ICMBio embarga construção de piscina gigante de R$ 4 mi em área de proteção ambiental em Jeri
Semace concedeu autorização para empresa desmatar área de 3,84 hectares, mas Instituto Chico Mendes multou o empreendimento em R$ 500 mil. MPF está investigando o caso
00:30 | Mar. 19, 2017
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O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) embarga obra de uma piscina gigante no valor de mais de R$ 4 milhões na Área de Proteção Ambiental da Lagoa do Paraíso em Jericoacoara. O equipamento, é 2,4 vezes maiores do que a existente - por exemplo - no Náutico Atlético Clube (em Fortaleza), e terá um desmatamento de 3.087 metros quadrados de mata atlântica, restinga e caatinga em região considerada zona de amortecimento, distante 530 metros do Parque Nacional de Jericoacoara. As informações constam no auto de infração lavrado pelo ICMBio.
De acordo com o Instituto, a empresa do italiano Giorgi Bonelli, responsável pela obra, busca implantar, de forma fracionada, empreendimento cujo conjunto de intervenções causará significativo impacto ambiental. A entidade federal sustenta que houve crime ambiental no processo de escavação da piscina, onde houve desmatamento de vegetação nativa, importante para a conservação do meio ambiente local. A ação do órgão no local foi motivada por uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF), que conduz desde fevereiro de 2014 o Inquérito Civil Público, que apura irregularidades na implantação de empreendimento na área.
Responsável por acompanhar o caso, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Sobral, José Milton Nogueira, afirma que o empresário Giorgi Bonelli já deu entrada, de 2013 a 2016, em pelo menos sete pedidos de licenciamento para empreendimentos diferentes na região, entre eles um resort e um hotel, gerando a desconfiança de que a intenção final seja a instalação de um complexo turístico. "Se for um complexo, o impacto é maior, o licenciamento é mais exigente e o estudo é diferente. O ICMBio verificou que pode estar havendo o fracionamento. Em vez dele (o empresário) pedir um licenciamento geral, pede um para cada coisa. Será que daqui a um ano, ele vai fazer algo maior?", questiona.
A defesa do empresário alega que todas as intervenções foram realizadas em sintonia com a lei. Segundo o geógrafo e consultor ambiental da empresa do italiano, Pedro Morais, a companhia conseguiu uma autorização da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) para o desmatamento de 3,84 hectares em território considerado uma APA, em fevereiro de 2016, com validade até 15 de fevereiro deste ano. O POVO Online teve acesso ao documento - não há especificação sobre qual tipo de instalação seria construída após o desmate.
O profissional explica que, a princípio, a ideia inicial era construir um estacionamento na área desmatada, que seria uma extensão da barraca. Entretanto, por conta da seca que atinge as lagoas da região, o empresário decidiu construir, em vez de um local para veículos, uma piscina gigante, que funcionará como um lago artificial, ocupando uma área menor do que os 3,84 hectares autorizados. A partir disso, deu-se entrada em mais um processo na Semace, obtendo, em 24 de junho de 2016, a declaração de isenção de licenciamento para construção da piscina. No início de fevereiro, a Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara também concedeu o alvará para o empreendimento, dando início às intervenções. (Veja ampliadas a autorização e a declaração concedidas pela Semace)
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O empresário Giorgi Bonelli recorreu à autuação do ICMBio e o processo será encaminhado à Coordenação Regional 5 do ICMBio em Parnaíba, responsável pelo julgamento do auto de infração. A barraca de praia Alchymist Beach Club, assim como seu restaurante, seguem funcionando normalmente e não foram alvo da autuação do Instituto.
Polêmica sobre o tamanho do empreendimento
O procurador José Milton Nogueira enviou uma recomendação à Semace pedindo uma análise geral sobre a situação, tendo em vista a emissão de declaração de isenção de licenciamento. O procurador quer saber se a Superintendência sabia das dimensões exatas da piscina para liberar a obra. O POVO Online teve acesso ao documento emitido pela Semace, e nele não consta as dimensões da piscina.
"Não tem nenhum tipo de detalhamento. Não sei se a Semace tinha o conhecimento do real tamanho. Uma piscina normal não precisaria licenciar, e solicitei à Semace que apreciasse a necessidade de licenciamento. Para o MPF, a declaração valeria se fosse uma piscina comum", explica José Milton.
Procurada pela reportagem, a Semace, por meio de nota, informou que há três processos de licenciamento em nome da empresa Jardim do Alchymist Restaurante LTDA; dois deles estão em trâmite e um foi emitido em março de 2016. A Superintendência não deu detalhes sobre os procedimentos. Não é possível identificar se algum destes trata sobre a autorização para desmatamento no qual é utilizada pela defesa do empresário Giorgi Bonelli.
O órgão estadual confirmou ter concedido a declaração. Porém, afirmou que o procedimento previsto em lei não isenta o interessado da obrigação de pedir autorização ambiental em caso de necessidade de desmatamento.
Questionado sobre as dimensões da piscina, a Semace comunicou: "O processo protocolado tratou de obra de piscina, não de um lago artificial. Diante da suspeita, a Semace analisará in loco as dimensões da obra. Caso se comprove o suposto desmatamento sem autorização ambiental, estará configurada a infração".
Empresário tem apoio da Prefeitura
O empreendimento de Giorgi Bonelli tem o total apoio da Prefeitura de Jijoca devido ao retorno financeiro ao município. Segundo o italiano, a piscina é uma maneira de assegurar que o turismo continue movimentando a economia da cidade, principalmente no período de seca.
"Várias barracas fecharam por causa da seca que afeta as lagoas. Em Tatajuba, todas as barracas fecharam porque a seca tirou a única oportunidade de desfrutar do lugar. Essa parte do desmatamento sempre dá pena, mas foi feito estudo, e apresentamos antes de desmatar", conta o empresário.
Bonelli se diz surpreso com a autuação do ICMBio e afirma que seu empreendimento não causará danos ao meio ambiente. Ele também nega a acusação de fracionamento. "Para a Semace, a piscina não tem impacto negativo. Temos o sonho de fazer essa piscina, sem prejudicar o meio ambiente. Não sei como uma piscina pode ser um problema. A água virá de caminhões pipa e não será retirada da lagoa. Sinceramente, não entendo essa ideia de fracionamento, não temos nenhum tipo (de ação fracionada). Nunca foi feito nada sem autorização”, completa.
O secretário de Turismo de Jijoca, Ricardo Gusso, ressalta a importância da atuação do empresário italiano na região. "A Prefeitura é a favor do desenvolvimento econômico do turismo. Em época de seca, ele (Bonelli) atrai 1.500 turistas por dia em sua barraca. O prefeito é a favor do empreendimento, do desenvolvimento econômico sustentável. Quando soubemos (da autuação do Instituto), ninguém entendeu nada", afirma o titular da pasta. O POVO Online também tentou entrar em contato com o secretário de Infraestrutura e Planejamento, José Viton, mas as ligações não foram atendidas.
Para o gestor ambiental da APA da Lagoa de Jijoca pela a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema-CE), Tiago Silva Bezerra, é importante promover o turismo na região, mas sempre conservando o meio ambiente. "O território tem grande potencial turístico, mas deve ser feito um turismo de base sustentável. Para que isso ocorra, o empreendimento tem que realizar estudos sobre os impactos ambientais e minimizar ao máximo os prejuízos ao ambiente. Tem que haver um estudo técnico viável. Quantas piscinas deste porte a região poderia comportar sem gerar impacto? O ecossistema é super frágil", contrapõe o profissional.
De acordo com o chefe do Parque Nacional de Jericoacoara, Jerônimo Martins, o correto seria realizar Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) que subsidiaria o licenciamento das intervenções na área. Entre os impactos ambientais que o empreendimento, ele elenca: supressão de vegetação e aumento na demanda por uso de água; impermeabilização do solo; geração de resíduos sólidos e líquidos; e tráfego de veículos na região.
"Não se pode pensar isoladamente no impacto da piscina, que foi recentemente autorizada, mas no conjunto das intervenções na área, componentes de um mesmo empreendimento", analisa.