Bispo do Crato aconselha romeiros a não apoiar leis que "favoreçam à morte"

Durante o sermão pelos 85 anos da partida de padre Cícero, dom Gilberto Pastanha disse aos romeiros que ninguém pode apoiar "leis que matam ou favoreçam à morte"

15:54 | Jul. 20, 2019

JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ, BRASIL 20-07-2019: Dom Gilberto Pastana, arcebispo do Crato.Missa de celebração de morte de Padre Cícero, igreja do Socorro. (foto: (Foto:Fabio Lima/OPOVO))

Quem não madruga todos os dias 20 de julho em Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, perde a chance de experimentar a fé de uma nação de romeiros. Há 85 anos, desde o “encantamento” do padre Cícero Romão Batista, milhares de devotos e pagadores de promessas voltam à “terra santa” para rezar, pedir e agradecer ao sacerdote e líder político, falecido em 1934.

Ontem, o Largo do Socorro - em frente à capela que tem o mesmo nome e onde está o túmulo de Padre Cícero -, ficou pequeno para milhares de fiéis do sacerdote. Era madrugada ainda, quase quatro horas de um começo de dia frio, quando os romeiros começaram a se achegar para a principal missa em intenção da “alma” do finado mais concorrido do Nordeste.

Dom Gilberto Pastana, bispo da diocese do Crato, fez as honras da celebração ao lado de dom Rosalvo Cordeiro, auxiliar da Arquidiose de Fortaleza e na presença de vários padres. Aqui, em Juazeiro do Norte, padre Cícero continua sendo maior que a igreja católica. É o finca pé dos romeiros que não arredam da santidade popular do personagem. E não interessa para eles se o Vaticano ainda arrasta pendengas contra o “padim”.

JUAZEIRO DO NORTE, CEARÃ., BRASIL 20-07-2019: Missa de celebração de morte de Padre Cícero, igreja do Socorro. (Foto: (Foto:Fabio Lima/O POVO))

Os fervorosos do padre respeitam, pela ordem, o Coração Sagrado de Jesus Cristo, a Virgem Maria e, depois, Cícero. Queremos rezar para sua santificação”, fraseou dom Gilberto, um paraense nomeado em 2016 pelo papa Francisco para pastorear no Cariri.

Padre Cícero, narrado no sermão do bispo, é o “pavio que ainda fumega e não se apagará”. Verdade. Oitenta e cinco anos depois, uma multidão de crentes ainda busca pela permanência do presbítero que também foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte 1911).

JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ, BRASIL 20-07-2019: Imagens de fé durante Missa de celebração de morte de Padre Cícero, igreja do Socorro. (Foto: (Foto: Fabio Lima/OPOVO))

Ancorado no evangelho que contou sobre o Êxodos, dom Gilberto Pastanha, atualizou a narrativa. Pregou que o “povo de Deus”, ali encarnados nos romeiros, nos pagadores de promessas e em outros peregrinos “não podem se acomodar diante da morte, da escravidão”.

E foi mais além. “Nós não podemos apoiar leis que matam, que favoreçam à morte. E não pensem sozinhos, pensem sempre comunitariamente”, aconselhou dom Gilberto no Largo da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

No Êxodos, o povo hebreu se junta, se liberta do autoritarismo de um mandatário do Egito e refundam a vida num outro País.

PELA PERNA QUE SE SALVOU

A permanência de padre Cícero no imaginário dos romeiros tem suas razões. Mesmo que sua morte tenha acontecido há 85 anos, quem peregrina de vários cantos do Brasil para Juazeiro do Norte

traz na bagagem a devoção passada por avós, pais ou vizinhos de comunidades.

Predominantemente, o traço da fé é nordestino. De Maxaranguape, no Rio Grande do Norte, veio Deise Pacheco, 30 e poucos anos. Foi a avó, Adélia Francisca da Silva, 87, que a colocou no caminho para Juazeiro do Norte.

Devota do “padim Ciço”, dona Adélia fez promessa pra neta pagar. Foi quando Deise se acidentou gravemente no trabalho, queimando uma das pernas na fábrica de detergente.

A idade da avó não a deixa mais visitar a terra onde ainda “vive o padre”. Ficou para Deise. Pela segunda vez, veio agradecer pela perna que não perdeu. Vestiu batina preta e assistiu à missa às 6 da manhã. “Foi a promessa, vou deixar aqui na sala dos milagres”, conta.

JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ, BRASIL 20-07-2019: Missa de celebração de morte de Padre Cícero, igreja do Socorro. (Foto: (Foto:Fabio Lima/O POVO))

DE PAI PARA FILHO

“Meu pai viu o padre Cícero, falava com ele”, orgulha-se José Raimundo dos Santos, 71. Ministro da Eucaristia e da Irmandade do Santíssimo, Zé Raimundo não esquece do que viveu ouvindo em casa, em Juazeiro do Norte.

“Ô, meu filho, o padre Cícero disse que o Coração Sagrado de Jesus cuidasse dos romeiros”, repetia, segundo seu Raimundo, Pedro Joaquim dos Santos.

Foi a tia Maria Vieira quem devotou Maristela Sena Dias, 59, a padre Cícero. Com a visita do último sábado, já passava das 80 viagens a Juazeiro.

Prefeita de Piranhas, no agreste alagoano, Maristela Sena passou a trazer os devotos do padre em caravanas anuais. Desta vez, de três ônibus, desembarcaram 150 romeiros para as celebrações pela travessia do sacerdote.

E assim, os romeiros, devotos e pagadores de promessas seguem o que padre Cícero teria dito e dom Gilberto Pastana reforçado este ano. “A presença de vocês aqui tem importância. Porque aquilo vocês ouviram aqui, irão contar lá aos familiares, aos amigos, na volta para casa”, perpetua o bispo da diocese do Crato.

JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ, BRASIL 20-07-2019: Imagens de fé durante Missa de celebração de morte de Padre Cícero, na igreja do Socorro, em Juazeiro do Norte. (Foto: (Foto:Fabio Lima/O POVO))

SINCRETISMO NA ENTRADA DO SOCORRO

No átrio da Capela do Socorro, passagem para tumba de padre Cícero, um encontro inusitado. Após a missa de 85 anos de saudades do religioso católico, um agrupamento de índios Pankararus, vindos de Pernambuco, e penitentes de São Gonçalo, de Santa Brigida da Bahia, se permitiram juntar as rezas e os rituais.

Primeiro numa dança de São Gonçalo. Homens e mulheres, maduros e idosos, vestidos de branco e ao som da rabeca, viola e pandeiro, entrançavam jornadas de passos e reverências à imagem de padre Cícero e à memória de Mãe Dodô. Uma beata, falecida, herdeira dos ensinamentos do “padim”.

Depois, os índios. Vestidos de cordas de sisal dos pés à cabeças. Caboclos com São Jorge estampados nas costas, cocás, maracás e ladainhas que misturaram cantos indígenas a Ave Maria e Pai Nosso.

E no final, uma procissão dos dois grupos de devotos pelas ruas do Centro Histórico de Juazeiro do Norte. Da Capela do Socorro à igreja de São Francisco.