Servidores de Santa Quitéria teriam ido ao RJ dar carro a chefe de facção
Em pedido de cassação e inelegibilidade, MPE listou diversos indícios que integrantes do Comando Vermelho agiram em prol da reeleição de José Braga Barrozo, o Braguinha
18:50 | Dez. 27, 2024
Servidores da Prefeitura de Santa Quitéria, município do Sertão dos Crateús, teriam ido até o Rio de Janeiro (RJ) entregar um carro para o traficante Anastácio Pereira Paiva, conhecido como Doze ou Paulinho Maluco, apontado como chefe do Comando Vermelho (CV) em diversos municípios da Região Norte do Estado.
Esse é um dos indícios apontados pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) que evidenciam o envolvimento do prefeito eleito de Santa Quitéria, José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB), com integrantes da facção criminosa.
Conforme Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), apresentada pelo MPE no último dia 18 de dezembro, dois funcionários que ocupam cargos comissionados na Prefeitura de Santa Quitéria foram até o Rio em 19 de julho deste ano.
O documento, ao qual O POVO teve acesso, afirma que Francisco Edineudo de Lima Ferreira e Francisco Leandro Farias de Mesquita partiram de Fortaleza a bordo de um veículo modelo Mitsubishi Eclipse Cross. Em 21 de julho, os dois regressaram ao Ceará de avião.
O carro foi encontrado em 17 de dezembro último em uma casa que pertenceria a Anastácio, na comunidade da Rocinha, durante uma operação que visava, justamente, prender o traficante e outros faccionados cearenses foragidos no Rio.
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“Cabe frisar que Francisco Edineudo de Lima Ferreira ocupa cargo de Coordenador do Gabinete do Prefeito, enquanto Francisco Leandro Farias de Mesquita ocupa cargo de Assessor Técnico no órgão municipal de trânsito”, afirmou a promotora Priscila Rayana de Medeiros Souza. “Ambos foram nomeados por JOSE BRAGA BARROZO”.
A representante do MPE ainda menciona que Francisco Leandro foi preso em 2020, ocasião em que foi descrito como "motoristas da facção" e "responsável pelo transporte de drogas".
“Outrossim, os fatos relatados e as provas apresentadas indicam que os candidatos acionados agiram em conluio com o crime organizado para obter sucesso nas eleições municipais, sendo que JOSE BRAGA BARROZO desviou o poder da sua autoridade enquanto prefeito para fins ilícitos, pois designou servidores públicos municipais para a empreitada criminosa ou com esta anuiu”, afirmou a promotora.
“Notório, ainda, que houve abuso do poder econômico, pois um veículo foi levado até o Rio de Janeiro como parte de um ‘negócio’ ilícito entre o Chefe do Poder Executivo e os criminosos do Comando Vermelho, visando manter-se no poder a qualquer custo, com gravidade suficiente para afetar a normalidade das eleições, o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade do certame”.
Candidato, funcionários da Justiça Eleitoral e eleitores foram ameaçados
A AIJE ainda listou uma série de ações criminosas realizadas por integrantes do CV em Santa Quitéria visando influenciar as eleições municipais. Eleitores foram coagidos através de áudios e mensagens no Whatsapp, assim como pichações foram realizadas ameaçando eleitores do candidato Tomás Figueiredo (MDB).
Funcionários da Justiça Eleitoral no município também foram ameaçados pelos criminosos, afirma o MPE. Em 18 de setembro, um homem não identificado ligou para o Cartório Eleitoral do município e afirmou que, se a Justiça não “parasse” com as decisões contra os “irmãos” do CV, a unidade seria atacada e pessoas seriam assassinadas.
Em uma segunda ligação, o homem voltou a realizar ameaças: “tu duvida? Sai aí na calçada pra tu ver, bota a cara na rua” (Sic). Por causa disso, o perímetro que dá acesso ao Cartório Eleitoral, localizado no Centro da cidade, foi parcialmente fechado e a segurança, reforçada por 24 horas.
Além disso, moradores teriam sido expulsos do município por faccionados. No celular de Daniel Claudino de Sousa, que foi preso suspeito de ter vindo do Rio somente para atuar nas eleições em Santa Quitéria, foi encontrado um vídeo, encaminhado por ele no Whatsapp em 2 de outubro, em que apareciam eleitores de Tomás. Ele comentava que “seriam outras que teriam que sair da cidade”.
Em um áudio, Daniel afirmou que ligou para várias pessoas determinando que saíssem da cidade: “Rapaz, eu liguei pra um bocado de gente, viu, mano. O chefe só mandava e eu ligando. As que eu liguei saiu fora, mandei conferi.” (Sic)
O MPE ainda registrou que um homem foi encontrado morto em 3 de outubro, com marcas de tiros, nas proximidades de um açude do distrito de Sangradouro. Ao lado do corpo, haviam vários “santinhos”. O crime ainda não foi elucidado, mas a promotora comentou que "tal fato aumentou o temor da população”.
Faccionados orientaram a não citar nome de prefeito eleito
Ainda durante a campanha eleitoral, a Polícia Federal cumpriu mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão contra suspeitos de tentar interferir no pleito. Em celulares que foram apreendidos, os policiais se depararam com conversas de integrantes do CV planejando os ataques a opositores de Braguinha.
Um homem identificado como Francisco Girvando Ferreira de Oliveira, o "Rikelme", que seria "braço-direito de Anastácio", apareceu dando ordens como: “Casas que tiver fotos do Tomas podem comprar spray e picha”, “carro pode quebrar os vidros”,”moto pode quebrar os retrovisores”, “problema de quem for votar nele”. Nas mensagens, porém, Girvando alertou que o nome de Braga não poderia constar em pichações.
As conversas também mostram que uma candidata a vereadora também foi favorecida pelos faccionados. Kylvia Maria de Lima Oliveira (Progressistas) foi flagrada conversando com Daniel e, em um dos diálogos, este disse: "Eu acho que eu já gastei mais dinheiro do que o Braga com você nessa política".
Além disso, Daniel teria ameaçado adversários de Kylvia. "Eu sou muita coisa não mas desenrolo uma coisa", ele disse em uma das mensagens. "Botar e o veriador de lá para ralar kkk", complementou. Kylvia, porém, não foi eleita.
MPE pediu cassação e inelegibilidade dos suspeitos
O MPE pediu à Justiça a cassação de José Braga Barrozo e de seu vice, Francisco Gardel Mesquita Ribeiro (Progressistas), assim como a inelegibilidade deles por oito anos. Este último pedido também foi estendido a Kylvia Maria, Francisco Leandro e Francisco Edineudo.
Os suspeitos ainda não foram citados e, por isso, não apresentaram resposta à Justiça Eleitoral. Isso só deve ocorrer após o fim do recesso forense, em 6 de janeiro.
Nota do prefeito e do vice
Por meio de nota, o prefeito eleito de Santa Quitéria, José Braga Barrozo e o vice, Francisco Gardel Mesquita Ribeiro, afirmam que não pactuam com o crime organizado e que repelem qualquer tentativa de envolvê-los com as facções criminosas.
"O prefeito José Braga Barrozo, não teve ciência, benefício e muito menos, prestou anuência a qualquer tipo de envolvimento de servidores públicos com membros de facção natural de Santa Quitéria, não autorizando a viagem mencionada na matéria que supostamente envolveria servidores". informa a nota.
Os gestores afirmam ainda que após tomar conhecimento dos fatos exoneraram os servidores Francisco Leandro Farias de Mesquita e Francisco Edineudo de Lima Ferreira, confirme publicado no Diário Oficial do Município, no dia 20 de dezembro de 2024.
"É importante ressantar que desde a eleição de 2020, tais acusações são requentadas por adversários políticos sem que haja qualquer prova que as corrobore. Assim, considera a ação eleitoral precipitada, na medida em que se baseia em conjecturas e presunções pessoais dispiciendas de suporte probatório". afirma.
Conforme a nota, o prefeito e o vice estão à disposição para colaborar com as investigações e confiam na Justiça e na rápida resolução dos fatos.
"A recondução do prefeito reeleito ao cargo se deu por meio do voto popular, em um processo democrático, inclusive com intensa presença das forças de segurança, em disputa com dois outros concorrentes e o resultado refletiu a vontade da maioria dos cidadãos de Santa Quitéria", aponta a nota.