Jeri: Incra quer concluir até o fim de novembro busca em cartórios sobre terras de empresária

Técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária vai rastrear registros cartorários em Acaraú, Cruz e Jijoca de Jericoacoara, para esclarecer a sobreposição da vila com propriedade de empresária

12:05 | Nov. 06, 2024

Por: Cláudio Ribeiro
FOTO antiga de Jeri apresentada pela família de Iracema Correia São Tiago, que tem documento da área (foto: FCO FONTENELE)

O plano de trabalho para tentar esclarecer mais do rebuliço jurídico-imobiliário sobre as terras de Jericoacoara, a 282 km de Fortaleza, já foi desenhado. Chamado para reforçar a nova investigação sobre os registros cartorários de uma propriedade particular que estaria em sobreposição com a vila de Jeri, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) definiu 29 de novembro próximo como prazo para concluir a sua parte no levantamento mais minucioso sobre as terras, que passaram a ser reivindicadas por uma empresária. 

Um servidor do Incra foi disponibilizado para atuar exclusivamente, durante todo o mês de novembro, na identificação da cadeia dominial da Fazenda Junco I, que tem a escritura em nome da empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos. A intenção do trabalho será “ir até a origem” da escritura do imóvel, que indica estar com mais de 80% de sua área (73,5 hectares) coincidentes com o terreno completo (55 ha) da vila.

Está previsto que o técnico do Incra percorra os cartórios dos municípios de Acaraú, Cruz e Jijoca de Jericoacoara, para tentar localizar o marco zero documental da fazenda, de onde e quando se formou a propriedade.

Cruz, em 1985, e Jijoca, em 1991, se emanciparam de Acaraú, que guarda muitas das matrículas imobiliárias vizinhas. O que for apurado será confrontado com informações já obtidas anteriormente. Em reuniões internas, o órgão federal admite que o prazo estipulado pode ser revisto, caso o rastreio não tenha sido concluído.

Diante da repercussão de que Jeri poderia pertencer quase totalmente a apenas uma pessoa, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) interrompeu, inicialmente por 20 dias e depois por tempo indeterminado, um acordo extrajudicial que já estava firmado com a empresária Iracema Correia São Tiago, 78. O acerto havia sido assinado em maio deste ano.

O POVO divulgou a última suspensão na sexta-feira, 1º. A medida que havia sido tomada três dias antes (29) e seguia sendo conduzida apenas internamente.

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"Duas situações principais vão ser analisadas: a legitimidade da propriedade, que é a forma como ela foi adquirida, e as dimensões do imóvel", informou o superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), João Alfredo, sobre como será o trabalho pericial do Incra. Segundo ele, o Idace teria condições técnicas de realizar o mesmo levantamento, mas a intenção foi ter um "olhar de fora" para avaliar o material e buscar novas evidências sobre a área. 

As terras da Junco I teriam surgido quando três propriedades menores foram adquiridas, em 1983, pelo empresário José Maria Morais Machado, ex-marido de Iracema. O casal se divorciou em 1995 e ela recebeu a fazenda na partilha de bens. Além dessa, as fazendas Junco II e Caiçara também somam faixas (cerca de 1.600 hectares) sobrepostas na área do Parque Nacional de Jericoacoara - criado em 2002 e expandido em 2007.

O servidor do Incra escalado para o levantamento das terras de Iracema deverá também esmiuçar cada uma dessas três matrículas embrionárias da fazenda Junco I. "Ele vai analisar livro a livro, cada página e, se necessário, buscar mais informações em livros auxiliares", complementou o superintendente do Idace.

Vila de Jeri: entenda mais do acordo com a empresária

O acordo, por enquanto travado por período indeterminado pelo Estado, é para que a empresária Iracema Correia São Tiago siga dona de 19 lotes da localidade (3,47 ha), todos de áreas remanescentes, sem construções, e renuncie aos terrenos onde haja habitações ou estabelecimentos comerciais. Na justificativa da PGE, a suspensão é para “garantir a segurança jurídica” do acordo, que outros órgãos se manifestem e até que não restem dúvidas “quanto ao legítimo domínio”.

As tratativas entre a empresária e o Estado haviam começado em julho de 2023 e foram assinadas desde maio deste ano. PGE e Idace participaram da negociação. A comunidade de Jeri só teria descoberto o acordo no fim da primeira quinzena de outubro - quando foi requisitar a transferência de um terreno onde seria construída uma horta comunitária local.

No dia 13 passado, após reunião entre representantes dos moradores e comerciantes, os advogados da proprietária, o prefeito eleito Leandro Cézar (PP), mais PGE e Idace, foi anunciada uma suspensão inicial do acordo por 20 dias - depois estendida por tempo indefinido para mais esclarecimentos sobre a documentação apresentada.

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Ao justificar a suspensão como "necessidade de uma análise complementar em parceria", a PGE oficiou órgãos e entidades que lidam com questões ambientais e fundiárias. Além do Incra e do Idace, também foram envolvidos na nova apuração a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Procuradoria Federal. Os núcleos ambientais do Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPCE) também foram comunicados.

Sobreposição das terras de Jeri: o que é questionado pelo Conselho Comunitário

A escritura trintenária nas mãos da empresária que se apresentou como "dona" da área de Jeri foi inicialmente reconhecida e legitimada pelo Estado, através da PGE e do Idace. Mas a validade da matrícula passou a ser questionada pelo Conselho Comunitário de Jeri, que reúne moradores e comerciantes locais e alegou inconsistências quanto ao tamanho daquelas terras particulares.

Há menções, em documentos divulgados em postagens de redes sociais pela entidade, de que o tamanho das matrículas teria passado de pouco acima de 400 para mais de 900 hectares. Outras citações indicam de 700 para 900 hectares. A dúvida e a repercussão forçaram o Estado a adiar a confirmação da propriedade para Iracema Correia São Tiago.

Os advogados da empresária argumentam que os recursos tecnológicos de georreferenciamento ajustaram o tamanho das terras. Que antes teriam sido indicados em cartório apenas por referências físicas - como em lagoas, serrotes, o mar ou em cercas que existiam anteriormente.

No último dia 23, em comunicado emitido por Iracema e seus filhos, a família da empresária negou ter cometido grilagem da área em questão. "Queremos nos somar e não dividir. Queremos dialogar e não agredir. Não somos grileiros", declararam, após o Conselho Comunitário questionar a metragem dos terrenos.