Casarão do Educandário Eunice Weaver, em Maranguape, é demolido após 82 anos de serviço

Anos depois, após o surto de hanseníase ter sido controlado, o casarão passou a receber crianças advindas de famílias em vulnerabilidade social que residiam em Maranguape, Maracanaú e cidades circunvizinhas

18:47 | Set. 22, 2024

Por: Luíza Vieira
Educandário Eunice Weaver (foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal - Maria Rosimar )

O Educandário Eunice Weaver, localizado em Maranguape, município distante 26 km de Fortaleza, foi construído para atender os filhos sadios de pessoas com hanseníase, doença infecciosa que se ampliou no Brasil na década de 30. Contudo, o casarão, edificado em 1942 a partir da iniciativa de Eunice Sousa Gabi Weaver, foi demolido no início do mês de agosto. 

Criado inicialmente como Sociedade Cearense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, o Educandário acolhia os filhos de pessoas vitimadas pela doença, isolando-as dos pais doentes que estavam isolados na Colônia Antônio Justa, um leprosário situado em Maracanaú, que naquele período era distrito de Maranguape.

“O Educandário abrigou, na minha época, de 250 a 300 crianças cujos pais estavam no leprosário Antonio Diogo, no município de Redenção, e na Colônia Antônio Justa. Alguns voltaram para casa com os pais, que foram fazer o tratamento em casa, e outros ficaram no Educandário”, relembra a professora polivalente Joanete Abreu, de 73 anos, que lecionou na instituição entre 1976 e 2005.

Anos depois, após o surto de hanseníase ter sido controlado, o casarão passou a receber crianças advindas de famílias em vulnerabilidade social que residiam em Maranguape, Maracanaú e cidades circunvizinhas. Os jovens eram encaminhados à entidade por meio da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem).

“Como os filhos dos leprosos já estavam indo embora do Educandário, foi diminuindo a quantidade de crianças lá”, explicou Joanete Abreu.

A professora informou que o terreno que sediou a instituição pertencia à uma sociedade e as atividades eram mantidas, principalmente, por doações. Além do Educandário, o perímetro abrangia a escola Eunice Weaver, que atendia crianças que residiam na entidade e está em funcionamento até os dias atuais.

Em 2019, a Sociedade Cearense Eunice Weaver publicou, em sua conta oficial do Facebook, uma nota de esclarecimento, pontuando que a instituição não dispunha de auxílio financeiro para manter a entidade e as obras sociais. O cenário fez com que o Educandário passasse a atender as crianças em meio período e não mais em tempo integral.

“A instituição atende 65 crianças e adolescentes em regime interno e semi-internato e suas famílias. Sem auxílio financeiro para manter a instituição e as obras sociais, não irá funcionar em período integral em 2019 e só serão aceitas crianças matriculadas nas escolas Chico Lima e Eunice Weaver”, segue a nota.

“Não deixe o educandário fechar. Precisamos do apoio da comunidade para continuarmos prestando serviços de forma gratuita. Seja um voluntário nessa causa, doe alimentos não perecíveis, material de limpeza e de higiene pessoal”.

O aviso e os pedidos de ajuda, no entanto, não foram suficientes. As doações começaram a diminuir e a crise financeira se instalou. Decorrente disso, o diretor da sociedade optou por vender o terreno, visto que não tinha condições de arcar com as despesas.

A cessão da propriedade, de acordo com as fontes consultadas pela reportagem, não foi previamente comunicada aos outros membros do corpo social.

Em 19 de março deste ano, a página da Sociedade Cearense Eunice Weaver no Facebook anunciou que o casarão estava encerrando as atividades. O comunicado gerou comoção de pessoas que passaram pela instituição.

“A instituição era de patrimônio particular das federações Eunice Weaver. Como fazer para vender, não sei, só sei que o poder público de Maranguape foi omisso com esta instituição que tanto bem fez a comunidade local e entorno”, respondeu o administrador da página a um comentário no Facebook.

A Secretaria de Cultura de Maranguape informou que o prédio fica nos limites territoriais do município, contudo, a pasta não trata de assuntos relacionados à propriedade.

“Não há previsão de tombamento do prédio. Há uma política de preservação de prédios históricos, mas eu acredito que o Educandário não esteja nesse conceito”, explicou a secretaria.

O POVO tentou contato com o Cartório Holanda a fim de saber se havia algum processo em andamento envolvendo o casarão, no entanto, o número disponível para ligação está bloqueado ou sem receber chamadas.

Memórias em ruínas: ex-professores e internos relatam como era a rotina no Educandário

“Lá tinha um refeitório grande e os quartos das crianças, no lado esquerdo do corredor ficavam os meninos e no direito as meninas”, menciona a professora Joanete Abreu sobre o casarão que sediava o Educandário Eunice Weaver.

Uma vez eu levei um dentista para olhar os meninos. Às vezes, quando precisavam ir ao médico, eu levava as crianças. Dava dó de alguns que tinham piolho, bicho-de-pé, essas coisas”, complementa.
Os internos ficavam sob os cuidados de uma pessoa. A entidade, contudo, dispunha de uma cozinheira, um auxiliar de serviços gerais e padeiro.

“As crianças precisavam muito de carinho, proteção. Tudo que acontecia com elas contavam para gente. Uma vez, briguei com um homem que ‘tomava de conta’ dos meninos. Nesse dia estávamos sentados e uma professora pediu para olhar as costas de uma das crianças, fazia dó. Eu perguntei a ele o que tinha acontecido e ele disse que um homem tinha colocado ele dentro de um formigueiro”, seguiu.

“Fui até o Educandário, procurei a pessoa e brigamos. Eu disse que ia denunciar o homem. Depois me pediram para não denunciar, mas ele saiu depois”.

De acordo com a professora, os antigos professores do Eunice Weaver se encontram duas vezes por ano para recordar os tempos em que trabalhavam no local.

“É triste ver um ambiente tão acolhedor chegar a esse ponto, ser demolido, porque não apareceu ninguém da sociedade, ninguém das autoridades para ir lá, ver como estava. Quando saímos entraram novas pessoas e foi acontecendo isso, de não ter mais ninguém. Poderiam ter reformado o prédio e ter colocado mais crianças”, explica Sônia Camilo, ex-interna do Educandário Eunice Weaver.

Maria Rosimar relembra os momentos em que morou no internato e afirma que, ao receber um vídeo do casarão demolido, se emocionou, porque, segundo ela, “foram 18 anos morando no local e agora só restam as lembranças”.

“Fiquei sem acreditar. Todos os internos estão abalados, sem acreditar. Eu me emociono quando lembro da Alice e do Patrício, que eram como irmãos para mim” relata Rosimar.

 

As duas pessoas mencionadas por Rosimar ficaram no internato mesmo após todas as outras crianças saírem do local. De acordo com a ex-interna, Alice e Patrício ficaram sob a responsabilidade de uma cuidadora que trabalhava no local e, frequentemente, os antigos internos visitavam os dois.

O POVO contatou o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) para saber se havia algum processo relacionado à transferência do imóvel. O órgão alegou que, “no momento, não há procedimento em aberto referente a esse caso”.