"Não somos grileiros", diz família de empresária em nota à comunidade de Jericoacoara

A nota, que é assinada por Iracema Correia São Tiago e filhos, foi divulgada à imprensa nesta quarta-feira, 23

20:11 | Out. 23, 2024

Por: Luíza Vieira
Família de empresária apresentou documentos sobre a propriedade de hectares de terra na vila de Jeri (foto: FCO FONTENELE)

“Queremos nos somar e não dividir. Queremos dialogar e não agredir. Não somos grileiros”. A frase está inserida em um comunicado emitido pela família de Iracema Correia São Tiago, empresária que apresentou uma escritura de propriedade sobre 73,5 hectares (ha) da área onde hoje está localizado na Praia de Jericoacoara, em Jijoca, distante 282 km de Fortaleza. A Vila de Jeri tem cerca de 55 hectares.

A nota, que é assinada por Iracema Correia São Tiago e filhos, foi divulgada à imprensa nesta quarta-feira, 23.

O posicionamento da família ocorre um dia após o Conselho Comunitário de Jericoacoara publicar um vídeo nas redes sociais detalhando como a metragem dos terrenos foi feita. Conforme o post, a soma total da área dos três lotes adquiridos pela família é de 441,04 ha e as áreas correspondem a fazenda de plantio de caju Junco I, conhecida na região como “Firma Machado”.

Neste sentido, a família de Iracema justifica que a alteração na metragem da área dos terrenos se deve ao “avanço da tecnologia e ao aumento da precisão da medição e que os pontos de referência não mudaram: ao Norte com o Litoral/Terra de Marinha e ao Sul com o Córrego da Forquilha, no Travessão das Pedrinhas”.

O grupo também reforça que nunca pediu ao Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace) a totalidade das terras da fazenda Junco I, que se sobrepõe à Vila de Jericoacoara. “Desde que entendemos que tínhamos o direito de questionar a Arrecadação feita pelo Governo do Ceará, nossa condição para fazer isso era a de respeitar os terrenos legitimamente ocupados e titulados”, complementa.

A nota informa que a reivindicação é pela titularidade dos terrenos que não estão sendo ocupados e que não sejam de interesse do Governo do Estado do Ceará. Portanto, qualquer uso dos terrenos no futuro estarão de acordo com o Plano Diretor do Município, não existindo a possibilidade de causar “transtornos para a coletividade”.

A família revela ter interesse em participar do desenvolvimento de Jericoacoara e questiona: “Como tantas outras pessoas que estão aí, muitos de outros estados e do estrangeiro. Por que eles podem e nós, cearenses, não podemos?”.

A fim de embasar a argumentação, o comunicado apresenta a história de como a geração já tem participado do desenvolvimento da região desde a chegada de José Maria Machado, em 1979. A família menciona que a documentação sobre a titularidade do terreno foi aferida e comprovada pelos órgãos competentes em níveis estadual e federal.

Um ponto destacado pela família na "carta aberta aos moradores da Vila" é que o atual prefeito da cidade e o futuro gestor municipal foram procurados para conversar e esclarecer quaisquer dúvidas. O Conselho Comunitário, conforme o comunicado, também foram contatatos pelo mesmo motivo, contudo, o grupo não obteve retorno das partes supramencionadas. 

“Pedimos ao povo de Jeri que não se deixe influenciar pela má fé de uma ou outra pessoa que queira, de fato, se apossar desses terrenos - como já fizeram anteriormente. São essas pessoas que estão desenvolvendo uma campanha para aterrorizar o jijoquense e nos difamar. Isso nós não podemos permitir”, pontua.

O prefeito eleito do município, Leandro Cézar (PP) se pronunciou sobre o caso nesta terça-feira, 22, afirmando que não iria conceder "nenhum alvará de construção" caso o acordo entre o Governo do Estado e a empresária não fosse revertido

“Ontem vi a fala do governador do Estado falando da parte jurídica sobre a questão das terras. Eu, como prefeito eleito deste município, sou totalmente contra essa doação”, informou.

A negociação mencionada pelo futuro prefeito trata-se de uma fala do governador Elmano de Freitas (PT) proferida na última segunda-feira, 21, durante entrevista ao O POVO News. Na ocasião o chefe do Executivo estadual disse que o único acordo possível entre as partes é aquele em que a empresária fica responsável pelas terras que não estão sendo utilizadas pelo turismo e comércio local.

Naquele mesmo dia, o titular da Procuradoria Geral do Estado (PGE), Rafael Machado, informou ao O POVO que o acordo havia sido suspenso por 20 dias, contados desde o último dia 14, data em que foi realizada uma reunião com o Conselho Comunitário de Jericoacoara, Idace e a PGE. A decisão foi tomada a pedido da própria entidade local. 

Para entender o caso 

Apesar de correr na Justiça desde de julho de 2023, as escrituras que constatam que Iracema Correia São Tiago é proprietária de cerca de 80% da Vila de Jericoacoara, só vieram a público no último fim de semana, quando moradores da região protestaram contra acordo de posse de áreas desocupadas da vila.

A população alegava que as terras estariam sendo negociadas sob sigilo entre o Estado e a empresária.

Após o ato, o tema repercutiu nacionalmente, fazendo com que as partes envolvidas (Conselho Comunitário de Jericoacoara, Procuradoria Geral do Estado (PGE), empresária e prefeitura) prestassem esclarecimentos sobre o imbróglio fiduciário.

No dia 14 de outubro, a entidade local, a PGE e o Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace) se reuniram a fim de resolver a problemática. No encontro, conforme explicou o titular da PGE, Rafael Machado, ao O POVO, o Conselho pediu para que o acordo fosse suspenso, o que foi acatado na reunião.

O referido acordo, segundo Samuel Magalhães, sobrinho postiço da empresária, está assinado com o Estado desde maio deste ano. O termo acordado entre as partes determina que a proprietária fique responsável apenas pelas áreas consideradas remanescentes, sem construções existentes - referente a 3,47 hectares, quando a escritura abrangia 73,5 ha (a vila tem perto de 55 ha).

As informações foram dadas por Samuel em entrevista concedida ao repórter especial do O POVO, Cláudio Ribeiro. Samuel é sobrinho de José Maria Morais Machado, empresário que comprou três lotes de terras no litoral oeste cearense em meados dos anos 70 com o objetivo de investir no cultivo de coqueiros e cajueiros.

A atividade tinha o apoio do Governo Federal, por meio do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão extinto em 1989. Uma dessas propriedades foi a Fazenda Junco I, composta por três terrenos comprados pelo empresário em 1983. À época, o lugar estava inserido no território do município de Acaraú.

É no perímetro da fazenda que estaria sobreposta a Vila de Jericoacoara, conforme escritura apresentada pela empresária Iracema Correia São Tiago, de 78 anos, a ex-mulher de José Maria e atual dona do documento.

A família alega ter procurado o Conselho Comunitário, o atual gestor municipal e o prefeito eleito da cidade para conversar e esclarecer dúvidas, contudo afirma não ter tido retorno e reforça que está à disposição para o diálogo.

Nota da família na íntegra 

"Carta aberta aos moradores da Vila de Jericoacoara

Gostaríamos de tranquilizar os moradores, comerciantes, empresários e trabalhadores da Vila de Jericoacoara. Nos últimos dias, muitas informações distorcidas foram trazidas a público e pedimos a oportunidade de esclarecer os fatos e fazer com que a verdade prevaleça. Nossa família nunca pediu ao Idace a totalidade das terras da fazenda Junco I, que se sobrepõe à Vila de Jericoacoara. Desde que entendemos que tínhamos o direito de questionar a arrecadação feita pelo Governo do Ceará, nossa condição para fazer isso era a de respeitar os terrenos legitimamente ocupados e titulados.

Nunca se falou em tomar casas ou construções de quem quer que fosse.

A nossa reivindicação é para que nos seja dada a titularidade dos terrenos que não estão ocupados e que não sejam do interesse do Governo do Estado. E asseguramos que qualquer uso desses terrenos no futuro ocorrerá respeitando o Plano Diretor do Município. Não existe a possibilidade de causarmos qualquer transtorno para a coletividade. Queremos participar do desenvolvimento de Jeri, como tantas outras pessoas que estão aí, muitos de outros estados e do estrangeiro. Por que eles podem e nós, cearenses, não podemos? Queremos nos somar e não dividir. Queremos dialogar e não agredir.

Estamos sendo vítimas de uma campanha de difamação. Não somos grileiros. Nossa família investe no desenvolvimento da região há muitos anos e tudo isso começou com o José Maria Machado (Zé Maria), da Firma Machado, que é de Sobral e chegou na região em 1979. A legitimidade da nossa documentação foi aferida e comprovada pelos órgãos competentes em níveis estadual e federal. Além do reconhecimento pelo Idace, ICMBio e SPU, a propriedade é certificada pelo Incra e georreferenciada.

A alteração na metragem da área dos terrenos tem relação com o avanço da tecnologia e o aumento da precisão da medição. E os pontos de referência não mudaram: ao Norte com o Litoral/Terra de Marinha e ao Sul com o Córrego da Forquilha, no Travessão das Pedrinhas.

Já nos colocamos à disposição do Conselho Comunitário, do atual prefeito e do prefeito eleito para conversar e esclarecer quaisquer dúvidas, mas não obtivemos nenhum retorno. Seguimos à
disposição para o diálogo.

Pedimos ao povo de Jeri que não se deixe influenciar pela má fé de uma ou outra pessoa que queira, de fato, se apossar desses terrenos - como já fizeram anteriormente. São essas pessoas que estão desenvolvendo uma campanha para aterrorizar o jijoquense e nos difamar. Isso nós não podemos permitir. Queremos paz e diálogo com quem ama a Vila de Jericoacoara de verdade.

Iracema Correia São Tiago e filhos
23/10/24".