e palestinos. O órgão foi criado com o intuito de funcionar como um governo autônomo enquanto as negociações pela paz entre as nações se desenvolviam. Apesar de ter sido estabelecido que o órgão seria provisório (por um período de cinco anos), a Autoridade Palestina permanece ativa até hoje. Atualmente, ela é comandada pelo presidente Mahmoud Abbas, do Fatah, considerado um partido mais moderado e que historicamente possui divergências com o Hamas.

Em 2006, o grupo fundamentalista chegou a vencer o Fatah durante as eleições legislativas para a ANP. No entanto, os dois entraram em um conflito, que terminou com o Fatah expulso da Faixa de Gaza. O partido, por sua vez, assumiu o controle da Cisjordânia e rejeitou a administração Hamas, mantendo o domínio sobre a Autoridade Palestina. Portanto, na contramão do que os posts levam a crer, a ANP e o Hamas não são a mesma coisa.

O grupo fundamentalista islâmico Hamas é considerado terrorista por países como Estados Unidos, Japão e as nações vinculadas à União Europeia. Já o Brasil, seguindo a classificação da ONU, não reconhece o Hamas como uma organização terrorista. Apesar do posicionamento neutro do país sobre o tema, Lula classificou os ataques recentes do grupo a Israel como “terroristas”.

O texto do projeto de lei alvo de desinformação é categórico ao classificar a ANP como “único representante legítimo do povo palestino”: “O principal destinatário dos recursos doados será a Autoridade Nacional Palestina, na qualidade de único representante legítimo do povo palestino”.

Os conteúdos investigados já foram desmentidos por agências de checagem ao menos desde 2021 e voltaram a circular nesta semana, após a ofensiva do Hamas a Israel, no último dia 7 de outubro. O conflito já deixou mais de 3 mil mortos até a sexta-feira (13). O governo brasileiro condenou a ação e convocou uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, presidido pelo Brasil, para discutir soluções.

O que diz o responsável pela publicação: Os perfis que publicaram conteúdos desinformativos sobre o tema costumam não aceitar receber mensagens pelo X. O Comprova conseguiu entrar em contato via e-mail com um dos responsáveis pela publicação. Ele seguiu afirmando, sem provas, que o recurso foi doado ao Hamas, e que a Palestina é comandada pelo grupo, o que não é verdade.

O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é o uso de informações reais de forma distorcida para corroborar uma informação falsa. A citação da Lei nº 12.292/2010 gera uma suposta credibilidade. A menção de checagens já feitas sobre o tema, e a rejeição de que exponham a verdade, serve para desencorajar que o público busque esse trabalho para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: A suposta doação já foi verificada por G1, UOL Confere, Aos Fatos e Estadão Verifica. O envio de recursos do Brasil para o exterior é constantemente alvo de desinformação. O Comprova já checou que o país não enviou US$ 600 milhões para o agronegócio argentino e que é enganoso que o Brasil fará empréstimo à Argentina enquanto Lula bloqueia recursos da saúde e educação.

Investigado por: Metropoles e GZH

Verificado por: Folha, CBN Cuiabá, Poder 360 e NSC Comunicação

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