Mortes por doenças respiratórias em 2019 não superam 2020: post do deputado é equivocado

Deputado André Fernandes divulgou como sendo mortes por doenças respiratórias casos que, na verdade, envolvem todas as doenças. O POVO procurou a associação que mantém o Portal da Transparência - Registro Civil, fonte usada pelo parlamentar, para explicar os números

19:53 | Mai. 11, 2020

Por: Leonardo Maia
Número de mortes por doenças respiratórias aumentou no Ceará de março para cá e ainda há óbitos que podem ser incluídos (foto: Fabio Lima)

É errada a informação de que o número de mortes por doenças respiratórias no Ceará em 2019 supera a quantidade observada em 2020. Os dados foram divulgados pelo deputado estadual André Fernandes (PSL) nas redes sociais. Contudo, ele cometeu equívoco no uso dos números e incluiu os óbitos relacionados a todos os tipos de doença para fazer a comparação. Além disso, o parlamentar desconsiderou o aviso no Portal da Transparência - Registro Civil, fonte das informações usadas por ele, sobre o tempo que leva até a comunicação das mortes. O prazo legal é de até 14 dias até um óbito ser computado na ferramenta à qual recorreu como referência.

Na verdade, no período considerado - 16 de março a 10 de maio - houve 452 mortes a mais no Estado por doenças respiratórias em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso sem considerar casos dos últimos 14 dias que ainda podem ser incluídos - e que correspondem ao período em que o Ceará tem tido maior quantidade de vítimas da Covid-19.

Em publicação neste domingo,  Fernandes afirma que teriam sido 6.377 mortes por doenças respiratórias e 2019, antes da Covid-19. Em 2020, com novo coronavírus, seriam 6.296 mortes. Ambas para o período de 16 de março a 10 de maio. A fonte citada por ele é o Portal da Transparência - Registro Civil.

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"Por que em 2019 não teve o mesmo alarde?", ele indagou. "Com isso só temos duas conclusões: ou ano passado as vidas eram menos importantes que as desse ano, ou, estão usando essas mortes como arma politica em ano de eleição." Ao apurar os dados, abriu-se a terceira opção: confusão na leitura dos números.

O POVO procurou a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), responsável pelo Portal da Transparência - Registro Civil, para explicar os números. Por meio da assessoria, a instituição que mantém a ferramenta explicou que parte da estatística usada pelo deputado não corresponde a doenças respiratórias. Dentro dos dados apontados, há a categoria denominada “demais óbitos”, que não se trata de óbitos por enfermidades respiratórias.

"Demais Óbitos são mortes relacionadas a outras doenças naturais... câncer, HIV, AVC, derrame etc. Enfim, todas as demais causas mortis, exceto as respiratórias e as violentas (assassinato, acidente, suicídio etc.) estes últimos que não entram neste painel”, apontou a assessoria.

Aumento do índice durante a pandemia

Excluindo os óbitos que não se enquadram em doenças respiratórias, as mortes registradas neste ano representam 452 casos a mais que no ano passado.


Os 3.217 óbitos por doenças respiratórias em 2020 são 16% superiores aos 2.765 de 2019.

As mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), um dos indicadores mais usados pelas autoridades públicas, aumentaram de 6 para 166 nesse período, de acordo com os dados do Portal da Transparência - Registro Civil.

Porém, a Arpen explicou, via assessoria, que o crescimento pode ser ainda maior. Os dados consultados pelo deputado e disponíveis no site têm um atraso de até 14 dias, devido aos prazos legais dados para que os registros sejam cadastrados no sistema. “A família tem até 24 horas após o falecimento para registrar o óbito em cartório que, por sua vez, tem até cinco dias para efetuar o registro de óbito, e depois até oito dias para enviar o ato feito à Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), que atualiza esta plataforma”, complementa. A informação consta em nota no portal.

Nos últimos 14 dias do período considerado, de 27 de abril a 10 de maio, o sistema IntegraSUS contabiliza 797 óbitos confirmados em testes laboratoriais ou testes rápidos por Covid-19, considerada a data em que as mortes ocorreram. Há ainda 282 óbitos em investigação se seriam pelo novo coronavírus. Neste período, o Portal da Transparência - Registro Civil contabiliza 582 mortes. Um indicativo da diferença que pode haver após o prazo legal para serem computados os óbitos.

Subnotificação

Marta Brandão, presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Estado do Ceará (Sindsaúde), condenou as falas de André Fernandes e disse que a entidade não acredita que a Sesa esteja divulgando as estatísticas com fins políticos. “Acho a fala do deputado muito irresponsável, de quem ainda está minimizando a letalidade desse vírus. A gente espera de uma autoridade uma postura diferente, que não subestime a letalidade desse vírus”, enfatizou.

Na semana passada, Fernandes informou que profissionais de saúde estariam sendo pressionados pelo secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, a notificar como Covid-19 mesmo óbitos sem relação alguma com o novo coronavírus.

Marta Brandão considera, pelo contrário, que o Estado sofre com a subnotificação e não está tendo uma real dimensão do número de casos e óbitos da Covid-19. Brandão atribui o fato à crise global, que não permite que os testes sejam realizados de forma massiva, como é recomendado pelos especialistas. “Esse seria um caminho para uma estatística real, mas a Sesa adotou plataformas e é bem avaliada na opinião do Sindsaúde Ceará.”

De acordo com último boletim epidemiológico liberado na tarde desta segunda-feira, 11, pelo IntegraSUS, plataforma da Sesa, o Ceará soma 17.599 casos confirmados e registra 1.189 óbitos decorrentes da Covid-19.

O POVO tentou entrar em contato com a assessoria do deputado André Fernandes, mas não teve suas mensagens respondidas, assim como ligações atendidas ou retornadas, até a publicação desta matéria.