Moradores do Maracanaú reclamam do mau cheiro de fábrica de reciclagem
Prefeitura interditou uma parte do processamento da empresa, mas mau cheiro continua. Moradores afirmam que os horários de refeição e de sono são os mais angustiantesFedor, incômodo, mau cheiro e ânsia de vômito são palavras e sensações que perpassam o dia a dia dos moradores do Acaracuzinho, em Maracanaú (na Região Metropolitana de Fortaleza). O motivo do desconforto é a localização da fábrica de reciclagem de animais, MAR Reciclagem, no Distrito Industrial l, a menos de 160 metros de distância do bairro.
“Provocar de nojo se tornou comum aqui”, diz a empreendedora Elizabeth dos Santos, 47. “As pessoas de fora, quando chegam ao bairro, sempre perguntam como a gente aguenta viver com todo esse fedor. Quem vem de fora não aguenta comer, beber ou viver aqui. A gente suporta porque estamos acostumados e somos obrigados”, informou.
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A empreendedora Elizabeth relembrou o alívio durante um curto período de paralisação das atividades da fábrica: “Uma vez pararam a fábrica por três dias. Na época, a sensação é que estávamos em outro bairro. Depois que reativaram, o fedor começou novamente. É insuportável comer e acordar com essa catinga”.
Apesar do odor constante, há um tempo específico do dia em que a situação é ainda mais incômoda. Para os moradores, os horários de refeição e de sono são classificados como "momentos de aflição".
“A hora do almoço é a pior. Não tem nada que drible esse cheiro insuportável. As crianças não conseguem comer direito por causa desse fedor. Além disso, durante a noite, a gente não consegue dormir por causa do cheiro podre”, diz a vendedora Maria José, 54.
O odor emitido pela fábrica impacta diretamente o trabalho de Maria José. “Eu trabalho vendendo comida. As pessoas merendam e ficam enguiando por causa desse mau cheiro." No Nordeste, enguiar significa regurgitar ou vomitar.
Mãe de uma criança de 4 anos, a comerciante Magna Maria, 39, lamenta o impacto do mau cheiro na saúde do filho: “Ninguém suporta, todo mundo passa mal. Isso já tem muitos meses. As crianças voltam das escolas porque passam mal com o cheiro. As crianças desmaiam e vivem doentes”.
“Quando o cheiro piora, a gente liga para a fábrica para saber o que está acontecendo. Por causa disso, os representantes da empresa vêm até a gente para dizer que estão instalando outras tubulações, por isso o odor está mais podre do que o normal. É sempre assim”, finaliza a comerciante.
Sair do bairro não é opção, dizem moradores
Além do mau cheiro, os moradores lamentam a desvalorização das residências e o fato de não terem condições para deixar o bairro. “A gente não tem como comprar outra casa. Eu não consigo vender minha residência, porque ninguém quer comprar. Quando aparece alguém, a pessoa quer pagar R$ 20 mil em uma casa que vale mais de R$ 100 mil”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.
“Só compra casa no bairro quem já mora aqui. Quem nasceu, cresceu e virou adulto aqui. A situação é constrangedora até com os motoristas de aplicativos. Eles não aceitam corridas e, quando aceitam, ficam perguntando o porquê de morarmos aqui com todo esse fedor insuportável. Eu não tenho dinheiro para comprar outra casa e sair do bairro", acrescenta ela.
MAR Reciclagem diz estar investindo em troca de equipamentos
Fundada em 2016, a fábrica MAR Reciclagem atua no reaproveitamento de resíduos de origem animal para produzir ração animal, biodiesel e materiais para indústria de higiene e limpeza. Pedro Perazzo, assessor da Mar Reciclagem, e Pedro Bittar, presidente da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), dizem que o fedor aumentou por causa de problemas no maquinário.
“Nós trabalhamos com produtos perecíveis, que estragam rapidamente, por isso não podemos parar a empresa e ocasionar uma piora nesse cenário. O prazo para efetivação das trocas dos equipamentos quebrados é de até 30 de março”, disse Bittar em visita do O POVO à fábrica, na última quarta-feira, 18.
Perazzo afirmou que o odor realmente piorou nos últimos dias, mas alega que a empresa está investindo na troca de equipamentos e na ampliação do maquinário para melhor o tratamento dos gases. “Já possuímos alguns equipamentos para tratar esses gases, mas, por causa do aumento da reclamação, nós começamos a ampliar.”
Na manhã de quarta-feira, 18, a diretoria da empresa esteve em contato com a Prefeitura de Maracanaú para discutir a situação da empresa e o mau cheiro para os moradores no entorno.
Ainda segundo Parezzo, as atividades também foram reduzidas para minimizar o mau cheiro: "Nós estamos instalando novos biofiltros, lavador de gases e trocador de calor. Estamos tentando negociar para ver o que conseguiremos fazer para sanar de uma vez por todas com o mau cheiro”.
Já o presidente da Abra, Pedro Bittar, defendeu que, apesar do mau cheiro, a fábrica tem um papel importante para o meio ambiente. “Se não fosse o nosso segmento, nós precisaríamos de muito mais lixões e aterros sanitários para conseguir suprir essa demanda de recolhimento de resíduos."
Bittar defende que o trabalho da empresa é essencial. "O problema do mau cheiro é um problema do distrito industrial, não é exclusivamente nosso. Outras empresas também produzem odor. De qualquer forma, não é porque estamos aqui que podemos poluir, nossa empresa é despoluidora. A gente ajuda o meio ambiente", diz.
Por fim, Bittar critica o desenvolvimento urbano da área. "Na verdade, eu questiono o Plano Diretor da Cidade, que permitiu a construção dessas moradias perto dos conjuntos industriais.” O Plano Diretor é o mecanismo legal que orienta a ocupação e o crescimento urbano em um município.
Prefeitura interdita processamento de pescado
Procurada, a Prefeitura Municipal de Maracanaú informou que interditou a empresa especificamente em relação ao processamento de pescado, durante fiscalização realizada pela Secretaria do Meio Ambiente e Controle Urbano (Semam) na última segunda-feira, 16.
Em nota, a Prefeitura explica que o processamento dos outros produtos continua permitido. "O maior causador do mau cheiro denunciado pela população é o pescado. A empresa só poderá retomar o processamento desse produto quando instalar um filtro reduto da poluição atmosférica".
A Prefeitura explica ainda que o caso está "sendo acompanhado de perto pela Semam".
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