Rompimento da barragem do açude Orós completa 65 anos
Em 26 de março de 1960, o rompimento parcial da barragem do açude Orós devastou a região do Baixo Jaguaribe em uma das maiores tragédias relacionadas à açudagem no Ceará
Nesta quarta-feira, 26, completam-se os 65 anos de uma das maiores tragédias da engenharia hídrica no Ceará: o rompimento parcial da barragem do açude Orós, que represa as águas do Rio Jaguaribe. Segundo noticiado pelo O POVO na época, o desastre impactou diretamente 170 mil pessoas, o equivalente a 60% da população do baixo Jaguaribe na época.
Devastando plantações, casas, estradas e pontes, o que deveria representar a esperança de um sertão menos castigado pela seca transformou-se no pesadelo de milhares de famílias.
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A construção do açude Orós, segundo maior reservatório do Brasil perdendo apenas para o Castanhão, teve início no governo de Epitácio Pessoa (1919-1922). Localizado no município que lhe dá nome, a 342 km de Fortaleza, o projeto foi interrompido, sendo retomado apenas durante o mandato de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
O reservatório tem uma capacidade total 1,94 bilhão de m³ água. Até terça-feira, 25, o açude Orós apresenta um volume de 72% de sua capacidade.
A sequência de eventos que culminou na tragédia teve início com a grande seca de 1958, uma das mais severas já registradas. No ano seguinte, os moradores chegaram a fazer procissões para pedir chuvas. Em 1960, contudo, elas vieram com força, superando as previsões.
No dia 22 de março, o rio Jaguaribe subiu seis metros em apenas 15 horas, sobrecarregando o sistema de drenagem do açude, que ainda estava em obras. No mesmo dia, O POVO estampava em sua manchete: "Orós com as horas contadas". Isso porque os engenheiros do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) já alertavam para o risco de rompimento.

A pesquisadora Meirismar Paulino, da Associação de Preservação Histórico Cultural Pedro Augusto Netto e moradora de Orós, tinha cerca de 10 anos de idade quando as águas do açude galgaram. “Os apitos da casa de força avisaram a população. A rádio também desempenhou um papel fundamental na disseminação das informações do que estava acontecendo", conta Meirismar.
O exército, que percorreu a região do Vale do Jaguaribe em jipes com alto-falantes, também foi utilizado para avisar a população.
"Os moradores das partes mais baixas da cidade foram orientados a procurar abrigo em locais mais altos, como casas de parentes nos morros. Mas se houvesse o rompimento total da barragem, o Centro teria sido atingido”, relata Meirismar.
Na madrugada de 26 de março de 1960, o pior aconteceu. Às 00h17min, a ombreira direita do açude cedeu e um estrondo pode ser ouvido de longe. Três bilhões e meio de metros cúbicos de água foram despejados sobre o Jaguaribe, arrastando tudo em seu caminho.
Apesar da gravidade da situação, os estragos dentro do município de Orós foram menores do que se temia. "A água desviou para o lado oposto. Poucas casas foram levadas e os prejuízos foram mais materiais do que humanos. As maiores perdas ocorreram nas comunidades ribeirinhas abaixo da barragem, onde casas de pequenos agricultores e trabalhadores foram afetadas”, conta a pesquisadora.
Famílias perderam tudo na inundação
O maior impacto, no entanto, ocorreu nos demais municípios da região do Baixo Jaguaribe. Comunidades inteiras ficaram submersas e cidades como Limoeiro do Norte, Jaguaribara e Jaguaribe tiveram mais da metade de suas casas destruídas.
Morador de Limoeiro do Norte, a 198 km de Fortaleza, Sebastião Alves de Santiago tinha apenas oito anos na época do desastre. Ele conta que foi seu pai que avisou a família da urgência de sair de casa e buscar abrigo. Aquela foi a primeira vez que helicópteros em grande número sobrevoavam o Ceará. As aeronaves lançaram panfletos sobre a gravidade da situação, enviados pelo Governo Federal.
“A água subiu muito desde a madrugada. Meu pai atravessou o rio de canoa com alguns resgatados e, quando voltou para casa, a água já cercava tudo. Ele pegou uma canoa e colocou minha mãe e os filhos menores nela. Três dos meus irmãos mais velhos ficaram na casa, em um abrigo em cima de um pé de figo”, conta Seu Sebastião, hoje com 73 anos.
Ele conta que a correnteza era muito forte, fazendo com que a canoa quase virasse. “Chegamos num lugar onde já havia muita gente refugiada, na comunidade de Altinho. O único abrigo disponível era um chiqueiro. Foi um momento muito difícil. O cheiro de urina era muito forte. Em seguida, meu pai voltou em casa para buscar meus irmãos mais velhos que ficaram”, relata.
“Depois de mais de uma semana, uma lancha do Exército nos resgatou. Quando voltamos, nossa casa tinha desabado e perdemos tudo. O que conseguimos depois foi o que o Exército distribuía: mantimentos e roupas doadas."
Edna Maria, filha de Sebastião, cresceu ouvindo essas histórias e conta que, até hoje, os moradores de Limoeiro do Norte comentam o episódio: "O pessoal fala que, se houver um novo rompimento, só vai sobrar a torre da igreja."

Conclusão do Açude Orós
Ainda que não haja registros oficiais de vítimas fatais, jornais da época chegaram a apontar relatos de corpos boiando no rio. Três dias após a tragédia, Juscelino Kubitschek visitou a região e ordenou a reconstrução da barragem, que foi reinaugurada em janeiro de 1961, recebendo seu nome oficial. A perenização do rio Jaguaribe ocorreu na década de 1980 com a inauguração da válvula dispersora.
Colaborou Roberto Araújo, do OPOVODOC
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